Integração da Turquia na UE deixou de fazer sentido, diz Marc Pierini

Integração da Turquia na UE deixou de fazer sentido, diz Marc Pierini
De  Isabel Marques da Silva
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A temperatura da relação entre a União Europeia (UE) e a Turquia é de um gelo polar desde o início da campanha para o referendo naquele país. Marc Pierini, analista do centro de estudos Carnegie Europ

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A temperatura da relação entre a União Europeia (UE) e a Turquia é de um gelo polar desde o início da campanha para o referendo naquele país, sobretudo no que toca aos Estados-membros Alemanha e Holanda, onde vivem grandes comunidades turcas.

No início de março, a Holanda proibiu a aterragem do avião do ministro dos Negócios Estrangeiros turco em Roterdão, onde seria figura principal num comício em prol do Presidente Recep Tayyip Erdogan, que tenta reforçar os seus poderes na consulta de 16 de abril.

Depois foi a vez da ministra da Família ser impedida de entrar no consulado turco dessa cidade.

A Alemanha também não autorizou comícios junto daquela que é uma das maiores diásporas turcas.

O Presidente turco ficou em cólera e resolveu apelidar os governos holandês e alemão de nazis e fascistas.

“Merkel também vai levar a cabo práticas nazis. Contra quem? Contra os irmãos turcos que vivem na Alemanha”, disse Recep Tayyip Erdogan num dos comícios.

A indignação tomou conta dos governantes visados, mas também de outros líderes europeus.

“Fiquei escandalizado pelo que disseram Turquia sobre a Holanda, a Alemanha e outros. Nunca aceitarei essa comparação entre os nazis e os atuais governantes”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

A França, que também tem uma grande comunidade turca, autorizou um comício em Metz, mas o governo foi criticado por vários partidos por falta de solidariedade europeia.

Para analisar as consequências do referendo sobre a reforma constitucional na Turquia ao nível da relação com a UE, o correspondente da euronews em Bruxelas, Grégoire Lory, entrevistou Marc Pierini, analista do centro de estudos Carnegie Europa e antigo embaixador da UE na Turquia.

A euronews começou por perguntar qual é o estado atual da relação entre as partes.

Marc Pierini/analista Carnegie Europa: Há uma ponte que foi destruída ao nível pessoal, ou seja, entre o Presidente turco e os seus homólogos no Conselho Europeu. Não acho que a relação com a Turquia ao nível económico, financeiro, de investimento, da tecnologia, da educação deva sofrer; a menos que a Turquia decidir cortar completamente os laços com a Europa. Mas não é isso que acontece. A Turquia disse, muito cuidadosamente, que a relação económica deve continuar. Na verdade, não chegamos a um ponto de não retorno, mas a uma importante encruzilhada. Será que o projeto político de uma Turquia alinhada com as normas europeias ainda tem sentido para o poder turco? Penso que deixou de ter qualquer sentido.

Grégoire Lory/euronews: Quais serão as consequências se Erdogan ganhar o referendo?

Marc Pierini/analista Carnegie Europa: A primeira consequência é que não haverá nenhuma consequência. O Presidente foi eleito por sufrágio universal em agosto de 2014, com 52% dos votos, e continuará no cargo até às eleições de 2019. Em segundo lugar, o Parlamento foi eleito em novembro de 2015 e o partido AKP teve a maioria. Do ponto de vista do funcionamento do Estado não há consequências diretas, ganhe o “sim” ou o “não”. Mas se ganhar o “sim”, passa-se de um sistema autoritário de facto para um sistema autoritário ancorado na lei, isto é, uma Presidência absoluta sem contra-poderes. Se ganhar o “não”, será um golpe para o Presidente mas, ao mesmo tempo, o Presidente já tem agora todos os poderes, a que se junta o estado de emergência em vigor”.

Grégoire Lory/euronews: O que está em jogo para a UE após o referendo?

Marc Pierini/analista Carnegie Europa: O desafio para a UE é, tal como antes do referendo, lidar com a Turquia enquanto país desestabilizado devido ao súbito golpe de Estado fracassado e que levou a uma purga extraordinariamente alargada. É algo totalmente fora dos padrões europeus. Se o “sim” ganhar, ainda se ficará mais além desse padrão. Penso que, nesse caso – exceto se houver outro incidente -, terá de haver simplesmente uma relação mais simples entre as partes, que passa pela modernização da união aduaneira e, provavelmente, pela cooperação antiterrorismo e a cooperação sobre a Síria, face a nova situação que se vive, bem como a manutenção do acordo em matéria de refugiados e outras coisas desse género.

Grégoire Lory/euronews: O que vai acontecer à candidatura de adesão da Turquia a UE após o referendo?

Marc Pierini/analista Carnegie Europa: Desde a purga alargada que se seguiu ao golpe de Estado, que o Estado de direito na Turquia entrou em colapso e os seus critérios políticos não são cumpridos. A candidatura está em águas paradas e não deverá ir longe. Se for confirmado, de forma legal, a instauração de um regime autocrático sem contrapoderes, então a candidatura estará morta. O que está claro na situação atual é que as normas europeias, especialmente as políticas, estão em contradição com a concepção do poder feita pelo Presidente turco. Ele afirma-o todos os dias. Ou se declara formalmente que a candidatura foi cancelada ou se mantêm as negociações, por princípio, até que venham melhores dias.

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