Os salários de miséria na Europa: o caso da Bulgária

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Os trabalhadores pobres são uma realidade europeia. A etiqueta "Made in Europe" não é garantia de condições de trabalho e de remuneração éticas.

Não é só na Ásia que os operários da indústria têxtil são explorados. Os trabalhadores pobres são uma realidade europeia. Em Gotse Delchev, no sudoeste da Bulgária, os empregados da fábrica Pirin-Tex trabalham muito para ganhar pouco.

A etiqueta "Made in Europe" não é garantia de condições de trabalho dignas ou éticas.

A Pirin-Tex emprega 1800 pessoas e trabalha sobretudo para a marca de luxo Hugo Boss. A pressão é enorme. São fabricadas 12 mil peças de roupa por semana. Os trabalhadores dizem que são tratados como robôs.

Trabalho controlado por tablets

A empresa instalou 1700 tablets, um por cada posto de trabalho, que fixam a quota de produção diária de cada empregado.

"O sistema de tablets, que permite controlar todo o processo laboral, é a melhor coisa que tivemos. É possível controlar cada operação realizada pelo trabalhador, por exemplo, o tempo necessário para uma costureira fazer uma operação específica ou o seu método de costura. Graças a estes tablets, podemos controlar tudo", afirmou Mariyana Georgieva, responsável pela organização do trabalho diário na linha de montagem.

Trabalhadores queixam-se de "trabalho forçado"

A euronews falou com um representante do Sindicato Podkrepa e com vários operários do setor têxtil sobre os baixos salários e a degradação das condições de trabalho.

"Em média, os operários conseguem terminar 60% das tarefas que lhes são atribuídas. Em função da antiguidade profissional, cada trabalhador recebe em média 650/700 Leva, entre 320 e 350 euros", afirmou Kostadin Draginov, líder sindical do Sindicato Podkrepa.

"Pergunto-me se os políticos búlgaros fazem leis para os seres humanos ou para os robôs. Trabalhamos sem parar. Este sistema permitiu legalizar uma forma de trabalho forçado", afirmou Elena Marvakova, empregada da Pirin-Tex.

"O meu pai e a minha mãe vivem e trabalham no estrangeiro. Saíram daqui há mais de vinte anos. Com a idade que tenho, continuo a receber ajuda deles, eles pagam metade das minhas despesas aqui na Bulgária, para eu poder viver uma vida normal", contou Angel Stankov, trabalhador da indústria têxtil.

"Penso que os meus colegas da Europa Ocidental devem rir-se quando ouvem falar dos salários daqui. Não devem acreditar. A situação é tão má que mais vale rir. Será que somos Europeus de segunda categoria? Será que somos más costureiras? Será que comemos menos que os nossos colegas da Europa Ocidental?", perguntou Elka Karaylieva, trabalhadora da Pirin-Tex.

"Na Bulgária, há um grande paradoxo. Fugimos dos salários demasiados baixos e do fraco nível de vida. Vamos trabalhar para o estrangeiro, para Inglaterra ou para a França. Ninguém quer trabalhar aqui. Um empresário estrangeiro que deseje investir na Bulgária, não encontra mão-de-obra suficiente", disse Kostadin Draginov, líder sindical do Sindicato Podkrepa.

Búlgaros imigram para a Europa Ocidental

Gotse Delchev perdeu população nos últimos anos. De acordo com o presidente da câmara da cidade, 2500 pessoas trabalham atualmente nos países mais ricos da União Europeia, nos setores da construção, da agricultura e da saúde.

Desde 1990, cerca de um milhão e meio de búlgaros deixaram o país. Em 1992, vivam no país cerca de oito milhões e meio de pessoas. Hoje, a Bulgária tem sete milhões de habitantes e o êxodo continua. Para perceber as razões que levam as pessoas a abandonar o país, a euronews organizou uma entrevista através da Internet com uma antiga empregada da indústria têxtil de Gotse Delchev que imigrou para Londres.

"Sentia-me como uma máquina. Chegava do trabalho, comia, às vezes dormia apenas quatro horas. Sentia um peso a esmagar-me, como se tivesse um peso nas costas", contou Galina Georgieva, antiga operária da Pirin-Tex.

"O stress era enorme na Bulgária. Ganhava entre 260 e 280 euros por mês. Em Londres, ganho 1800 euros por mês. Na Bulgária, o meu empregador não acreditava em mim quando eu estava doente. Tinha de levar soro e comprar medicamentos para aguentar o trabalho. Vivo na Grã-Bretanha há três meses e sinto-me muito melhor. Na Bulgária, a carga de trabalho era demasiado grande", acrescentou Galina Georgieva.

Indústria do luxo não dá margem para aumentos

Como é uma das maiores clientes da Pirin-Tex, a Hugo Boss realiza periodicamente auditorias sociais na fábrica búlgara. A direção da empresa afirma que os resultados são positivos e que a Pirin-Tex goza de boa reputação já que noutros sítios as condições de trabalho são ainda piores.

Viden Kinevirski conhece bem a Pirin-Tex. Fez parte do grupo de engenheiros recrutados pelo empresário alemão Bertram Rollmann para construir a fábrica na Bulgária.

"Nessa altura, a fábrica estava na Grécia e o dono da empresa, o senhor Rollmann, estava à procura de uma alternativa porque o nível de vida da Grécia no início dos anos 90 era bastante elevado, enquanto aqui na Bulgária, o nível de vida é baixo. Na nosssa indústria, sabemos bem que há uma tendência para que a produção se deslocalize dos países onde o nível de vida é elevado para os países onde o nível de vida é baixo", recordou Viden Kinevirski, engenheiro da Pirin-Tex.

Quando o empresário alemão decidiu investir na Bulgária foi recebido de braços abertos. Na altura, o país atravessava graves dificuldades económicas.

"Os lucros das empresas na indústria têxtil são demasiado baixos para permitir pagar mais aos empregados. Por isso, desde há três anos, as pessoas emigram em massa, o que deixa marcas fatais. Nos últimos três anos, em média, a cada ano, houve 600 pessoas a deixar a empresa, para irem para o Reino Unido, Alemanha, Suécia ou até Espanha", contou Bertram Rollmann.

"As empresas que fabricam a roupa como a nossa, ganham apenas entre cinco e sete por cento do preço do retalho. O que não é suficiente. É tão pouco que as pessoas que trabalham na produção, na Bulgária, na Roménia, na Sérvia, na Macedónia ou na Albánia, não conseguem construir uma vida decente. Por outro lado, as marcas internacionais insistem constantemente na necessidade de respeitar as normais internacionais, as normas europeias, no domínio das condições de trabalho. Mas essas marcas não querem pagar o suficiente para podermos respeitar essas normas"", acrescentou o empresário.

Trabalhadores desmotivados

Zorka Guleva já não aguentava as más condições de trabalho e o salário de miséria e deixou a fábrica para se instalar por conta própria. Ganha pouco mas é autónoma.

"O novo sistema de quotas de produção por hora não é bom para nós. Não nos permite ganhar mais. O sistema aumenta constantemente as quotas. Não temos tempo para cumprir a quota horária. O sistema desmotiva as pessoas, as pessoas não têm vontade de trabalhar, estão desesperados e só pensam em deixar a empresa", disse Kostadin Draginov, líder sindical do Sindicato Podkrepa.

"É sobretudo um sistema de controlo dos trabalhadores, não é um sistema para aumentar a produtividade. Não se controla o processo de trabalho, controla-se o trabalhador. O objetivo é pagar o menos possível. Por isso, a produtividade baixa", contou Zorka Guleva.

É impossível viver com o salário pago pela fábrica. As pessoas que ficam no país acumulam dois trabalhos, a fábrica e um pouco de agricultura.

"Temos faturas para pagar. No inverno há o aquecimento, isso custa-me 1200 Leva, cerca de 600 euros. Preciso de dois salários para aquecer a casa, o que nos deixa pouco dinheiro para comer. Depois, é preciso pagar a eletricidade, são 100 leva. Queremos dar uma boa educação aos nossos filhos e poupar algum dinheiro para as emergências. É impossível ir de férias com o salário da empresa têxtil. Com as árvores de fruto, espero poder pagar a educação dos meus filhos. São o meu seguro de vida", disse Kostadin Draginov, líder sindical do Sindicato Podkrepa.

Jovens vivem em casa dos pais

A Bulgária é o país da União Europeia com o salário mínimo mais baixo. Em janeiro, houve um ligeiro aumento de 261 euros para 286 euros por mês, menos do que na Roménia onde o salário mínimo ronda os 440 euros.

Aos 20 anos, Ivan Dushkov acaba de assinar o primeiro contrato de trabalho. Até agora, ganhava algum dinheiro a reparar os computadores de amigos e conhecidos. Agora ocupa-se do pavilhão gimnodesportivo da cidade.

"Não é fácil encontrar trabalho bem remunerado na Bulgária. Tenho um curso profissional de informática. Éramos uma turma de 25 pessoas e não encontrámos o trabalho que queríamos. Acabei por aceitar outro tipo de trabalho, pelo menos é mais interessante", afirmou Ivan Dushkov.

Ivan recebe o salário mínimo e é pago graças a um programa europeu destinado a apoiar os jovens desempregados.

"A Bulgária é o país mais pobre da União Europeia. O salário é de dois Leva por hora, 20 Leva por dia. Na Alemanha ou em França, ganha-se 20 Leva por hora. O que ganhamos aqui num dia inteiro, os trabalhadores do Oeste da Europa ganham num dia. Na Bulgária, é raro um jovem de dezoito anos sair de casa dos pais quando acaba os estudos. É impossível sair de casa quando os próprios pais ganham o salário mínimo e não podem ajudar os filhos", sublinhou o jovem búlgaro.

Como muitos jovens de Gotse Delchev, Ivan gostaria de viajar mas os salários baixos dão apenas para as necessidades básicas. Não é por acaso que os búlgaros gastam somas elevadas em bilhetes de lotaria.

"É preciso uma revolução dos rendimentos"

Desde a adesão da Bulgária à União Europeia, Gotse Delchev recebeu 50 milhões de euros para melhorar as infraestruturas. Para o presidente da câmara da cidade, eleito pelo partido socialista, é preciso muito mais para melhorar a vida das pessoas. A euronews falou com Vladimir Moskov sobre o problema dos trabalhadores pobres.

"Há um problema em relação aos países da última vaga de adesão à União Europeia que tem a ver com os fracos rendimentos. É preciso fazer tudo o que é possível para aumentar os rendimentos das pessoas nessas regiões e nesses países. É preciso uma revolução dos rendimentos. Essa revolução dos rendimentos permitiria travar as migrações no interior da Europa. Essas mudanças são necessárias para que as pessoas possam ficar na Bulgária e para que possamos atingir o mesmo nível de vida da Europa Ocidental", afirmou Vladimir Moskov, presidente da autarquia de Gotse Delchev.

Pensões baixas sinónimo de pobreza

Os salários baixos acarretam pensões de reforma reduzidas. Na Bulgária, reforma é muitas vezes sinónimo de pobreza. Atlaza Shtereva começou a trabalhar aos quinze anos, inicialmente, no campo. Quando casou, foi enviada com o marido para a União Soviética onde trabalhou como cozinheira. Ao regressar à Bulgária trabalhou numa empresa têxtil onde permaneceu até à reforma. Hoje, aos 80 anos, tem uma pequena reforma e é obrigada a contar cada cêntimo.

"Quando recebo a minha pensão de cerca de 150 euros, gasto logo 50 euros em eletricidade e medicamentos. Restam-me cem euros por mês para viver. Vejo muitas coisas nas lojas que não posso comprar. Felizmente, os meus filhos ajudam-me. Sem os meus filhos, não poderia viver. Não tenho nada. É graças aos meus filhos que posso aquecer a casa para não ficar doente. São eles que comprem a madeira para a lareira", contou Atlaza Shtereva.

Indústria têxtil da Europa de Leste condenada?

Para o dono da fábrica de Gotse Delchev, a indústria têxtil do Leste da Europa está condenada. Rollmann pretende manter a fábrica búlgara mas anda à procura de um país terceiro para abrir uma segunda fábrica.

"Vamos ficar aqui, neste sítio. Não podemos abandonar uma fábrica com 1800 trabalhadores. As competências que construímos nesta fábrica aqui são preciosas. Mas um dia poderemos ser forçados a abrir uma segunda fábrica noutro país, em África ou na Ásia Central. Para termos uma alternativa, um segundo braço para manter o negócio a funcionar no médio e longo prazo", afirmou Rollmann.

Búlgaros querem salário mínimo europeu

O Sindicato Podkrepa considera que a União Europeia deve instaurar um salário mínimo europeu. A euronews falou com vários empregados do setor têxtil na Bulgária.

"Para que a situação mude, é preciso fixar uma remuneração à hora através de uma convenção coletiva setorial. O trabalho tem de ser pago à hora. Uma colega que trabalha em França ganha 9,5 euros à hora. É imenso dinheiro. Aqui, a nossa remuneração à hora são migalhas", afirmou Marya Kanatova, empregada fabril.

"O que a União Europeia pode fazer por nós é fixar uma tarifa horária mínima. Esse salário mínimo deve ser válido para todos os Estados membros", disse Angel Stankov, empregado do setor têxtil.

"Não queremos uma Europa a duas velocidades. Queremos fazer parte da Europa como iguais. Queremos que a Europa garanta um salário mínimo europeu. Aqui os produtos de consumo são tão caros como nos outros países", sublinhou Elena Marvakova.

"Quero que os nossos filhos voltem para a Bulgária. Só tenho um filho de 21 anos que está na Alemanha há dois anos. Quero que ele tenha um trabalho pago dignamente na Bulgária para que ele possa viver aqui. É isso que quero", concluiu Karamfila Boicheva, empregada do setor têxtil.

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