Italianos escandalizados com estado dos viadutos e pontes

Com o colapso da ponte Moranti, em Génova, os italianos descobriram que, durante décadas, circularam em túneis e viadutos perigosos, que não foram inspecionados devidamente e que não garantem a segurança da população.
"É preciso ser corajoso para conduzir numa autoestrada da Ligúria", disse à euronews Luca Ternavasio, fundador da Autostrade Chiare, uma associação de cidadãos que exige justiça e transparência em relação ao estado das autoestradas italianas. 60 mil pessoas aderiram ao grupo, desde dezembro de 2019.
Degradação das estradas gera escândalo nacional
O estado de degradação das autoestradas italianas tornou-se num escândalo nacional. Estão a ser inspecionadas vinte pontes danificadas. Há duzentos túneis ilegais que não respeitam as normas europeias.
A Ligúria possui numerosos viadutos e túneis e é o epicentro do escândalo. "Há um ano e meio, um viaduto ruiu, morreram 43 pessoas. Nos últimos dois meses, caíram duas toneladas e meia de entulho de um túnel. É arriscado conduzir na Ligúria", frisou Luca Ternavasio.
Uma série de incidentes interligados
O colapso do viaduto Morandi, em agosto de 2018, pôs a nu as interligações entre uma longa série de incidentes recentes. Em 2016, um viaduto da região de Milão ruiu sob o peso de um camião. Uma pessoa morreu. Em 2017, caiu uma ponte perto de Ancona. Duas pessoas morreram. Os dois últimos acidentes ocorreram na Ligúria. Um deslizamento de terras provocou o colapso de uma ponte na autoestrada A6. Em dezembro, perto de Génova, o teto de um túnel da A26 ruiu. Por sorte, não houve vítimas.
A autoestrada que liga Savona a Turim é uma das vias perigosas. A euronews entrevistou Paolo Forzano, o engenheiro que alertou para o estado de degradação dos viadutos na região. "As falhas na manutenção desta estrada ocorrem há décadas. Desde a construção da estrada, nunca houve manutenção. Precisamos de dados técnicos para certificar se a infraestrutura é segura e se podemos confiar nela", afirmou Paolo Forzano, o engenheiro que lançou o alerta sobre o estado de degradação dos dos viadutos da região.
O medo permanente da população
As pessoas que passam pelo viaduto de Bisagno vivem num estado de medo permanente. A ponte é considerada sólida do ponto de vista estrutural, mas deverá ser alvo de obras durante três anos e meio. Chiara Ottonello vive na região há doze anos mas está a pensar seriamente em ir embora.
"Aqui está o viaduto. O nosso prédio foi construído em 1925 e a ponte foi inaugurada em 1967. A ponte está a desmoronar-se sobre as nossas cabeças. Temos medo de viver aqui", contou Chiara Ottonello, residente de Val Bisagno. "Esta é a nossa coleção de detritos caídos da ponte. Caíram sobre as nossas casas, jardins e hortas, sítios onde deveríamos viver tranquilos e em segurança. Este é apenas uma parte da calha de três metros que caiu em cima da paragem do autocarro. Aqui temos uma cavilha que tem o seu próprio código. Já é a terceira que encontramos", acrescentou a moradora.
A desconfiança é um sentimento generalizado. "Em relação à ponte Morandi também se dizia que estava tudo bem e a ponte caiu. Temos aqui pontes com problemas muito similares. É por isso que não acreditamos nas concessionárias das autoestradas", explicou Luca Ternavasio.
Mentiras, fraudes e omissões
Depois do drama, a população ficou a saber que a principal concessionária italiana, Autostrade per l'Italia, mentiu durante anos sobre o estado das infraestruturas, nomeadamente em relação à ponte Morandi. Hoje, está a ser construído um novo viaduto, ao lado do antigo.
"A partir do caso da ponte Morandi, investigámos a forma como as inspeções eram feitas e encontrámos em todo o lado o mesmo esquema de fraudes. Algumas inspeções foram apenas parcialmente realizadas. Noutros casos, os documentos eram falsos. E isto aconteceu antes e depois da queda da ponte Morandi", disse à euronews Ivan Bixio, um dos principais responsáveis pela investigação da Guarda Financeira Italiana.
Os magistrados descobriram que a concessionária Autostrade per l’Italia, subcontratou uma empresa para inspecionar as infraestruturas. Ninguém verificou se o trabalho tinha sido realizado.
Concessionárias financiam partidos políticos
O Estado italiano assinou 25 contratos de concessão de autoestradas. A Autostrade per l’Italia é a maior concessionária nacional, responsável por três mil quilómetros de autoestradas. A empresa é controlada pela Atlantia, detida pela família Benetton.Tal como outras concessionárias, a empresa financia partidos de vários espetros políticos.
"O governo não fez o que devia fazer, a começar pelas concessões acordadas em 2007. O acordo de concessão diz literalmente que mesmo em caso de insolvência ou negligência total da parte da concessionária, o governo deve reembolsar os lucros da empresa, até ao final do contrato. É uma como dar um cheque de 20 mil milhões de euros a uma empresa privada que gere um bem público. É um contrato que nunca ninguém assinaria", frisou Luca Ternavasio.
Ministério não possui meios para inspecionar obras
O governo italiano admite suspender a concessão da Autostrade per l'Italia e pretende reforçar as inspeções. Criou uma agência que deverá monitorizar as autoestradas mas que não tem meios para trabalhar. O dirigente da estrutura não poupa críticas ao Ministério das Infraestruturas e Transportes.
"Por lei, as verificações técnicas são uma responsabilidade das concessionárias. O número de técnicos no ministério é muito reduzido porque não é suposto fazermos este tipo de atividade. São inspeções consideradas 'de natureza extraordinária'", disse à euronews Felice Morisco, Diretor do Departamento de Supervisão das autoestradas.
Infraestruturas rodoviárias precisam de obras colossais
Entretanto, a nova ponte de Génova está a ser construída a um ritmo acelerado. Deverá ser inaugurada na primavera. As obras foram pagas pela Autostrade per l’Italia. A concessionária quer limpar a sua imagem. Há cerca de cem obras em curso nas autoestradas da Ligúria. O montante do plano de investimento da empresa para os próximos quatro anos é três vezes superior ao previsto.
As obras nos túneis começaram há um mês. "Podemos estimar que, daqui a três, quatro ou cinco meses, estaremos a verificar todos os túneis. Tanto os que foram construídos entre 1930 e 1979 que nunca foram impermeabilizados como os que foram construídos a partir de 1980 que são estanques mas não têm sistema de drenagem das águas", afirmou Alessadro Damiani, diretor técnico do Serviço de Engenharia da Lombardia.
Mas as obras não convencem a população. O receio de que ocorram novas tragédias, como a de Génova, alimenta um sentimento de desconfiança face ao Estado e às concessionárias das autoestradas.