Como é que a Roménia vai gastar os 4,4 mil milhões da UE para renunciar ao carvão?

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De  Hans von der Brelie
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A Roménia vai receber 4,4 mil milhões de euros do mecanismo europeu para uma transição justa para abandonar o carvão.

Na Roménia, o o aumento do custo de produção do carvão e a necessidade de travar as alterações climáticas impõem uma transição para um novo modelo energético. Será que a Roménia vai conseguir gerir essa mudança?

As ruínas das minas abandonadas

A euronews visitou uma mina abandonada em Petrila. O ex-mineiro Catalin Cenusa serviu-nos de guia. A paisagem é dominada por ruínas e edifícios abandonados. Um cenário que poderia ser descrito como apocalíptico. Mas nem sempre foi assim. A primeira mina do vale do Jiu, no sudoeste da Roménia, foi inaugurada em 1840.

Durante a era comunista, havia dezasseis minas de carvão em funcionamento no Vale do Jiu. Hoje, há apenas quatro minas em atividade. O emprego no setor mineiro caiu drasticamente. Havia 50 mil trabalhadores, hoje há apenas quatro mil.

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CÃTĂLIN CENUȘĂ, EX-MINEIRO ROMENOEURONEWS

O impacto da atividade maneira na saúde

Além dos problemas económicos, os antigos trabalhadores mineiros confrontam-se com as consequências da atividade mineira na saúde.

“Trabalhei 27 anos na mina. Debaixo de terra, não tínhamos ar suficiente para respirar. A concentração de oxigénio era muito baixa. E há ainda o efeito dos gases e das poeiras, o que nos causou doenças pulmonares. Os mineiros sofrem de problemas pulmonares. A nossa esperança de vida é mais curta. Um estudo recente mostra que os ex-mineiros morrem entre os 56 e os 65 anos, no Vale do Jiu, por causa das doenças pulmonares e da silicose”, contou à Euronews o antigo mineiro Catalin Cenusa.

O Pacto Ecológico Europeu e o fim anunciado do carvão

Livezeni é uma quatro minas de carvão da região que ainda permanecem abertas. O governo da Roménia anunciou recentemente o fecho de mais duas minas até 2024. No âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão Europeia propõe a eliminação progressiva do carvão na Europa. Uma mudança que deverá ser financiada pelo mecanismo para uma transição justa.

O carvão ainda desempenha um papel importante em 108 regiões da União Europeia. Cerca de 240 mil pessoas trabalham no setor. Para os próximos sete anos, a Comissão Europeia reservou cerca de 40 mil milhões de euros do orçamento da UE para financiar a transição economica nas regiões que vivem do carvão. Um pacote financeiro que deverá ser completado pelo investimento público e privado, num total de 150 mil milhões de euros.

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Muitas famílias da região do vale do Jiu vivem da atividade mineiraeuronews

Falta de emprego preocupa mineiros

Gabriel Radu trabalha numa mina a 500 metros de profundidade. Às vezes, tem que caminhar quatro quilómetros debaixo de terra para chegar à sua posição. Há alguns anos, Gabriel teve um acidente grave numa galeria subterrânea, uma viga esmagou-lhe a perna. Mas, a atividade mineira é uma tradição familiar. Há poucas alternativas profissionais na região. O filho do casal também trabalha numa mina.

“Além das minas de carvão, não há trabalho aqui. E o dinheiro que se ganha, nunca chega. Não há futuro aqui. A maioria dos jovens está a ir embora. Vão para o estrangeiro onde podem ganhar dinheiro. Não há empregos por aqui, vamos trabalhar para onde? Está tudo fechado. Vamos todos trabalhar num bar? Não há mais nada. A meu ver, se as minas de carvão fecharem todas, então todo o Vale do Jiu vai fechar. As minas não deveriam fechar, deveriam continuar a funcionar, deveria haver investimento para continuarmos a trabalhar", considerou Mariana Radu.

"Eu gostaria que as minas de carvão continuassem e que todas os jovens tivessem um emprego”, confessou Gabriel Radu.

A complexa reestruturação do setor do carvão

Em processo de insolvência, a empresa pública Hunedoara lidera a reestruturação das minas de carvão e centrais de produção de energia da região. O antigo mineiro Cristian Rosu foi nomeado administrador especial do projeto.

“Ainda temos quatro minas de carvão ativas no Vale do Jiu. Duas serão fechadas em breve. Em relação às outras duas minas, ainda não há data para o encerramento. E continuam a trabalhar, tal como as minas de carvão noutras partes da União Europeia, em particular na Alemanha e na Polónia. Enquanto as minas alemãs e polacas continuarem a extrair carvão, as de Vulcan e Liveseni farão o mesmo. É preciso ter consciência de que não há outros sítios aqui à volta onde as pessoas possam trabalhar, não há outras indústrias”, disse o responsável da Hunedoara.

“Por exemplo, a minha própria família: os meus pais, os meus avós, os pais dos meus avós, todos trabalharam nas minas de carvão. E todas as famílias que vivem aqui têm a mesma história. Estamos ligados às minas por um cordão umbilical”, acrescentou o antigo mineiro.

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O antigo mineiro Cristian Rosueuronews

Centrais a carvão extremamente poluentes

Inaugurada em 1956, Paroseni é a central de produção de eletricidade a partir do carvão mais antiga da Roménia, um dos países que mais polui a atmosfera na Europa. A Comissão Europeia instaurou vários procedimentos de infração para pressionar a Roménia a fechar algumas das centrais mais poluentes.

As centrais térmicas romenas possuem tecnologias antigas. A maioria corre o risco de não cumprir as metas ambientais impostas pela Comissão Europeia a partir de 2021. Uma das centrais da Paroseni foi modernizada, com o apoio de uma empresa japonesa, e equipada com filtros mais eficientes, um investimento de 200 milhões de euros. O calcário é usado para extrair o óxido de enxofre do fumo. Mas não resolve o problema do CO2: ao lado de outras centrais de combustão fóssil, a central de Paroseni contribui substancialmente para o aquecimento global.

“Hoje, esta unidade operacional está em conformidade com os critérios ambientais atuais e com as metas mais restritivas que entrarão em vigor no próximo ano. Felizmente, há mais elementos que devem ser levados em consideração, como o tempo de vida dos equipamentos que se situa em torno de 28/30 anos, no máximo. Há também a quantidade de carvão que sai das minas: ambos vão acabar ao mesmo tempo. Na hora de tomar decisões, temos que estar mais atentos à segurança do nosso abastecimento energético. Na minha opinião, temos de investir em energias renováveis. Se houver investimentos futuros, temos de investir em gás natural, porque é importante para assegurar o abastecimento de energia do sistema. E por último, temos de investir no nuclear”, considerou Doru Visan, diretor da central de produção de energia Paroseni.

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ALEXANDRU MUSTAȚĂ DA ASSOCIAÇÃO BANKWATCH ROMÉNIA CRITICA GOVERNOEURONEWS

O impacto social da nova política energética

A associação Bankwatch Roménia, sedeada em Bucareste, está preocupada com o impacto social e ambiental das decisões do governo romeno na área da transição energética e considera que o plano do governo é pouco ambicioso.

Para Alexandru Mustata, o governo deveria investir mais nas energias renováveis em vez de tentar colmatar o buraco financeiro da indústria do carvão.

“O carvão do Vale do Jiu é muito caro. As minas são muito caras. O equipamento é antigo, tem 30 anos. Tem havido muitos acidentes porque as minas não foram modernizadas nas últimas décadas. Em segundo lugar , porque a central eléctrica a carvão de Paroseni que foi renovada, é muito poluente. É uma das centrais mais poluentes do país. E apesar de ter sido modernizada, não é eficiente em termos de custos. A empresa que opera essas fábricas, a Hunedoara Energy Complex tem dívidas de quase mil milhões de euros. É uma loucura ... Nos últimos quatro anos, eles não pagaram pela poluição que causaram. É um mistério saber como é que a empresa ainda funciona, tendo em conta a dívida que acumulou ao longo do tempo", afirmou Alexandru Mustata, responsável do Bankwatch Roménia.

Roménia vai receber 4,4 mil milhões de euros para abandonar carvão

O país vai receber 4,4 mil milhões de euros do mecanismo europeu para uma transição justa. O Ministro da Economia e Energia da Roménia, Virgil Daniel Popescu, garante que não haverá novas centrais elétricas a carvão no país. Resta saber o que vai acontecer às minas de carvão que ainda estão abertas. A Roménia deveria ter fechado duas minas em 2018.

"Sim, ainda estão abertas porque o governo anterior não teve em conta a grande quantidade de carvão existente nessas minas, há um grande risco de incêndio”, justificou o ministro romeno.

E acrescentou: “Quero dizer que estamos empenhados em apoiar o Pacto Ecológico Europeu. E por isso, temos que fazer a transição energética. A transição do carvão para as energias renováveis que passa pela utilização de um combustível de transição é uma prioridade para nós. Já desenhámos um programa para fazer a transição do carvão para o gás natural. Temos o dinheiro, temos o financiamento e sabemos como fazê-lo. E vamos fazê-lo", garantiu o ministro romeno.

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VIRGIL DANIEL POPESCU, MINISTRO DA ECONOMIA E ENERGIA DA ROMÉNIAEURONEWS

Um futuro verde para Petrosani?

O presidente da câmara de Petrosani é um antigo engenheiro de minas e já vai no segundo mandato. O autarca convenceu as várias localidades mineiras a assinar um memorando comum, em Bruxelas, em que assumem o imperativo de executar localmente o pacto ecológico europeu.

“Os empregos de futuro, no Vale do Jiu, não são a extração de carvão, estão nas áreas do turismo, dos serviços e das energias renováveis. É importante o que se passa em Bruxelas, eles criaram a Plataforma para as regiões de carvão em transição e, pela primeira vez, colocaram no centro o ser humano, as famílias ... e não só o lucro financeiro ou apenas o meio ambiente, mas o ser humano. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que ninguém ficaria para trás e que os países que partilham o mesmo problema relacionado com o carvão enfrentarão juntos essas grandes mudanças, com o total apoio da Comissão Europeia", considerou Tiberiu Iacob Ridzi.

Os antigos mineiros esperam que o Pacto Ecológico Europeu seja sinónimo de novas oportunidades de emprego. A euronews falou com um ex-mineiro da região. Depois de ter deixado a mina de Petrila, Nicolae Dumitresu trabalhou muitos anos em Itália. Mas o desejo de ser o seu próprio patrão levou-o de volta à casa, onde lançou uma pequena empresa de construção na área da renovação térmica. O mecanismo para uma transição justa é um estimulo para a economia local.

“Acho que o futuro está na construção, coisas como o que estamos a fazer na área da eficiência energética. As infraestruturas das cidades estão a evoluir, até mesmo as das aldeias. Haverá investimentos em Tecnologias da Informação, já temos algumas empresas muito boas nessa área. Mas todas essas mudanças têm de ser apoiado pela União Europeia. As pequenas e médias empresas e as start-ups que vão ser criadas precisam de ajuda para poderem lançar a atividade”, afirmou Nicolae Dumitresu.

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TIBERIU IACOB-RIDZI, PRESIDENTE DA CÂMARA DE PETROȘANIEURONEWS

A aposta no turismo

A maoria dos projetos financiados pelo mecanismo europeu para uma transição justa deverá arrancar nos próximos sete anos. Um dos conceitos em discussão no vale de Jiu é a aposta no turismo. A euronews falou com um antigo negociante de madeira que reinvestiu os lucros localmente na construção de uma estação de esqui.

“O Vale de Jiu tem um potencial turístico fantástico. Não se trata apenas de esqui. A nossa região é de uma beleza impressionante. Daqui a alguns anos, teremos milhares de cicloturistas. Já no próximo ano, espero que tenhamos terminado os 500 quilómetros de trilhos para bicicletas de montanha. Além disso temos provavelmente uma das melhores regiões da Europa para turismo ligado à espeleologia. Estamos a fazer coisas em Straja, para que 500 pessoas possam trabalhar aqui durante o inverno, já é como uma pequena mina. Podemos imaginar que no futuro teremos milhares de pessoas empregadas no setor de turismo em todo o Vale do Jiu”, disse à euronews Emil Parau, investidor do Straja Resort.

O futuro da região poderá passar pelos carros elétricos. A Europa precisa de estações de carregamento. É aposta de um antigo trabalhador do setor mineiro. Em poucos anos, a sua empresa passou de três para 65 trabalhadores.

“O desenvolvimento da nossa empresa baseou-se na mão de obra qualificada do setor das minas, aqui no Vale do Jiu. Além disso tivemos os jovens qualificados da universidade local e a oportunidade de obter alguns fundos europeus. A nossa empresa conseguiu acelerar o seu desenvolvimento, é o que explica o nosso sucesso", afirmou Marius Surlea, presidente da empresa Euroeletric.

Há vários casos de ex-mineiros bem-sucedidos. Stefan Nistor veio da Moldávia. Ainda jovem, instalou-se na Roménia na região das minas de carvão, que era vista como uma espécie de Eldorado. Como muitos outros mineiros perdeu o trabalho mas conseguiu encontrar um novo rumo profissional.

“Sou um técnico de engenharia mecânica: sei reparar, cuidar e usar todo tipo de máquinas. Esse know-how que adquiri na mina de carvão ajudou-me muito no meu novo trabalho aqui. Na mina, aprendi a soldar, sei como gerrir transportes de mercadorias . É um conhecimento sólido e e posso usá-lo aqui. só precisamos de ser criativos”, considerou Stefan Nistor.

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STRAJA RESORTEURONEWS

O Silicon Valey da Roménia?

O verdadeiro tesouro do Vale do Jiu são as competências técnicas da mão de obra local que poderão permitir à população a criação de um futuro sustentável. A Universidade de Petrosani tem vindo a desempenhar um papel importante na transição económica. Começou por dar formação na área das minhas e hoje oferece uma grande variedade de cursos técnicos e de gestão.

"Vejo o Vale do Jiu como a futura silion valley da Roménia. No futuro podemos ser um vale da energia, porque temos potencial, competências e uma força de trabalho especializada. Podemos formar os melhores especialistas na nossa universidade. O futuro do nosso vale será uma mistura de turismo, empresas de alta tecnologia, e um pouco de tecnologias convencionais”, disse à euronews Sorin Mihai Radu, diretor da Universidade de Petrosani.

O futuro do museu das minas

Para salvar o património cultural associado à história das minas, vários antigos trabalhadores do setor, bem como artistas e arquitetos locais fundaram uma associação. Foram precisos três anos e muito trabalho de voluntariado para construir as primeiras salas do futuro museu dedicado à história e cultura das minas. Os voluntários construiram uma mina antiga e esperam que um dia o museu possa atrair turistas do mundo inteiro. Um grupo de arquitetos sedeado em Bucareste, Timisoara e Paris são a grande força do projeto de museu, intitulado Planeta Petrila. Ao tomarem conhecimento do projeto de demolição de todos os edifícios da antiga mina, conseguiram salvar algumas estruturas para memória futura. Depois de um debate público e da análise de várias propostas lançaram a primeira pedra para dar um novo futuro à mina de Petrila.

“Quando tivemos o nosso primeiro encontro com os moradores de Petrila, algumas pessoas tiveram a ideia, o que nos abriu nossos olhos, de fazer piscinas, por exemplo, porque estes cones costumavam ser reservatórios de água para a lavagem do carvão. Vamos ter um espaço de lazer no cimo do prédio, com uma vista linda de Petrila e de toda a área da mina. Depois, teremos uma exposição no outro grande cone. Foi uma ideia de Ion Barbu que propôs uma rampa circular que permitisse explorar este espaço tão especial. O facto de os edifícios estarem ligado à ferrovia , para Petrosani, é um ponto de partida muito bom. É uma ligação que pode trazer as pessoas para essa nova aventura”, contou o arquiteto romeno Ilinca Constantinescu.´

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ILINCA PĂUN CONSTANTINESCU, ARQUITETA ROMENAEURONEWS

Evitar os erros do passado

Mas a visão de um projeto turístico que permita um modelo económico sustentável que crie empregos e esperança num futuro melhor está ameaçada. Apenas alguns dos prédios da mina obtiveram um estatuto de proteção especial e não há consenso sobre a transformação da mina numa atração turística. Nos últimos dois anos, o local recebeu cerca de 10 mil visitantes.

“Daqui a dez anos, este espaço deve tornar-se num museu, num património industrial. Arenovação destes prédios traria empregos para o Vale do Jiu, para as pessoas de Petrila. O meu sonho é que daqui a dez anos este local se transforme num sítio turístico, com um teatro e cinema ao ar livre. Há um verdadeiro potencial turístico aqui. O fim das minas de carvão não deve ser, de modo nenhum, o fim da o Vale do Jiu", afirmou o antigo mineiro Catalin Cenusa.

Todos os mineiros entrevistados pela euronews estão de acordo num ponto. É preciso evitar os erros e o caos que acompanhou o encerramento das minas nos anos 90 do século XX.

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