Muitos países europeus não estão a conseguir fazer justiça aos sobreviventes de abusos sexuais em crianças, de acordo com um relatório publicado na quinta-feira.
Um relatório do Brave Movement e da Child Global, principais grupos internacionais de defesa da proteção das crianças contra o abuso sexual, apela à abolição dos estatutos de prescrição (SOL) para todos os tipos de violência e abuso sexual de crianças.
Os prazos de prescrição limitam o tempo que uma vítima tem para iniciar um processo penal após o crime ter sido cometido e deixam as autoridades de muitos países europeus incapazes de expor os autores de abusos sexuais ou de fazer justiça aos sobreviventes.
De acordo com a análise dos grupos sobre os enquadramentos judiciais relevantes, o Luxemburgo, a Estónia, Grécia, Malta, Chéquia, Portugal, Lituânia, Finlândia, Eslováquia e Bulgária são os piores infratores. Nestes países, as vítimas de abuso sexual de crianças, na sua totalidade ou na sua maioria, não podem denunciar o crime depois de atingirem os 40 anos de idade.
Espanha, Itália, França, Alemanha, Eslovénia e Letónia estão no segundo escalão, onde o prazo de prescrição termina depois de a vítima atingir os 40 anos, apesar de a idade média de revelação do abuso ser superior a 50 anos.
A Irlanda, Chipre, Dinamarca e Bélgica são os únicos países da União Europeia (UE) onde as vítimas podem denunciar todos ou a maior parte dos crimes sexuais contra crianças, independentemente do tempo decorrido desde que o crime foi cometido.
O abuso sexual de crianças é uma "epidemia" de saúde pública na Europa, segundo o relatório. Atualmente, uma em cada cinco crianças na Europa sofre algum tipo de violência sexual durante a sua vida, o que equivale a 16 milhões de crianças nos 27 Estados-Membros da UE.
Um direito humano fundamental
Os curtos prazos de prescrição penal silenciam as vítimas, perpetuando o seu trauma e estigma e contribuindo para uma crise de saúde pública que custa milhares de milhões à Europa.
"O acesso efetivo à justiça para os sobreviventes de violência sexual infantil não deveria ser um luxo opcional, mas sim um direito humano fundamental. Em toda a Europa é negada justiça aos sobreviventes devido a prescrições criminais e civis arbitrárias", afirmou Miguel Hurtado, sobrevivente, pedopsiquiatra e cofundador do Movimento Brave.
"Apelamos às nações europeias para que aproveitem esta oportunidade histórica para aprovar a norma de ouro para a proteção das crianças: a abolição total dos prazos de prescrição penal e civil, a bem das gerações futuras", acrescentou.
O cofundador do Movimento Brave, Matthew McVarish, falou no Conselho da Europa, em maio, sobre os abusos de que foi vítima às mãos do seu tio e sobre o facto de ter podido finalmente procurar justiça aos 25 anos.
"O meu tio abusou sexualmente de mim e de três dos meus irmãos durante a nossa infância e, após uma década de terapia, senti-me finalmente capaz de abordar a polícia na Escócia. Tive de quebrar o meu silêncio porque o meu tio continuava a ensinar e a abusar de inúmeros outros rapazes", afirmou.
"Felizmente, foi-me permitido apresentar queixa, mas se o meu tio tivesse abusado de nós em vários outros países europeus, simplesmente não teria sido preso. Um criminoso sexual infantil reincidente, com quatro vítimas conhecidas, seria deixado a trabalhar em escolas, apesar de as autoridades terem plena consciência de que ele é uma ameaça definitiva para outras crianças."
"Nós somos as crianças que foram abusadas e não vamos deixar passar mais uma década sem que as pessoas com poder para mudar o que tem de mudar tomem as medidas que só elas podem tomar. Pedimos-vos, em nome das vossas crianças, que mudem isto agora."
O relatório propõe igualmente que a Convenção de Lanzarote do Conselho da Europa, que visa proteger as crianças contra a exploração e o abuso sexual, seja alterada de modo a eliminar os prazos de prescrição penal dos crimes sexuais contra crianças em todos os seus Estados-membros.