Torre Pacheco foi abalada por um ataque a um reformado local e pelos violentos tumultos anti-migrantes que se seguiram - e a desinformação inflamou as tensões.
Torre Pacheco, uma cidade na região de Múrcia, no sudeste de Espanha, foi notícia esta semana depois de um idoso ter sido espancado por três jovens, dando origem a protestos que se transformaram em distúrbios violentos.
A vítima do ataque, Domingo, de 68 anos, disse que estava a dar o seu passeio matinal de rotina quando apareceram três homens, um dos quais se lançou sobre ele antes de o espancar na cabeça, na cara e no corpo.
A polícia descartou a hipótese de roubo como motivo e diz que o ataque foi provavelmente filmado como parte de um "desafio" nas redes sociais que visa os idosos e os vulneráveis.
Três pessoas de origem norte-africana foram detidas. Uma delas, um homem de 19 anos que se acredita ser o atacante, foi detida na província basca de Gipuzkoa quando tentava fugir para França.
O incidente desencadeou duas noites de protestos, que rapidamente se transformaram em distúrbios violentos, com relatos de grupos que percorriam as ruas à procura de pessoas de origem estrangeira. Várias ficaram feridas, apesar da forte presença policial.
Grupos de extrema-direita e anti-migrantes, como o "Deport Them Now", apelaram a ataques contra pessoas de origem norte-africana. Um líder espanhol do grupo, conhecido apenas pelas iniciais C.L.F., foi detido por suspeita de incitar à violência na província de Barcelona.
Esta detenção é uma das pelo menos 14 que foram feitas em relação aos tumultos que se seguiram, com relatos de empresas pertencentes a residentes de origem estrangeira, incluindo uma loja de kebab, que foram vandalizadas.
Torre Pacheco tem 40.000 habitantes, dos quais 6.829 são de origem africana, de acordo com o gabinete de estatística do governo regional de Múrcia.
As imagens dos ferimentos do reformado são reais, mas ainda não foram divulgadas quaisquer filmagens
As imagens do rosto ferido e manchado de sangue de Domingo, a vítima de 68 anos, tornaram-se virais.
Estas imagens são reais e mostram a extensão e a gravidade dos ferimentos.
Mas um vídeo que circula amplamente na Internet, alegando mostrar o ataque - amplificado por figuras políticas proeminentes, incluindo o líder do partido anti-establishment SALF - não tem, de facto, qualquer relação.
Tanto a vítima, Domingo, como as autoridades locais confirmaram que, embora pareça que os autores filmaram o ataque, este não é o vídeo correspondente.
Desde então, veio a saber-se que este vídeo mostra, de facto, um ataque separado a outro homem de Almería, uma cidade a cerca de 200 km de Torre Pacheco, na região da Andaluzia.
Numa declaração em vídeo publicada no Instagram pela conta @josemoya6422, o homem confirma que o vídeo o mostra e apresenta como prova as peças de roupa que usava durante o ataque.
"Sou de Almería (...), são dois ataques diferentes", explica o homem. Noutro post, explica que dois jovens já se encontram em prisão preventiva pelo atentado contra ele.
Partilha também um link para um artigo do La Voz de Almería, datado de 31 de maio de 2025, que corresponde ao seu relato dos acontecimentos.
Ainda não existem imagens verificadas do ataque a Domingo, mas as fotografias que mostram os ferimentos sofridos são reais.
Vídeos não relacionados afirmam mostrar os tumultos que se seguiram
O Euroverify e os verificadores de factos espanhóis também identificaram uma série de vídeos não relacionados com a agitação anti-migrante que surgiu na cidade de Torre Pacheco desde o ataque.
Um vídeo já com grande alcance alega mostrar um grupo de jovens, descritos pelos utilizadores das redes sociais como "migrantes", a atacar outro homem idoso na rua da cidade.
Mas uma pesquisa de imagem inversa mostra que foi filmado em Guadalajara, no México, em 2021, e tem ressurgido frequentemente como desinformação relacionada com jovens migrantes.
Outro vídeo mostra pessoas a atirar objetos aos polícias espanhóis enquanto homens são detidos na rua, com os utilizadores a afirmarem que se trata de Torre Pacheco.
Mas a cena ocorreu na cidade de Torrevieja, numa outra província espanhola, no início deste mês.
As autoridades locais não associaram a criminalidade à migração
Também está a circular na Internet uma comunicação falsa da Câmara Municipal de Torre Pacheco, na qual é convocado um protesto contra a situação de "insegurança" no município devido a incidentes em que a "imigração" é um "denominador comum".
Mas o documento é falso e a Câmara Municipal de Torre Pacheco negou a sua existência.
No entanto, circulou rapidamente no Telegram e foi amplificado pelos meios de comunicação social estatais russos Pravda.
Apesar disso, a câmara municipal local organizou uma congregação na sequência do ataque de Domingo, tal como anunciado no seu site oficial.
No cartaz lê-se que a congregação era "contra os recentes atos criminosos no município", mas não faz qualquer referência à migração como denominador comum, tal como alegado na desinformação.
Autoridades reprimem a desinformação
O incitamento ao ódio nas plataformas sociais também contribuiu para inflamar as tensões em Torre Pacheco, afirmaram as autoridades espanholas.
O Euroverify viu várias mensagens que apelavam a que os imigrantes da cidade fossem "caçados" em dois grupos de Telegram associados ao grupo de extrema-direita "Deport Them Now", que foram suspensos pelas autoridades durante os distúrbios.
Fontes policiais disseram também ao jornal espanhol El Mundo que "centenas" de extremistas radicais se deslocaram a Torre Pacheco para participar nos tumultos, depois de terem sido mobilizados na Internet.