Na Alemanha, um grupo de investigadores está a usar ferramentas da física para compreender a estrutura das proteínas que permitem a reprodução do vírus nas células humanas. Estudo foi iniciado em 2018. #Futuris
Um grupo de investigadores de Hamburgo está a tentar descobrir a estrutura elusiva das proteínas que permitem que os coronavírus, incluindo o recente SARS-CoV-2, se reproduzam rapidamente no interior das células humanas.
Quanto melhor os cientistas conhecerem a natureza destas proteínas, mais consolidada será a base para virem a desenvolver tratamentos ou vacinas.
O primeiro passo consiste em produzir estas proteínas em diferentes tipos de células. Os desafios, dizem os investigadores, são enormes.
"As proteínas devem ser produzidas em diferentes tipos de células e algumas proteínas resistem em ser produzidas. É sempre um pouco difícil. São proteínas demasiado grandes, ou modificadas. É por isso que é necessário recolher determinados tipos de células, de modo a poder estudá-las", explica Boris Krichel, do Instituto Heinrich Pete, instituição que opera no campo da virologia experimental, com sede em Leibniz.
Para os cientistas o trabalho destas proteínas é crucial, visto que, de acordo com o virologista, "a tarefa das proteínas é a multiplicação do genoma viral. Se soubermos como funcionam as partes individuais e como são compostas, podemos usar esse conhecimento para desenvolver medicamentos para parar especificamente essas proteínas individuais".
Espectrometria de massa: uma arma ao serviço da investigação
Uma vez produzidas, as proteínas são analisadas com a ajuda de uma arma secreta: a espectrometria de massa.
Os espectros resultantes são utilizados para revelar a identidade química, isto é a estrutura de uma determinada proteína.
A bióloga molecular Kira Schamoni, do mesmo instituto, isto significa que é possível "utilizar o espectrómetro de massa primeiro para medir a proteína e depois uma substância que possivelmente se liga à proteína" e, desta forma, medir "a proteína sozinha e, a seguir, a proteína com a substância". Utilizando o espectrómetro de massa, a investigadora consegue "ver se as duas combinam" e "analisar o quão forte é esta ligação". O processo, garante, é "importante para a conceção, ou desenvolvimento de medicamentos".
Normalmente estas proteínas são estudadas com ferramentas como a cristalografia ou a microscopia eletrónica.
No entanto, os investigadores reconhecem grandes vantagens no uso da espectrometria de massa.
De acordo com Charlotte Uetrecht, líder do grupo de investigadores e coordenadora do projeto MS Spock's, que se debruça sobre a forma como a estrutura do complexo proteico se adapta às mudanças locais, "com a espectrometria de massa podemos mapear os diferentes estados em que uma proteína existe simultaneamente. Podemos ver se ela foi modificada e se pode assumir outros estados devido a essa modificação".
No âmbito deste projeto, os investigadores estão "a tentar desenvolver a espectrometria de massa, que não só complementa a microscopia eletrónica ou outras técnicas estruturais, mas [que] pode também atingir um nível de detalhe semelhante, em termos de resolução".
Com um espectrómetro de massa, complementa a bióloga Kira Schamoni, é possível "medir o estado nativo de uma proteína, ou seja, (..) a dinâmica da proteína, o que nem sempre dá para fazer "com outros métodos de biologia estrutural".
Um passo à frente do coronavírus
Os cientistas deste projeto do Conselho Europeu de Investigação iniciaram os trabalhos sobre espectrometria de massa e estruturas proteicas dos coronavírus em 2018.
A investigação revelou-se agora extremamente útil para compreender melhor a forma como o novo coronavírus se reproduz e para poder vir a desenvolver mais ferramentas para combater a pandemia de covid-19.
"Os coronavírus são geralmente um desafio devido à dimensão do material genético. Iniciámos o projeto com coronavírus SARS e vírus relacionados, e estamos agora a tentar alargá-lo ao SARS-CoV-2. Os dois vírus, SARS-CoV e SARS-CoV-2, são muito semelhantes. Portanto, os desafios são os mesmos", assegura Charlotte Uetrecht.
Este é apenas um exemplo das diversas iniciativas apoiadas pela União Europeia para combater a atual pandemia.
Os projetos incluem investigação para desenvolver novas vacinas, tratamentos e diagnósticos e são o resultado de um esforço europeu para obter resultados e construir conhecimento a partir de uma base comum que combina resultados aplicados e investigação fundamental, afirma Mariya Gabriel, comissária europeia para a Investigação e a Inovação.
"A Europa representa 7% da população mundial, mas 20% dos investimentos mundiais em investigação e inovação e 21% dos trabalhos científicos de alto nível. Precisamos de continuar a ajudar o trabalho do Conselho Europeu de Investigação, para manter esta capacidade de ter esta investigação impulsionada pela curiosidade, uma investigação na fronteira do conhecimento, para antecipar o que vai acontecer a seguir".
Uma realidade que vai ser abordada no próximo programa de enquadramento de investigação e inovação "Horizonte Europa", a iniciar e a desenvolver num contexto particularmente difícil.
De acordo com a comissária, a Europa enfrenta dois desafios principais neste domínio.
"O primeiro é continuar a investir na investigação e na inovação e a crise mostrou até que ponto [estas áreas] são críticas se quisermos oferecer soluções que permitam às nossas economias e sociedades estarem mais bem preparadas para a próxima crise. O segundo desafio é o da cooperação e da coordenação. Porque todos estamos bem cientes: o vírus não conhece fronteiras. É importante continuarmos a concentrar-nos nesta direção de cooperação internacional e de coordenação global para podermos dizer que, liderados por este esforço da União Europeia, estamos a trabalhar para todos".
Coronavírus: um ponto de partida
Os investigadores garantem que a sua técnica não se limita aos coronavírus; ela pode também ser usada para qualquer complexo proteico biológico.
E essa, afirmam, é a beleza da investigação básica.
"Se pensarmos numa máquina, por exemplo um carro, e apenas olharmos para ele de fora, ou só o ouvirmos, não vamos saber como funciona. Para fazê-lo, é preciso olhar para o motor em pormenor, observá-lo a trabalhar, talvez até desmontá-lo e olhar para as funcionalidades peças individualmente. E é exatamente isso que a biologia estrutural está a tentar fazer: observar as proteínas individuais ou os seus complexos, toda a maquinaria em funcionamento", exemplifica Charlotte Uetrecht.
Os investigadores dizem estar satisfeitos com os avanços alcançados. No entanto, será preciso mais trabalho para quebrar os limites impostos pela atual tecnologia.
O projeto que têm em mãos está previsto prolongar-se até ao final de 2022.