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Situação "insustentável": o que se passa com os antibióticos essenciais na Europa?

Subida dos custos de produção e queda dos preços de venda na base da escassez de antibióticos na Europa
Subida dos custos de produção e queda dos preços de venda na base da escassez de antibióticos na Europa Direitos de autor  Rich Pedroncelli/Copyright 2016 The AP. All rights reserved.
Direitos de autor Rich Pedroncelli/Copyright 2016 The AP. All rights reserved.
De Ema Gil Pires
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Uma análise efetuada em 16 países europeus concluiu que o preço médio dos 10 antibióticos essenciais mais vendidos caiu 10,4%, apesar dos “aumentos acentuados” nos custos de produção e da inflação.

Umestudo recente, realizado em vários países europeus, concluiu que o setor dos medicamentos vive, atualmente, uma situação “insustentável”. Olhando para o caso específico dos antibióticos, a propósito dos quais têm sido reportadas fragilidades no abastecimento por toda a Europa, a análise da agência de consultoria e pesquisa New Angle propôs-se a tentar perceber as razões que explicam a escassez.

A investigação, intitulada “Securing access, improving lives. Strengthening patients' access to off-patent medicines in Europe”, analisou o preço e a disponibilidade de antibióticos sem patente (medicamentos que já perderam a patente, mas também genéricos) entre 2020 e 2024, em 16 países europeus: Áustria, Bélgica, Croácia, Estónia, Finlândia, Alemanha, Hungria, Irlanda, Itália, Noruega, Polónia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido. E concluiu que, nesse período, o preço médio dos 10 antibióticos essenciais mais vendidos caiu 10,4%, apesar dos “aumentos acentuados” nos custos de produção e da inflação.

“Em geral, a maioria dos países registou quedas nos preços dos seus 10 principais CDI [designação comum internacional recomendada pela Organização Mundial de Saúde para substâncias ativas de medicamentos] no período de 2020 a 2024. Embora alguns países tenham registado quedas nos preços, as maiores foram na Suíça e em Itália, com -26,5% e -21,6%, respetivamente”, referiu o estudo.

Isto apesar de, segundo o relatório, se ter identificado um aumento de 31,6% nos preços industriais, de 25,7% ao nível da mão de obra, bem como a subida de outros custos de materiais considerados “indispensáveis” para essa produção.

De forma mais detalhada, esta análise indicou que, entre 2020 e 2024, o setor foi impactado por um encarecimento dos custos de produção em 32%, do gás e da eletricidade em 88% e 62%, respetivamente, e de produção de embalagens, de 28% no caso do papel e de 40% no caso do alumínio.

Um exemplo paradigmático a este nível prende-se com a amoxicilina, antibiótico que registou uma queda no preço de quase 19% e indicado pela New Angle como um dos mais afetados “pela escassez generalizada relatada nestes antibióticos em meados de 2025”, frequentemente utilizado no tratamento de várias infeções bacterianas.

A análise destacou, ainda assim, que “alguns países registaram aumentos nos preços [dos antibióticos] a partir de 2023, à medida que começaram a implementar algumas iniciativas para minimizar os preços insustentáveis”.

Conjugação de fatores pode ter “consequências na sustentabilidade do mercado”

Em declarações à Euronews, Margarida Bajanca, investigadora principal da New Angle que esteve envolvida na elaboração do estudo, alertou, com base nestes dados, que “a pressão que existe sobre os preços desses medicamentos pode ter, no limite, consequências ao nível da sustentabilidade do mercado e do acesso”. Fazendo, inclusive, com que as farmacêuticas responsáveis pela sua produção operem “no limite da eficiência”.

Uma realidade que poderá ter um impacto significativo, segundo a consultora: “Eu diria que as consequências mais óbvias, e que a literatura tem mostrado, e que também a nossa análise acabou por mostrar, de alguma forma, no que diz respeito aos antibióticos, é que para as empresas, a dada altura, deixa de ser viável produzir determinados medicamentos e, portanto, estes vão acabando por sair do mercado.” Ou seja, tal acaba por fazer com que o produto em causa deixe de ser comercializado nos países onde tal acontece, pelo facto de já não ser “economicamente viável”.

Junta-se a isso o facto de estes estarem “sujeitos aos mesmos tipos de descontos [...], de controlo orçamental que estão os outros medicamentos”, baixando o custo que estes têm para os consumidores. Uma situação que é particularmente delicada no caso dos antibióticos sem patente, que já “têm margens [de comercialização] muito mais baixas”, acrescentou, alertando para possíveis “impactos colaterais perniciosos” em termos de acesso.

Margarida Bajanca revelou ainda que, apesar de esta análise se ter debruçado sobre o caso específico dos antibióticos, as conclusões são “facilmente transponíveis para a generalidade dos medicamentos sem patente”. Simplesmente “os antibióticos ganham uma importância adicional”, já que a sua escassez “pode ser mais crítica, muitas vezes, que a falta de outros medicamentos”.

Como fazer face à situação?

O estudo alertou ainda para a "necessidade urgente" de reformas nos sistemas nacionais de preços para proteger o acesso a esses medicamentos tidos como essenciais.

Perante os dados recolhidos, Margarida Bajanca defendeu que, para o futuro, será necessário “olhar para este mercado tendo em vista a sua sustentabilidade”, até porque os medicamentos sem patente representam “grande parte” do mesmo. Numa situação extrema, acrescentou, a saída deste tipo de produtos farmacêuticos de comercialização poderá fazer com que o próprio consumidor, em situação de necessidade, tenha “menos escolha”, ou seja, um menor leque de medicamentos aos quais recorrer.

“[A consequência é que] começaremos a ter menos produtos similares, menos produtos relativos a uma doença”, descreveu, detalhando que essa situação poderá alimentar, até, uma lógica de oligopólio ou, até, de monopólio, nos casos mais severos.

Assim, elaborou que os países europeus necessitarão de adotar, daqui em diante, “uma estratégia que não olhe só ao preço”, mas também “ao acesso, ao médio prazo”, de modo a “equilibrar o melhor possível os vários interesses”: tanto as “questões de poupança” que os sistemas de saúde muitas vezes procuram, bem como “a questão da viabilidade e do acesso aos medicamentos críticos”.

A investigadora apontou, ainda assim, que “na Europa já se começa a pensar sobre como redesenhar esta política de preços, de maneira a garantir a disponibilidade dos medicamentos de que precisamos”. Exemplo disso é a Suécia, que tem já um “programa específico” para garantir que os antibióticos “não saiam do mercado” e que passa, de certo modo, por “‘desligar’ a receita da farmacêutica da venda do medicamento”. Ou seja, por garantir que os governos, regionais e locais, paguem “um valor mínimo” à farmacêutica responsável pela produção “para que o medicamento esteja disponível no mercado”, garantindo a sua sustentabilidade.

A consultora indicou que a solução pode passar, também, por “algum tipo de indexação automática entre os preços dos medicamentos e os custos da sua produção”, fixando um preço mínimo de venda. Com a investigação a elencar, no entanto, outras hipóteses, como a instituição de bandas de preço, agrupando os medicamentos com características semelhantes em grupos homogéneos.

Porém, a transição para uma situação de maior sustentabilidade poderá também incluir “alguma atenuação ou eliminação, para alguns medicamentos críticos, daquilo [os mecanismos] que vai continuamente puxando os preços para baixo, sem nenhum tipo de limite”, detalhou Margarida Bajanca. Esclarecendo que as entidades “não terão de fazer isso para todos os medicamentos, mas podem e devem fazê-lo para uma lista de medicamentos críticos”.

Os processos de compra de medicamentos, a nível hospitalar, também têm consequências a este nível, visto que “muitas vezes são só baseados no preço” e têm associada “a questão do ‘quem ganha leva tudo’”. Com a investigadora a recomendar que, nesse trabalho, sejam escolhidos vários medicamentos para aquisição de modo a que estes sejam, efetivamente, utilizados nos serviços de saúde em causa, promovendo a sua manutenção no mercado.

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