Sindicato da PSS alertou para riscos de segurança no controlo de fronteiras do aeroporto de Lisboa, nomeando a pressão para acelerar procedimentos. PSP e PJ apontam desgaste profissional, enquanto Governo e ANA admitem o impacto das filas.
Portugal quer abrir as portas de casa, mas parece que não a tem arrumada. Na pressa dos dias todos parecem sacudir a poeira “para debaixo do tapete do vizinho”, mas, como dita a expressão popular, “a pressa é inimiga da perfeição.”
O aumento do fluxo de passageiros, que tem feito crescer as filas nos controlos de passaporte, aliado à pressão do Governo sobre a PSP para que estas diminuam, pode levar a falhas de segurança.
O alerta foi dado pelo maior sindicato de polícias, a Associação Sindical dos Profissionais da Policia (ASPP), numa carta enviada ao Ministério da Administração Interna (MAI) há um mês, após o plenário de 4 de novembro, sobre as condições dos profissionais afetos ao aeroporto desde 2023, ano em que passaram a substituir o extinto SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). “Desse plenário resultou um documento exaustivo, com registo fotográfico de várias condições de trabalho, relembrámos a maior parte dos problemas associados àquele efetivo e até à data nada foi feito”, lamenta Paulo Santos, presidente da ASPP.
O dirigente sindical acusa também o Governo de, ao contrário do que critica no anterior executivo do PS, estar a facilitar a entrada de passageiros nas fronteiras. “Os polícias no aeroporto estão a exercer funções sob constante pressão para que haja uma simplificação da entrada de pessoas no país, contrariamente ao que é muitas vezes vendido pelo Governo, de que está a haver uma fiscalização correta”, afirma.
Desde a extinção do SEF, as fronteiras aéreas nacionais passaram a ser controladas pela PSP. Contudo, continua a existir um número considerável de inspetores da Polícia Judiciária (ex-inspetores do SEF) afetos “temporariamente” à função, principamente nos aeroportos do Porto e Faro.
Ricardo Jesus, presidente da direção nacional do Sindicato da Carreira de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (SCIC), que representa parte destes profissionais, afirma em entrevista à Euronews que “o facto de ter uma sala com três ou quatro mil pessoas à espera coloca, logo à partida, pressão no desempenho das funções”. No entanto, diz não sentir pressão de ninguém para acelerar o processo.
O dirigente do SCIC destaca ainda a experiência prévia dos inspetores ex-SEF, sobretudo na análise de situações, o que retira algum peso aos restantes profissionais.
Contudo, concorda que o aeroporto de Lisboa não acompanhou os tempos. “A zona onde é efetuado o controlo de fronteiras não acompanhou o ritmo de crescimento do número de passageiros.”
Falta de condições estruturais no aeroporto de Lisboa
As condições estruturais do aeroporto Humberto Delgado são apontadas também pela ASPP como a principal causa da dificuldade dos polícias. “Esta pressão exercida resulta daquilo que tem sido feito pela ANA Aeroportos, que quer naturalmente levar a cabo o seu negócio: quer que as pessoas aterrem o mais rapidamente possível e que não haja uma fiscalização muito apertada, para que isso se traduza em maior lucro”, critica Paulo Santos.
O representante da ASPP deixa duras críticas ao Governo, acusando-o de colocar os interesses comerciais das empresas de aviação e da gestão aeroportuária à frente da segurança nacional e internacional.
O Aeroporto de Lisboa ultrapassou os 35 milhões de passageiros em 2024, segundo a VINCI, empresa que detém a ANA Aeroportos. “O aumento da capacidade por parte de companhias aéreas como a LATAM e a United Airlines também contribuiu para o bom desempenho do tráfego de longa distância (Brasil, Estados Unidos)”, lê-se no comunicado da empresa.
Além do aumento de passageiros e da falta de espaço, Ricardo Jesus acrescenta ainda que existe um problema de gestão aeroportuária. "Quando vemos a colocação de partidas ou de chegadas de múltiplos voos em determinados períodos do dia ao mesmo tempo”, o que obriga a maximizar recursos humanos de forma pouco eficiente.
O período mais crítico ocorre durante a manhã — entre as 07:30 e as 11:30 — quando a maioria dos voos de partida para destinos que exigem controlo (Brasil, Estados Unidos e Canadá) coincide com a maior afluência de voos de chegada.
Uso abusivo do Sistema Simplificado compromete a segurança
Em declarações à Euronews — e como já tinha noticiado o jornal Público —, Paulo Santos volta a alertar para o uso abusivo do Sistema Simplificado. “Há instruções constantes para que o regime simplificado seja sempre o recurso a utilizar quando se avoluma a quantidade de passageiros no aeroporto de Lisboa, o que leva a falhas de segurança”, alerta.
O Sistema Simplificado é um recurso no qual o passageiro apresenta apenas o passaporte ao inspetor, que confirma a validade e correspondência do documento, sem inseri-lo na base de dados. Este sistema deve ser utilizado apenas nas “Partidas” e, nas “Chegadas”, apenas em situações excecionais, como no caso do apagão informático.
Criado apenas para circunstâncias “excecionais” e “imprevistas”, Ricardo Jesus considera que está a ser usado “de forma ilegal, por ser desconforme com o normativo para o qual foi pensado.”
“Neste momento, utiliza-se este sistema diariamente, por longos períodos de tempo, o que provoca quebras de segurança, uma vez que os passageiros que o utilizam não são confrontados com bases de dados internacionais, europeias ou nacionais. Pode, assim, dar-se passagem a cidadãos alvo de medidas cautelares ou procurados por autoridades”, explica Ricardo Jesus, que deu entrevista na qualidade de presidente do sindical mas é inspetor de fronteiras há quase dez anos.
Implementação do novo EES agravou o caos
No dia 12 de novembro entrou em vigor um novo sistema de entradas e saídas , o Sistema de Entrada/Saída (EES) nos 29 Estados-membros do espaço Schengen. O sistema automatizado exige que todos os viajantes se registem na fronteira, digitalizando o seu passaporte, recolhendo as suas impressões digitais e tirando uma fotografia.
No aeroporto de Lisboa a implementação deste novo sistema originou um cenário caótico devido ao aumento, mais acentuado que o normal, das filas de espera.
“A plataforma tecnológica por si só não é um problema, uma vez mais não temos é uma estrutura base que lhe permita ter a sua ação nos termos devidos. Temos boxes insuficientes em função daquilo que são as entradas do nosso país e o aeroporto, como não cresceu, como não foi alargado, como não tem mais espaços, mesmo com essa plataforma tecnológica, com poucas boxes não há capacidade de fluir os passageiros que entram em território nacional”, diz Paulo Santos.
Para Ricardo Jesus o facto de se estar ainda no período experimental, em que há carregamento de dados, torna-o “ligeiramente mais lento que o sistema que tínhamos anteriormente” o que vai prolongar a passagem das pessoas na fronteira, mas acredita que futuramente a situação será ultrapassada.
Falta de recursos humanos ou falta de preparação?
A falta de recursos humanos na PSP tem sido uma crítica recorrente, mas Paulo Santos rejeita que seja esse o principal problema.
“Mesmo que aumentasse o efetivo, se não forem criados espaços e boxes suficientes, o reforço policial não permitirá uma melhor gestão das fronteiras”, esclarece.
Para Ricardo Jesus, a falta de efetivo também não é o principal problema e considera que “talvez haja mais falta de gestão de onde são colocados estes profissionais.” Com a mesma infraestrutura com que o SEF trabalhava há três anos, “estão a alocar o dobro dos elementos, portanto não se pode dizer que faltem homens”, concluiu.
No Terminal 1 (T1) existem sete boxes nas “Partidas”, com dois profissionais em cada (14 posições manuais de controlo de passaporte), e oito boxes de controlo rápido (vulgo rapid), com 16 posições.
Nas “Chegadas” existem oito boxes com 16 posições e há ainda a Área T — para voos de "origens mais seguras" como EUA, Canadá e Reino Unido — com duas posições.
No Terminal 2 (T2) existe apenas uma fronteira de saída, com duas boxes (4 posições manuais) e seis posições de controlo rápido automatizado.
No controlo de fronteiras do aeroporto de Lisboa estão afetos cerca de 300 membros da PSP e 35 inspetores da PJ, em rotação de turnos.
Quando o SEF foi extinto, a 29 de outubro de 2023, as fronteiras aéreas foram assumidas pela PSP com aquilo que foi chamada uma “ajuda temporária” de alguns ex-inspetores do SEF que ficaram “em regime de afetação temporária” aos aeroportos, mas já como profissionais da PJ.
Na altura surgiu a critica da falta de preparação destes profissionais da PSP para operar um sistema tão complexo, mas para Paulo Santos “de uma forma muito rápida os profissionais da PSP conseguiram dar respostas a estas necessidades do serviço com tão fracos recursos.”
“Estes profissionais não tiveram qualquer aumento remuneratório, nem qualquer valorização e continuaram a dar essas respostas”, realça.
Ricardo Jesus considera, no entanto, que a transição pode ter contribuído para o aumento das filas, dado que “a formação em contexto de trabalho foi muito reduzida” para a PSP.
Ambas as forças policiais mostram-se hoje insatisfeitas com as condições no aeroporto.
“Estes profissionais queixam-se de burnout e de pressão constante, o que os coloca em grande fragilidade. Além disso, acabam por sofrer o impacto das críticas dos cidadãos”, refere Paulo Santos, lembrando que a PSP herdou uma estrutura já deficitária.
Já para Ricardo Jesus a “exaustão não deriva do tipo de trabalho, como refere a PSP, mas da forma como estamos a ser tratados.”
Recorda ainda que muitos inspetores iriam sair em outubro de 2025 e foram informados, apenas uma semana antes, que teriam de permanecer até abril de 2026. “A forma como a tutela está a lidar connosco com uma total falta de dignidade, acaba por ter impacto na vida das pessoas, no ânimo e na dedicação ao trabalho.”
O Governo justifica o prolongamento da afetação destes inspetores com a implementação do EES em 2025, referindo que estes profissionais representam "uma mais-valia nacional em termos de experiência e conhecimento, numa fase que apresenta riscos de segurança já identificados pela União Europeia”, lê-se no decreto de lei publicado a 28 de outubro.
“Sentimos que a nossa missão já está cumprida. Já tiveram tempo suficiente. Estamos cá só para se aproveitarem da nossa mão-de-obra”, desabafa Ricardo Jesus.
A ASPP convocou esta semana mais plenários nos aeroportos nacionais no dia 18 entre as 07:00 e as 11:00 para novo ponto de situação.
Filas de espera são um “embaraço” e “prejudicam a imagem do país”
Esta semana realizou-se o 50.º Congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), em Macau, e o chairman da ANA Aeroportos, José Luís Arnaut, reconheceu que as filas de espera são “um problema seríssimo”.
O aeroporto de Lisboa foi “desenhado para 22 milhões de passageiros e tem hoje 36 milhões”, afirmou.
Como hall de entrada de Portugal, uma má experiência compromete a imagem do país. Arnaut adiantou que estão a ser levadas a cabo conversações com o Governo para “redesenhar as boxes e aumentar o fluxo.”
O secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Espírito Santo, também foi um dos convidados oradores, e reforçou que as filas são “um embaraço nacional”. Confirmou que está previsto um aumento de 30% no número de boxes e e-gates nas “Partidas” e de 30% nas boxes e 70% nas e-gates nas “Chegadas”, com implementação prevista até junho para “antecipar o próximo verão”.
Hugo Espírito Santo insistiu também que a “falta de agentes da PSP” e a “instabilidade tecnológica, sobretudo das e-gates”, são duas das principais causas da morosidade no controlo de fronteiras.
A situação limite em que o aeroporto de Lisboa está a operar é cada vez mais difícil de ignorar. Entre problemas estruturais aeroportuários e uma transição de forças policias que ainda não está totalmente feita, o controlo de fronteiras continua a mostrar problemas e até não haver medidas concretas as falhas podem comprometer a segurança nacional e os compromissos assumidos com a Europa.