A 12 de junho de 1985, o primeiro-ministro do governo de bloco central, Mário Soares, assinou o Tratado de Adesão às comunidades europeias, após oito longos anos de negociações complexas. Abriu-se então a porta a uma profunda transformação política, económica e social. O país nunca mais foi o mesmo.
«Que este dia fique a assinalar na história da Comunidade Europeia uma data de bom augúrio para o futuro europeu, um futuro que desejamos solidário e de unidade, capaz de propiciar aos povos das Comunidades progresso e justiça social e de ser um fator de paz e de estabilidade no mundo conturbado dos nossos dias». Foi assim que Mário Soares concluiu o seu discurso na cerimónia da assinatura da adesão às comunidades europeias, no Mosteiro dos Jerónimos a 12 de junho de 1985.
A frase tem 40 anos, mas a esperança de uma União Europeia como fator de paz e de unidade é tão verdadeira hoje como naquele dia, ainda que o entusiasmo com o projeto europeu não esteja já tão à flor da pele dos portugueses, ao contrário do que acontecia na década que se seguiu ao momento em que o então primeiro-ministro do governo do Bloco Central recorreu à sua caneta Parker 75 Sterling Silver para formalizar o ‘casamento’ de Portugal com a Europa, oito anos depois do ‘pedido de noivado’ a Bruxelas.
O sonho de um futuro europeu
«Eu estava no Mosteiro dos Jerónimos, tenho uma memória pessoal dessa cerimónia, que foi muito bonita. Estava um dia lindo. Foi uma coisa muito emocionante», recordou ao Nascer do SOL João Vale de Almeida, que, nos seus mais de 40 anos ao serviço da UE, foi embaixador nos pontos mais relevantes do mundo, e que tinha sido ‘recrutado’ para a Comissão Europeia três anos antes.
Recordação semelhante tem Carlos Coelho, ex-eurodeputado do PSD e comissário para as Comemorações do 40.º aniversário da Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. «A comunidade representava o acesso a sociedades que víamos como modelos de modernidade e bem-estar. Recordo sobretudo o entusiasmo, o sonho de um futuro com mais crescimento e melhor qualidade de vida», considera. «O dia da assinatura foi vivido como um momento mágico, com a ilusão de que tudo mudaria no dia seguinte», acrescenta.
Pelo contrário, Francisco Seixas da Costa tinha muitas reservas. «À época, por preconceitos ideológicos, eu era muito cético sobre as virtualidades da adesão de Portugal» reconhece o diplomata, para quem a adesão, na altura, «representava uma espécie de rendição do nosso país a um modelo constringente, que abafaria a nossa independência e a capacidade de “autodeterminação” do nosso futuro». No entanto, «o tempo e a experiência» fizeram-no «mudar de ideias».
Hoje, olhando para trás, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus considera que «estava errado» e que «os decisores políticos da época estavam certos». E vai mais longe: «Para mim, nenhuma decisão tomada por Portugal, em termos de política externa, no século passado, teve a importância da decisão de aderir ao processo europeu. Mário Soares teve essa intuição e devemos estar-lhe gratos por isso. Portugal mudou imenso nestes 40 anos: para muito melhor. A Europa tirou-nos do ‘isolamento, abalou positivamente as mentalidades».
‘Quero ver Portugal na CEE’
Era, aliás, essa a expectativa da maioria dos portugueses. João Vale de Almeida e Carlos Coelho repetem por várias vezes nas suas declarações ao Nascer do SOL que havia um «largo consenso» das forças políticas, à exceção do PCP, mas também um «grande entusiasmo» da população, em especial das gerações mais novas. Veja-se a título de exemplo o sucesso da música dos GNR Portugal na CEE, lançada em 1981. Cinco anos depois – a assinatura foi em junho de 1985 mas entrada formal aconteceu em janeiro de 1986 –, a premissa da canção cumpriu-se. No ano seguinte, em 1987, o desejo de um país indubitavelmente europeu também voltou a provar-se nas primeiras eleições europeias em Portugal, que tiveram uma taxa de participação de mais de 70%.
Mas não foi um caminho fácil, como nunca é em qualquer ‘casamento’. Era preciso negociar para garantir que o acordo seria bom para o país e para a comunidade europeia.
Foram oito anos de conversações com Bruxelas, recorrendo também a encontros paralelos com Espanha, com o objetivo de acelerar também o processo de integração europeia do país vizinho, uma vez que a comunidade europeia queria que a adesão dos dois países ocorresse ao mesmo tempo. Facto que, segundo João Vale de Almeida, pode ter atrasado a entrada de Portugal, em «um ano ou dois». Seixas da Costa, que viria a negociar o Tratado de Amesterdão (1995-1997) e o Tratado de Nice (2000), não participou nas negociações pré-adesão, mas não hesita em frisar a complexidade e a dificuldade da tarefa. «Não participei nessa negociação, mas tenho um imenso respeito por quem a protagonizou. Foi um trabalho de grande dimensão e risco, que merece um grande respeito e gratidão do país».
De 200 para 3.000 km de autoestrada
Para João Vale de Almeida, o país como membro da União Europeia foi um «completar o 25 de Abril». «Era uma componente que faltava da regeneração de Portugal, de alguma maneira, depois de 49 anos de ditadura e de atraso». A adesão «foi decisiva para a consolidação da nossa democracia», diz também Carlos Coelho. Já Seixas da Costa sublinha: «a Europa não é um “sonho”, é um projeto de vida. E, pelo que nos toca a nós, portugueses, tem sido um processo magnífico nas suas consequências. A nossa vida, a nossa democracia, o nosso bem-estar devem-lhe imenso».
Aliás, desafiados a adivinhar o que seria o país hoje se Mário Soares, como primeiro-ministro, Rui Machete, vice-primeiro-ministro, Jaime Gama, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e Ernâni Lopes, ministro das Finanças e do Plano, não tivessem inscrito o seu nome naquele documento, têm dificuldade em fazer o exercício imaginativo.
«Comparar o Portugal de há 40 anos com o país que somos hoje é, por si só, a melhor demonstração da correção da decisão tomada», afirma Carlos Coelho. «Seríamos certamente mais pobres, mais vulneráveis, com uma moeda frágil e dependente dos nossos parceiros comerciais».
«Seria um país muito pequeno, muito periférico, muito isolado, e, por isso, muito vulnerável a todos os choques, económicos, monetários e geoestratégicos», reforça Vale de Almeida. A mesma opinião partilha Seixas da Costa: «Portugal teria agravado tragicamente a sua perifericidade, ter-se-ia atrasado ainda mais face a Espanha e ao resto da Europa».
Para se ter noção do impacto que a União Europeia teve, por exemplo, a nível das infraestruturas, basta pensar que há quarenta anos havia menos de 200 quilómetros de autoestrada, atualmente são mais de 3.000. Já para não falar na completa transfiguração dos índices sociais, como as taxas de analfabetismo ou da mortalidade infantil.
O regresso aos Jerónimos
O balanço destas quatro décadas é consensualmente muito positivo na visão destes três protagonistas do cumprimento do projeto europeu em Portugal.
Carlos Coelho sente, por tudo isto, a responsabilidade da sua missão enquanto Comissário para as Comemorações do 40.º aniversário da Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. «Assinalar quatro décadas de integração europeia é, assim, sublinhar a justeza dessa escolha estratégica e o amplo consenso nacional que a tornou possível», defende. Já Vale de Almeida também é um entusiasta da comemoração da data que mudou o país para sempre, só lamenta não poder voltar ao Mosteiro dos Jerónimos no dia 12 de junho de 2025, já que a esperança e o empolgamento seriam os mesmo de há 40 anos. «Tenho pena, fui convidado a ir à cerimónia, mas não vou conseguir ir», diz o ex-embaixador da União Europeia, que tem residência permanente em Bruxelas.