Bashar al-Assad "pode vir a ser julgado"

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A responsabilidade do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos é particularmente vasta nos momentos que correm. Entre a crise dos refugiados

A responsabilidade do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos é particularmente vasta nos momentos que correm. Entre a crise dos refugiados, a guerra na Síria, o terrorismo, onde se situam os direitos essenciais? O convidado da jornalista Audrey Tilve, no Global Conversation, foi Zeid Ra’ad Al Hussein.

Audrey Tilve, euronews: Comecemos pelo acordo controverso entre a Europa e a Turquia sobre a deportação de migrantes e refugiados para solo turco. Tem sido muito crítico em relação a isto. Porquê?

Zeid Ra’ad Al Hussein: Há quatro pontos que nos preocupam. O primeiro diz respeito à transformação dos centros de acolhimento em centros de detenção – o que já acontece na ilha de Lesbos. Segundo, as condições humanitárias. Terceiro, será que a Turquia pode, de facto, providenciar-lhes segurança? Por último, parece-nos contraditório deportar toda a gente e a intenção de estudar caso a caso.

euronews:Quase cinco milhões de pessoas já fugiram da Síria. A maior parte está agora na Turquia, mas também no Líbano e no seu país, na Jordânia. Há cerca de dois meses, o rei jordano, Abdullah, declarou que a situação está prestes a explodir. O que é que ele quis dizer precisamente?

ZRH: A dívida per capita dos países vizinhos da Síria tem aumentado devido a esta responsabilidade acrescida, sobretudo no Líbano e na Jordânia. Há um sentimento de injustiça perante tudo isto. O conflito dura há cinco anos. A responsabilidade de pôr cobro a este confronto cabe sobretudo ao Conselho de Segurança da ONU, no seio do qual há cinco países que carregam uma responsabilidade ainda mais especial. Foi um mecanismo criado após a Segunda Guerra Mundial e, no caso da Síria, não está a resultar. Isso permitiu que o Daesh conseguisse saltar a fronteira da Síria para o Iraque e provocou este fluxo de refugiados…

Dados biográficos: Zeid Ra’ad Al Hussein

  • Tornou-se Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos a 1 de setembro de 2014
  • Ocupou anteriormente o cargo de representante permanente da Jordânia nas Nações Unidas em Nova Iorque
  • Há muito que trabalha nos domínios da justiça e direito internacional, das missões de paz e dos processos de reconstrução pós-conflito
  • Foi um dos impulsionadores do Tribunal Penal Internacional e tem-se empenhado em questões como a luta contra a exploração sexual e os abusos cometidos no âmbito das missões da ONU

euronews: Considera então que foi a falta de acordo no seio do Conselho de Segurança da ONU que levou ao contexto atual na Síria?

ZRH: O Conselho de Segurança tem uma responsabilidade particular, que é a de poder colocar um ponto final em conflitos desta natureza, que contaminam tudo à volta, que são muito perigosos e que arrastam vários países com ele. O facto de isto durar há cinco anos demonstra que o Conselho de Segurança falhou.

euronews: O senhor foi o primeiro muçulmano a ser nomeado como Alto Comissário para os Direitos Humanos. Os ataques terroristas em nome do Islão têm provocado cada vez mais tensões em relação às comunidades muçulmanas na Europa. Penso poder dizer que ambos sabemos que nada disto tem a ver com a religião, mas a verdade é que a desconfiança do Ocidente está a aumentar. Tem alguma mensagem a deixar aos muçulmanos na Europa?

ZRH: É preciso perceber que o mal que estes grupos extremistas têm feito a outros muçulmanos é incomparavelmente maior do que aos não-muçulmanos, à exceção de algumas comunidades no Iraque, por exemplo. Os extremistas consideram que aqueles que não partilham das suas convicções não merecem viver. É esta perspetiva que o mundo islâmico tem de combater, mais do que a Europa até. É óbvio que há muito por fazer no que diz respeito ao contexto islâmico. Mas também é necessário que a Europa não meta tudo no mesmo saco, porque isso produz resultados muito negativos. A história europeia está repleta de exemplos, não preciso de os relembrar.

euronews: A luta contra a impunidade é um dos seus cavalos de batalha. Empenhou-se muito na criação do Tribunal Penal Internacional em 2002. Catorze anos depois, este organismo condenou efetivamente apenas três pessoas. Quase todas as investigações em curso são relativas a África. Porquê?

ZRH: É preciso compreender o funcionamento deste tribunal. A questão base é a jurisdição, que só é obtida com a adesão do país ou através do Conselho de Segurança.

euronews: O alcance do tribunal é limitado pela falta de reconhecimento de vários países?

ZRH: Sim. Ou então, a falta de jurisdição é motivada pelo facto de o Conselho de Segurança não ter atribuído o caso ao tribunal. Na altura em que criámos os estatutos deste organismo, achávamos que o mundo podia mudar do dia para a noite. O sentimento que tínhamos era de que isto representava um passo tão significativo pelo fim da impunidade, que as coisas iam mudar rapidamente. Depois, percebemos que leva muito tempo até que os líderes políticos de todos os cantos do mundo percebam que não podem exercer o poder à sua vontade, que há limites para as intervenções militares, que as Nações Unidas não vão amnistiar se se decidir fazer um acordo de paz, por exemplo.

euronews: Uma pergunta muito concreta: sabendo que a Síria não reconhece o Tribunal Penal Internacional, há alguma possibilidade de, um dia, Bashar al-Assad vir a ser julgado?

ZRH: Há possibilidades e creio que isso pode muito bem vir a acontecer. Não se pode pensar que os alegados autores de crimes nunca irão ser trazidos perante a Justiça, porque já houve exemplos…

euronews: Como?

ZRH: Estamos a recolher provas, há cada vez mais organismos a fazê-lo e, a seu tempo, esperamos que elas sejam apresentadas em tribunal e que os acusados sejam julgados.

euronews: A imagem das missões de paz da ONU foi abalada pela denúncia de vários casos de abusos sexuais. Na República Centro-Africana, foram declarados mais de cem casos. As normas estipulam que os soldados envolvidos, assim como toda a unidade, sejam mandados de volta para casa. Mas não há forçosamente um julgamento. Considera isso suficiente?

ZRH: Ainda bem que levantou essa questão. É completamente repugnante que haja pessoas, vítimas, comunidades vulneráveis, que depositam a sua confiança em soldados de paz que depois são acusados de crimes dessa natureza. Cabe ao país que envia os militares assegurar que seja feita justiça. O que a ONU pode fazer é retirá-los da missão e mandá-los para casa…

euronews: Se os países decidirem não os julgar, não há nada a fazer…

ZRH: Sim, podemos pressioná-los e a ONU pode decidir não receber mais soldados desse país. Mas, no final, é o país que deve assumir as responsabilidades.

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