“To be or not to be” na União Europeia.
“To be or not to be” na União Europeia. Foi a questão que David Cameron se comprometeu a colocar aos britânicos durante a campanha eleitoral de 2015. Na altura, tratava-se de retórica eleitoral. Sabia-se que muitos na Grã-Bretanha se queixavam cada vez mais da Europa, mas ninguém acreditava que o país pudesse abandonar o navio.
Mas foi sem contar com a mobilização sem precedentes dos partidários da saída, que moveram montanhas para atingir o objectivo, o famoso BEXIT, um termo criado a partir da abreviação de British e êxit. Estes militantes, fortemente motivados, tinham como objetivo simplesmente a saída da União Europeia, a que o país tinha aderido em 1972.
Para dirigir esta campanha anti-europeia, os pró-Brexit tinham duas personagens exuberantes da política britânica. Nigel Farage, o populista chefe do UKIP, o Partido Independentista e Boris Johnson, o ex-presidente da câmara de Londres, eletrão livre do Partido Conservador. Durante toda a campanha os dois martelaram o slogan “Queremos o nosso pais de volta”, com argumentos e representações irónicas sobre a União.
Farage ironizava: “Já nem sequer temos um passaporte britânico, temos um passaporte da União Europeia”.
Boris Johnson contava histórias: “É agora ou nunca, porque se falharmos a mudança agora, vamos sentir-nos como passageiros bloqueados na parte de trás de um veículo pouco fiável comandado por satélite e dirigido por alguém que não percebe inglês e nos conduz para a direção oposta aquela em que queremos ir.”
A campanha organizou-se nos dois campos com determinação. Os que defendiam a saída estão convencidos que a Grã-Bretanha será mais forte e mais rica sem a Europa; os que queriam continuar agitavam a ameaça de uma catástrofe económica e contavam com o apoio dos grandes líderes internacionais, cujas declarações se sucediam:
Donald Tusk: “Eu acredito profundamente que ao Reino Unido precisa da Europa e a Europa precisa do Reino Unido”.
Jean-Claude Juncker : “Eu sempre disse que quero que o Reino Unido permaneça na União Europeia, na base de um acordo justo”.
François Hollande: “Eu não queria lançar receios, mas deizer apenas a verdade: vai haver consequências se o Reino Unido deixar a União Europeia”.
E até Barack Obama : “Os Estados Unidos querem um Reino Unido forte como parceiro. E o Reino Unido está no seu melhor quando ajuda a liderar uma Europa forte”.
Ainda que muito viva, a campanha manteve-se controlada até ao drama ocorrido poucos dias antes do escrutínio: a deputada trabalhista, Jo Cox, que fazia campanha pela manutenção do país na União Europeia, foi assassinada em plena rua, por um homem que terá gritado: primeiro a Grã-Bretanha. Um assassinato que indignou o país e a Europa.
Durante alguns dias, a campanha foi suspensa e as intenções de voto contra o Brexit subiram. Pensou-se, então, que o drama teria feito pender a balança a favor dos que queriam ficar. No dia 23, dia do voto, ninguém acreditava no cenário da saída.
O anúncio dos primeiros números foi um choque! Cerca de 52% dos britânicos decidiram abandonar a União Europeia, que conhece a primeira deserção após varias vagas de alargamento.
O campo do Brexit exulta de alegria. Na ressaca, com o navio à deriva, os dois corajosos comandantes, saltam. Nigel Farage, considerando a sua missão cumprida, abandona a política; Boris Johnson recusa o cargo de primeiro-ministro deixado vago por David Cameron, que declarou após o voto:
“Não penso que fosse correto eu ser o comandante que conduz o nosso país para o próximo destino”.
Ainda em choque, Cameron desloca-se alguns dias mais tarde a Bruxelas para a cimeira europeia extraordinária convocada após o referendo. Começa então o longo processo de divórcio entre Londres e Bruxelas. Um processo dirigido agora por Theresa May, escolhida pelos conservadores e que defende uma saída “harmoniosa e ordenada”
Mas, por onde começar?
Neste final de ano de 2016, ainda é cedo para prever as consequências na Europa da perda deste membro e na Grã-Bretanha dividida da desta navegação solitária. O ano de 2017 vai certamente ouvir falar dos descontentes que continuam a manifestar-se.