O poder da linguagem de Donald Trump

O poder da linguagem de Donald Trump
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De  Maria Barradas
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O fenómeno Donald Trump manifesta-se das formas mais diversas.

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O fenómeno Donald Trump manifesta-se das formas mais diversas. As relações com o novo inquilino da Casa Branca prometem ser um quebra cabeças para a diplomacia mundial. Porque Trump é impulsivo e logo,imprevísivel, mas também porque Trump utiliza, segundo os especialistas, uma linguagem que não vai além do nível de um adolescente de 6° ou 7° ano de escolaridade.

Uma verdadeira dificuldade para a tradução das palavras e das ideias do presidente norte-americano nas outras línguas, que deixa tradutores e jornalistas do mundo inteiro à beira de um ataque de nervos e que pode ser fonte de mal entendidos e tensões. Uma tradução simultânea de um discurso de Trump é um exercício bastante complicado. Vejamos um exemplo com um excerto do discurso de campanha, em julho de 2016, em Sun City, na Carolina do Norte, quando o candidato falava do nuclear e do Irão:

O que Donald Trump disse exatamente nesse discurso: *“Look, having nuclear—my uncle was a great professor and scientist and engineer, Dr. John Trump at MIT; good genes, very good genes, OK, very smart, the Wharton School of Finance, very good, very smart —you know, if you’re a conservative Republican, if I were a liberal, if, like, OK, if I ran as a liberal Democrat, they would say I’m one of the smartest people anywhere in the world—it’s true!—but when you’re a conservative Republican they try—oh, do they do a number—that’s why I always start off: Went to Wharton, was a good student, went there, went there, did this, built a fortune—you know I have to give my like credentials all the time, because we’re a little disadvantaged—but you look at the nuclear deal, the thing that really bothers me—it would have been so easy, and it’s not as important as these lives are (nuclear is powerful; my uncle explained that to me many, many years ago, the power and that was 35 years ago; he would explain the power of what’s going to happen and he was right—who would have thought?), but when you look at what’s going on with the four prisoners—now it used to be three, now it’s four—but when it was three and even now, I would have said it’s all in the messenger; fellas, and it is fellas because, you know, they don’t, they haven’t figured that the women are smarter right now than the men, so, you know, it’s gonna take them about another 150 years—but the Persians are great negotiators, the Iranians are great negotiators, so, and they, they just killed, they just killed us.” *

A tradução direta em português:
“Olhe, tendo nuclear – meu tio era um grande professor e cientista e engenheiro, Dr. John Trump no MIT; Bons genes, muito bons genes, OK, muito inteligente, a Wharton School of Finance, muito bom, muito inteligente – sabe, se você é um republicano conservador, se eu fosse liberal, se, como, OK, se eu me candidatasse como um democrata liberal, diriam que eu sou uma das pessoas mais inteligentes em qualquer parte do mundo – é verdade! – mas quando você é um republicano conservador tentam – oh, fazem um número – é por isso que eu sempre começo por dizer: Fiz a Wharton, fui um bom aluno, estudei lá, fui lá, fiz isso, construí uma fortuna – você sabe que eu tenho que dar minhas credenciais o tempo todo, porque estamos um pouco em desvantagem – mas você olha para o nuclear A coisa que realmente me incomoda – teria sido tão fácil, e não é tão importante como essas vidas são (nuclear é poderoso, o meu tio explicou-me isso há muitos, muitos anos atrás, o poder e que foi há 35 anos , Ele explicava o ia acontecer e ele estava certo – quem teria pensado?), Mas quando você olha para o que está a acontecer com os quatro prisioneiros – agora ele costumava ser três, agora é quatro – mas quando era três e até agora, eu diria que tudo está no mensageiro; Rapazes, e é porque eles não sabem, eles não imaginaram que as mulheres são mais inteligentes agora do que os homens, então, você sabe, isso vai levá-los por mais 150 anos – mas os persas são Grandes negociadores, os iranianos são grandes negociadores, então, e eles, eles apenas mataram, eles apenas nos mataram “.

A interpretação das palavras de Trump seria a seguinte: *Gostaria de falar sobre o nuclear. O meu tio, Dr. John Trump, foi um grande professor, cientista e engenheiro do MIT. Era um homem muito inteligente que pertencia à nossa família. Geneticamente somos muito inteligentes. Por exemplo eu frequentei a Wharton School of Finance.
Quando se é conservador republicano – vamos dizer isto de outra forma: se eu me candidatasse como liberal democrata as pessoas iam dizer que eu era a pessoa mais inteligente do mundo. É verdade! Mas quando se é republicano as pessoas tentam menosprezar a inteligência. É por isso que eu quando me apresento às pessoas começo por dizer que estudei em Wharton e que fui um bom aluno e depois falo de todas as instituições em que estudei, de tudo o que alcancei e digo que fiz fortuna. Tenho sempre necessidade de falar do meu curriculo porque nós os republicanos estamos em desvantagem nesta matéria. Mas voltando à questão do nuclear, o que me incomoda é que isto podia ter sido tão fácil. Não é tão importante como as vidas dos quatro americanos reféns. O nuclear é poderoso. O meu tio explicou-me isso há muitos anos. Foi há cerca de 35 anos que ele me explicou o significado do que está a acontecer e prova-se que ele tinha razão. Quem pensaria uma coisa destas? Mas quando se olha para a situação dos quatro prisioneiros – primeiro eram só três mas agora são quatro – eu diria que o mais importante são os mensageiros. São todos homens, porque ainda não se deram contam que as mulheres são mais inteligentes que os homens e serão precisos ainda mais 150 anos para admitirmos isto. Mas os persas, quero dizer os iranianos, são negociadores competentes e deram-nos a volta*.

Como explica a “tradutora francesa, Bérengère Viennot”: http://www.lemonde.fr/big-browser/article/2017/01/19/lost-in-trumpslation-ou-de-la-difficulte-de-traduire-donald-trump_5065609_4832693.html#iAMOQ5g5VFJK8Sl5.99
, “o trabalho de tradução consiste menos em traduzir palavras do que em traduzir ideias, ou personalidades, de forma a criar no leitor ou ouvinte a mesma impressão e a mesma reflexão que foi criada no ouvinte ou leitor do texto original”

Ora, a pobreza do vocabulário de Trump obriga os que são obrigados a traduzi-lo de forma compreensível a recorrerem em permanência a estratagemas para dar coerência ao seu discurso

O discurso de Donald Trump carateriza-se por um léxico reduzido, frases curtas, repetição de palavras e uso e abuso de adjetivos qualificativos, como, por exemplo: “great” “tremendous”, “terrific”, amazing”. Numa entrevista ao New York Times, por exemplo, a tradutora francesa verificou que Trump utilizou 45 vezes a palavra “great”. Por outro lado, quando o presidente norte-americano fala de improviso e fá-lo com frequência, o seu discurso revela-se disperso e quase incoerente como vimos no exemplo anterior. A maior parte das vezes dir-se-ia que tem uma série de ideias na cabeça e que procura, à medida que articula o discurso, as ligações entre elas.

Para muitos analistas é nesta pobreza de vocabulário que reside o sucesso popular do multimilionário. Trump fala a linguagem do americano comum. Fala de uma forma emocional, simples e mesmo agressiva. Não se perde em explicações sobre a complexidade da política internacional, por exemplo. Afirma coisas como: “Vamos roubar-lhes o petróleo”, “serei o maior criador de empregos que Deus criou”, “vamos construir o muro e o México vai pagá-lo”. Simples!

“Este vídeo do guionista e produtor Evan Puschak”:
https://www.youtube.com/watch?v=_aFo_BV-UzI, mais conhecido como Nerdwriter, explica como a enunciação de Trump pode ser a grande responsável por sua popularidade. “Pela ampla experiência como comerciante charlatão, Trump sabe muito bem como vender um sentimento”, diz Puschak. O candidato conclui suas frases com chavões como “erros”, “danos” e “missão” — nada além de duas sílabas. Outro dado importante: 78% das palavras que Trump usa são monossilábicas.

São palavras curtas que parecem insignificantes, mas muito eficazes. Pontuam estrategicamente as frases, são as últimas a ser proferidas e são as que ficam no ouvido. Como se não bastasse, Trump repete-as à exaustão, o que faz com que, ainda que o seu discurso seja pouco coerente, as palavras ou as frases curtas e marcantes ficam registadas.

Como explica George Lakoff, professor de linguística cognitiva da Universidade da Califórnia, nos EUA, a compreensão da linguagem faz-se através de conexões neurais e a repetição de palavras ou ideias faz com que essas palavras ou ideias se reforcem. “Usar uma linguagem que ativa processos neurais inconscientes faz-nos acreditar, inconscientemente, no que é dito. Acreditamos naquilo que Trump diz porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão. Por isso é que é tão perigoso”, conclui Lakoff.

Estrela de reality shows, o homem que agora se tornou presidente dos Estados Unidos percebeu há muito o sentido da expressão “é disto que o meu povo gosta!”

Mas o candidato mudou de estatuto e é agora o presidente da maior potência mundial. Não é garantido que a fórmula que lhe serviu para ganhar a eleição lhe possa ser últil para governar a América e representá-la no mundo. Uma coisa é certa, o mandato de Donald Trump vai ser um enorme desafio para quem tem a missão de traduzir ou interpretar as suas palavras.

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