Sete anos de guerra na Síria

Sete anos de guerra na Síria
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"Os civis estão encurralados entre os rebeldes e o regime".

Há sete anos os sírios foram para as ruas exigir liberdade e mais direitos socio-económicos. A revolta, que começou inicialmente com protestos pacíficos, transformou-se numa guerra civil e de grande escala. O conflito entra agora no oitavo ano, não tem um fim à vista, apesar de uma nova resolução da ONU que exige um cessar-fogo imediato nas áreas ameaçadas. A violência contínua já custou a vida a mais de meio milhão de pessoas e deslocou milhões dentro e fora da Síria. Lugares considerados intocáveis como escolas e hospitais foram atingidos e, em alguns casos, passaram a ser deliberadamente alvos.

A destruição deixou partes do país irreconhecíveis. A lista de horrores é interminável. E no centro deste conflito e devastação estão civis indefesos. Para nos ajudar a perceber melhor esta difícil situação, vamos conversar com dois convidados. Primeiro, Helle Thorning-Schmidt, presidente da Save the Children International.
A ONG que lidera declarou a Síria o país mais perigoso do mundo para as crianças e nesta altura está a dar assistência humanitária a 2 milhões e meio de pessoas na Síria, incluindo um milhão e 700 mil crianças. Vamos falar também Raphaël Pitti. É médico francês, realizou mais de 20 missões nas zonas de guerra da Síria desde 2012 e formou médicos e enfermeiros sírios.

Sophie Claudet, euronews:
“Com a guerra agora a entrar no oitavo ano, podemos dizer que a comunidade internacional falhou com o povo sírio?”

Helle Thorning-Schmidt, presidente Save the Children International:
“Acho que somos obrigados a concluir que a comunidade internacional falhou com o povo sírio e com as crianças sírias. E preocupa-me bastante esta escalada do conflito, o facto da ONU ter confirmado que produtos químicos foram novamente usados ​​como armas na Síria, os horrores a que estamos a assistir, os quase 2 milhões de pessoas que estão nas áreas cercadas e zonas difíceis de acesso, a quem são negados alimentos e assistência médica.
Este é um novo nível de horror e eu tenho medo que estejamos a aceitar isto como o novo normal.

Basicamente, é uma guerra contra as crianças. Quando se começa a bombardear áreas civis, a bombardear escolas e hospitais, passa a ser uma guerra contra crianças e não devemos aceitar isso.”

Sophie Claudet, euronews:
“2017 foi, de facto, o ano mais mortal para crianças sírias. E desde o início de 2018, 1000 crianças foram mortas ou feridas. Acha que este número negro é agravado devido à natureza do conflito, por causa dos bombardeamentos aéreos?”

Helle Thorning-Schmidt, presidente Save the Children International:
“Isto acontece devido a uma série de factores e estamos a ver que, quando a guerra se move para áreas onde vivem muitos civis, basicamente as cidades- e não nos podemos esquecer que Ghouta Oriental é basicamente um subúrbio de Damasco, onde muitas pessoas vivem- quando a guerra se move para essas áreas, isto é um ataque contra civis e particularmente as crianças.”

Sophie Claudet, euronews:
“E em relação ao número de crianças soldados? Porque, aparentemente, os números triplicaram desde 2015”.

Helle Thorning-Schmidt, presidente Save the Children International:
“O que acontece com as crianças na guerra é que aumenta o risco de elas se tornarem soldados, aumenta o risco de trabalho infantil, aumenta o risco de abuso sexual, aumenta o número de jovens a serem obrigadas a casar, jovens muito novas, porque em alguns casos as famílias consideram que têm mais segurança, noutros libertam-se de um “fardo económico”.

Sophie Claudet, euronews:
“Falemos agora sobre o impacto a longo prazo deste conflito, ou seja, do trauma psicológico.”

Helle Thorning-Schmidt, presidente Save the Children International:
“Estas crianças sofrem de stress pós-traumático, muitos de nós não sabemos o que é isso, mas são crianças que se escondem ou entram em stress quando ouvem bombardeamentos, crianças que não controlam a urina quando dormem, crianças que não conseguem dormir e, basicamente, crianças que não têm um comportamento normal. E pergunto à comunidade internacional, como podemos pedir a estas crianças que sejam o futuro do país se não tiverem educação? Temos mais de um milhão e 700 mil crianças na Síria que não vão à escolas porque as escolas estão a ser bombardeadas, não têm educação, estão desnutridas, estão extremamente assustadas, sofrem de stress tóxico, como é que estas crianças podem construir novamente a Síria?”

Sophie Claudet, euronews:
“Vamos agora falar com o Dr. Raphael Pitti. Médico francês que formou pessoal médico nas zonas de guerra da Síria.

É médico de reanimação e urgências, já esteve mais de 20 vezes exatamente na Síria. Explique-nos o que se passa no terreno. Sabendo que os hospitais são atingidos, por vezes, de forma deliberada, como é possível trabalhar naquelas condições? Com que medicamentos? Com que pessoal médico?”

Raphael Pitti, médico francês:
“Quando se está num hospital e em não há qualquer equipamento médico, percebemos que as condições se degradam e isso vai ter implicação direta no fluxo dos doentes que chegam, para além de que vai ser necessário fazer uma triagem. Assim sendo, haverá pacientes que vão ser tratados noutras condições e que, nessas condições, tendo em conta o afluxo e a falta de meios, vamos deixá-los morrer.”

Sophie Claudet, euronews:
“Podemos imaginar que há uma escassez de médicos, não apenas por causa dos que fugiram, os mais qualificados, mas também porque muitos médicos não escaparam às bombas”.

Raphael Pitti, médico francês:
“Com frequência, os médicos mais competentes, depois de dois ou três anos, quando já não aguentavam mais, fugiram da Síria com as famílias.
E foram substituidos, muitas vezes por estudantes de medicinas, muitas vezes por pessoas sem qualquer competência que apenas tentam ajudar, vimos mulheres que trabalham nas limpezas a tornarem-se enfermeiras ou parteiras. Vimos estudantes a tornarem-se enfermeiros, estudantes do primeiro ano a tornarem-se cirurgiões vasculares.”

Sophie Claudet, euronews:
“Falamos de um número de mortos superior a 500 mil, meio milhão. Como se sobrevive aos ferimentos da guerra provocados por bombardeamentos aéreos ou por bombas de barril?”

Raphael Pitti, médico francês:
“Dadas as circunstâncias de degradação de que já falei, não podemos tratar, vemo-nos obrigados a dar prioridade à vida em vez da função, ou sejam amputamos muitas vezes.
Há toda uma geração, milhares de pessoas que no futuro vão ter de ser deparar com as suas incapacidades, num país completamente devastado e ao mesmo tempo vão ser uma carga pesada para o país que tenta reconstruir-se.”

Sophie Claudet, euronews:
“Em vários dos seus testemunhos, fala da destruição da rede sanitária. Pode explicar-nos do que se trata exatamente.”

Raphael Pitti, médico francês:
“Desde 2011 que as estruturas médicas na Síria são diretamente atingidas pelo regime, o regime quis sempre mostrar que as zonas que estão nas mãos dos rebeldes não eram zonas seguras para as populações. Essas estruturas em conjunto com a rede sanitária, que era muito bem organizada na Síria antes de 2011, estão completamente destruídas e isso faz com que todas as doenças crónicas não possam ser tratadas, a vacinação não é feita e claro, os doentes oncológicos não são tratados, tal como os diabéticos ou os hipertensos. Para se perceber, há um milhão e meio de pessoas que podem ter morrido por falta de estruturas sanitárias.”

Sophie Claudet, euronews:
“Ou seja, estamos a falar de um total de dois milhões de mortos no total.”

Raphael Pitti, médico francês:
“Exatamente.”

Sophie Claudet, euronews:
“A última vez que esteve na Síria foi há quatro meses, mas está todos os dias em contacto com os seus colegas no terreno, com os seus colegas que estão em Ghouta. Quais são as últimas novidades que tem deles que pode partilhar connosco?”

Raphael Pitti, médico francês:
“Ghouta está cercada desde 2013, há nove meses que está totalmente fechada. Nessa altura já havia muitos casos de desnutrição. Agora que os bombardeamentos decorrem há mais de um mês, com todo o timpo de armas convencionais que se conhecem, mas também com napalm, bombas de fragmentação ou mísseis. É uma constante, acontece todos os dias e juntamos a isto, de vez em quando a utilização de cloro, num mês houve seis ataques com cloro. Por isso, hoje em Ghouta as pessoas estão são como ratos fechados em caves e, por vezes, são tantos nas caves que há quem tente sair para dormir ao ar livre, na esperança de não ser atingido pelos bombardeamentos.”

Sophie Claudet, euronews:
“Será correto dizer que neste conflito os civis estão encurralados entre as forças do governo e os rebeldes e são vítimas dos dois lados?”

Raphael Pitti, médico francês:
“Sim, isso é verdade para toda a população.”

Sophie Claudet, euronews:
“Alguma vez foi testemunha de atrocidades cometidas pelos rebeldes? Falasse de arma químicas que terão sido utilizadas pelos rebeldes”.

Raphael Pitti, médico francês:
“Claro que os rebeldes também usaram certas armas químicas. A população síria está afastada da revolução que esperava, da liberdade, agora é refem entre os diferentes grupos e é a quem está a pagar o preço mais elevado”.

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