Setor científico reclama da falta de verificação imparcial do resultado dos testes e da ausência de dados, mas enaltece progresso anunciado pelo consórcio Pfizer-BioNTech
O anúncio da descoberta de uma vacina contra a Covid-19 com mais de 90% de eficácia experimental está a animar um mundo refém de uma agressiva segunda vaga da pandemia, mas há ainda uma nuvem de dúvidas no setor científico.
Falta, por exemplo, informação sobre a eficácia do medicamento em certos grupos, como os idosos, a duração da proteção e os eventuais efeitos secundários da vacina batizada como BNT162b2 pela farmacêutica norte-americana Pfizer e o laboratório alemão BioNTEch, o consórcio responsável pela descoberta.
O resultado preliminar do projeto foi anunciado tendo por base análises efetuadas em 94 casos confirmados de Covid-19 entre os mais de 43.500 participantes no estudo.
Na fase 3 do estudo clínico, após análise interina conduzida em 8 de novembro por uma equipa externa e independente de monitorização de dados, a vacina mostrou eficácia contra a Covid-19 entre os participantes sem vestígios anteriores de infeção pelo SARS-CoV2.
Elisabet Mahase, do portal de partilha de conhecimentos médicos BMJ, destacou a recetividade otimista da notícia pelo setor, mas sublinhou "a importância de ver os resultados completos e perceber muitos dos detalhes ainda não tornados públicos, incluindo os dados demográficos dos participantes e a severidade dos casos reportados no ensaio".
"O conjunto completo de dados em que se baseia o anúncio ainda não foi divulgado e por isso não sabemos exatamente o que foi encontrado. As duas empresas estão a esforçar-se para demonstrar que os participantes no ensaio são etnicamente diversos, o que é bom, mas não dizem nada sobre a idade das pessoas em teste", acrescentando no mesmo BMJ a professora de imunologia e doenças infecciosas Eleanor Riley, da universidade de Edimburgo.
Diversos cientistas reagiram ao anúncio com alguma cautela e sublinharam a falta de dados e de validação imparcial, normalmente recebida através da publicação em jornais especializados do setor médico.
Ainda assim, o professor Andrew Preston, da Universidade de Bath, nos Estados Unidos, admite ser esta descoberta "sem dúvida um grande passo no caminho de regresso da nossa vida ao normal, seja lá o que isso venha a ser".
"Mas estamos ainda longe de podermos pôr de lado as máscaras", avisou o especialista em patogenicidade microbiana.
Paul Duprex, diretor do Centro de Estudo de Vacinas da Universidade de Pittsburgh, também nos Estados Unidos, sublinha que esta descoberta da Pfizer e da BioNTech não significa uma cura para a Covid nem que esta seja a melhor vacina nem a garantia de imunidade durante anos.
"O que sabemos a partir desta pequena análise divulgada é que começámos agora a ver progresso no uso de uma candidata a vacina", refere Duprex.
Allan Cheng, diretor de Saúde do estado de Victoria, na Austrália, citado pelo jornal The Guardian, salienta que a "Pfizer disse ter analisado 94 casos de Covid como parte deste estudo, mas não revelou as caraterísticas desses casos nem a que grupo de estudo pertencem".
"Há sempre muitas críticas à ciência divulgada em comunicados de imprensa porque precisamos de saber muito mais sobre as descobertas do que um comunicado de imprensa nos pode dar", acrescentou.
Também a presidente do Grupo de Consultoria de Controlo de Infeções da Austrália, citada pelo mesmo jornal, reclama mais dados.
Os mercados económicos reagiram por todo o mundo com entusiasmo à descoberta e à possibilidade de um regresso mais rápido das pessoas e das empresas à vida e ao consumo normal.
As empresas responsáveis pela vacina, a Pfizer e a BioNTech, esperam ter informação suficiente para propor na terceira semana de novembro a vacina à apreciação do regulador norte-americano, a Administração de Alimentação e Medicamentos, a FDA.
Se tudo correr bem com a validação pela FDA, o consórcio espera ter vacinas suficientes para 25 milhões de pessoas até final do ano e para mais de 600 milhões de pessoas no próximo ano, tendo por base que cada indivíduo precisa de duas doses e que o medicamento necessita ser conservado a temperaturas de menos de 70 graus Celsius.
A prioridade para receber a vacina serão os profissionais de saúde e os grupos de risco.
Além da candidata a vacina desenvolvida pela dupla Pfizer-BioNTech, também a biotecnológica americana Moderna espera conseguir pedir nas próximas semanas à FDA a autorização para comercializar outra candidata a vacina contra a Covid-19.