O escultor estava internado no Hospital Pulido Valente, em Lisboa, com problemas respiratórios
João Cutileiro morreu hoje, aos 83 anos. Foi um dos nomes mais importantes e consagrados da arte portuguesa do séc.XX. Em declarações à agência Lusa, a diretora regional de cultura do Alentejo disse que o escultor e ceramista português estava internado no hospital com graves problemas respiratórios.
Carreira polémica
João Cutileiro cortou cedo com o academismo do Estado Novo, criando uma obra que dividiu opiniões, marcada pela polémica e pela voluptuosidade dos corpos rasgados em pedra. Dos vários temas desenvolvidos por Cutileiro, o dos corpos femininos foi um dos mais marcantes.
Em 1990, a Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe uma exposição antológica, e, desde então, sucederam-se várias mostras individuais, em Portugal e no estrangeiro.
O artista, que recebeu em 2018 a medalha de Mérito Cultural, detentor de doutoramentos Honoris Causa pelas universidades de Évora e de Lisboa, assinou duas das obras mais polémicas das últimas décadas em Portugal: a estátua de "D. Sebastião", em Lagos, e o monumento ao 25 de Abril, no Parque Eduardo VII, na capital portuguesa, sobre o qual negou sempre uma intenção fálica.
Em 2018, assinou com o Ministério da Cultura, o município de Évora e a Universidade desta cidade alentejana, um protocolo de doação do espólio e casa-atelier do artista, com a tutela a assumir a responsabilidade de dinamizar uma programação cultural e académica, com residências artísticas, exposições e formação na área da escultura em pedra.
Primeira exposição aos catorze anos
Nascido a 26 de junho de 1937, em Lisboa, numa família antifascista, da média burguesia, João Pires Cutileiro viajou constantemente durante a infância e adolescência, devido à profissão do pai, José Cutileiro, médico da Organização Mundial de Saúde.
Com apenas nove anos, em 1946, entrou no atelier do artista plástico, ator e escritor António Pedro que o convidou para aí desenhar. É neste local, durante dois anos, que contacta com artistas, escultores e críticos, interessados no Surrealismo.
Seguiu-se, nos anos de 1949 a 1951, a frequência do estúdio do pintor e ceramista Jorge Barradas, mudando-se depois para o atelier de António Duarte, onde trabalhou dois anos.
Com apenas 14 anos, em 1951, fez a primeira exposição individual, "Tentativas Plásticas”, em Reguengos de Monsaraz.
De Lisboa para Londres
João Cutileiro frequentou o ensino secundário no Colégio Valsassina, em Lisboa. A faceta antifascista, vinca-se nos anos 1960, quando passou pelo Partido Comunista Português.
Entrou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa mas, ao fim de dois anos, sentiu-se desiludido e frustrado com os constrangimentos do experimentalismo. Concluindo que o problema era a mentalidade portuguesa sob a ditadura, saiu do país. Foi então levado por Paula Rego até à Slade School of Art, em Londres, onde a artista portuguesa também estudava.
Concluído o curso, Cutileiro permaneceu em Londres, onde se casou. Ao longo da década de 1960, fez diversas exposições em Lisboa e no Porto.
Regresso a Portugal
Regressou a Portugal em 1970, fixando-se primeiro em Lagos, no Algarve, onde permaneceu por mais quinze anos, e depois em Évora.
Em 1971 o escultor conquistou uma menção honrosa no Prémio Soquil, em Lisboa. As exposições, coletivas e individuais, da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, a Dortmund, na Alemanha, multiplicaram-se, consagrando o seu nome, em Portugal e além-fronteiras.
João Cutileiro foi condecorado como Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1983. Receberia ainda o doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora e pela Universidade Nova de Lisboa.
Quando atribuiu a Medalha de Mérito Cultural, o Ministério da Cultura destacou o escultor como "indiscutivelmente, um dos mais singulares artistas portugueses do século XX". "Excessivo, festivo, generoso, o seu trabalho marcou decisivamente a paisagem artística e cultural em Portugal a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960", concluiu o ministério.
João Cutileiro era irmão do diplomata e escritor José Cutileiro, que morreu em maio de 2020.
Reações à morte de João Cutileiro
O artista plástico José Pedro Croft lamentou a morte de “um grande amigo e um mestre”, que conheceu aos 20 anos e com quem trabalhou. Em declarações à Lusa, considerou que Cutileiro foi “uma referência” para o seu trabalho e para a sua vida “na ética e como modelo, de enorme talento e enorme coragem de ser artista num país que também não é fácil”.
O presidente da Assembleia da República considerou ue João Cutileiro foi um dos nomes maiores da escultura portuguesa e que, com a sua morte, Portugal perdeu uma das suas grandes referências artísticas. Para **Ferro Rodrigues, **Cutileiro pertencia a uma geração de artistas que através da escultura, "ajudara a revisitar a identidade portuguesa".
A direção da Galeria Monumental, espaço em Lisboa que divulga a arte contemporânea desde 1986, A lamentou a morte do escultor, considerando-a "uma perda para todos, para Portugal", e "uma mágoa particular" para a galeria.