Alexander de Croo: "Precisamos de garantir que as pessoas não estão a sofrer muito"

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De passagem pelo Fórum Económico Mundial, o primeiro-ministro belga falou com a Euronews sobre o que pensa da adesão da Ucrânia à União Europeia, numa altura em que todos os europeus começam a sentir os efeitos da crise gerada pela guerra.

Líderes políticos e do mundo dos negócios voltaram a reunir-se em Davos, esta semana, para participarem no Fórum Económico Mundial. Em quase todos os debates, a guerra na Ucrânia foi o tema dominante. De passagem pelo evento anual, o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, partilhou com a Euronews o que pensa sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia e como vê a atuação dos países europeus em relação à Rússia e à crise económica gerada pela guerra.

Somos favoráveis a um sexto pacote de sanções. Mas ouçamos todos. Todos estão a apontar o dedo à Hungria, mas não é só a Hungria que tem dificuldades com o embargo total do petróleo
Alexander de Croo
Primeiro-ministro da Bélgica

Jack Parrock, Euronews: Falou aqui nestes eventos especificamente sobre defesa. Mais concretamente sobre cooperação em matéria de defesa, a necessidade de não haver duplicação entre aliados e as despesas. O seu país não está a cumprir a meta de 2% do PIB anual que a NATO exige. Tem um plano para lá chegar até 2035. Mas no contexto desta invasão, porque é que isso não pode acontecer mais rapidamente?

Alexender de Croo: Estamos definitivamente preparados para fazer a nossa parte. Para se fazer parte da NATO, a solidariedade é um elemento importante para se estar sob a proteção da NATO e todos têm de fazer a sua parte. E nós também faremos. Mas para mim, há uma questão de quanto se gasta, e há também uma questão de como se gasta. 

Quais são as dificuldades que vemos hoje em dia como países europeus? É que gastamos dinheiro, mas ele está incrivelmente fragmentado. Os nossos sistemas de armamento são muito diferentes. É muito difícil interoperar. Compramos equipamento e pagamos demasiado, porque não uniformizamos. O segundo elemento é que os retornos económico e industrial são demasiado baixos. Se quisermos gastar mais, prefiro também ter os programas industriais das empresas europeias para que desenvolvamos tecnologia e para que desenvolvamos também tecnologia que possamos usar fora do mundo da segurança. O terceiro elemento é ter mais retorno social. Se o fizermos, quero que os investimentos em ciber-segurança sejam para benefício de todos. Quero que o trabalho dos serviços secretos ajude a proteger as nossas políticas industriais.

J.P.: A guerra na Ucrânia deu origem a sanções, as sanções europeias contra a Rússia. Estamos num momento um pouco difícil neste momento com a sexta ronda, que inclui um embargo petrolífero. Toda a gente culpa a Hungria por tê-la bloqueado. Mas há outros países da União Europeia que estão a falar sobre isto. Temos a cimeira europeia a aproximar-se. Qual é a sua posição sobre o assunto?

A.C.: Somos favoráveis a um sexto pacote de sanções. Mas ouçamos todos. Todos estão a apontar o dedo à Hungria, mas não é só a Hungria que tem dificuldades com o embargo total do petróleo. Alguns países estão bloqueados geograficamente e vão ter dificuldades em ter acesso à gasolina para os carros e por aí adiante. Se aceitarmos sanções, o princípio básico tem de ser sempre o de afetar o outro lado e temos de mitigar o impacto do nosso lado tanto quanto possível.

J.P.: Acha que é possível ter sucesso nas próximas semanas?

A.C.: Sim, penso que é possível termos sucesso, mas precisamos de ter respostas para as preocupações, que penso serem preocupações legítimas. E estas preocupações não são apenas da Hungria, são preocupações de todos os cidadãos europeus. Uma política externa só pode sobreviver se a classe média ainda for capaz de a defender. Quer dizer, ter a adesão da nossa população é importante, porque receio estarmos a atravessar um longo período de instabilidade e precisamos de garantir que as pessoas não estão a sofrer muito.

O processo de adesão é longo e há uma razão pela qual é um longo processo. Isso deve-se ao facto de termos desenvolvido um vasto conjunto de regras na Europa. Se alguém adere à União Europeia, tem de estar preparado. O que a Ucrânia precisa hoje em dia é de apoio. Nós estamos a dar-lhe apoio
Alexander de Croo
Primeiro-ministro da Bélgica

J.P.: Mencionou a instabilidade para a classe média, mas o seu país, a Bélgica, tem a taxa fiscal mais elevada de todos os 38 países da OCDE.

A.C.: Não é exatamente verdade. Há outros países com taxas de impostos elevadas, mas somos um Estado social com um sistema de saúde muito bom entre outras coisas. Portanto, sim, estamos no lado mais elevado dos impostos, mas as pessoas recebem muito em troca.

J.P.: Gostaria de reduzi-los? De colocar isso num plano?

A.C.: A raiz do problema hoje em dia é que nos mercados da energia e especialmente no mercado do gás, os preços não refletem a realidade. Os preços que vemos não se baseiam no facto de que existe uma escassez no fornecimento de gás. O fornecimento de gás é o mesmo que antes. Alguns países foram cortados, mas estão a lidar com isso. Se virmos que o mercado não está a funcionar, - e isto está a ter repercussões em todo o lado - acredito no mercado livre. Sou um liberal. Mas se o mercado livre não está a funcionar, o mercado não está a servir o seu propósito, é preciso intervir. Esta é uma questão que tenho vindo a referir ao longo das últimas semanas e vejo que cada vez mais países se apercebem de que todos nós estamos a arruinar as nossas finanças públicas e a tentar apoiar a nossa classe média.

J.P.: De regresso à Ucrânia, a cimeira europeia vai ser dominada por essa discussão e também está a analisar a candidatura da Ucrânia para se tornar num candidato da União Europeia. Quão favorável é à adesão e quão rápido ela pode acontecer?

A.C.: O processo de adesão é longo e há uma razão pela qual é um longo processo. Isso deve-se ao facto de termos desenvolvido um vasto conjunto de regras na Europa. Se alguém adere à União Europeia, tem de estar preparado. O que a Ucrânia precisa hoje em dia é de apoio. Nós estamos a dar-lhe apoio. Quando a guerra terminar - e esperamos sempre o melhor, claro - vamos apoiar a reconstrução da Ucrânia. E a reconstrução da Ucrânia será feita numa vertente material, mas também imaterial. Tem de construir instituições. Tem de garantir o Estado de direito, combater a corrupção. Mas para mim isso é algo à parte do processo de adesão. Um não exclui o outro, mas o processo de adesão é longo.

A dívida comum funciona para investimento. Nunca devemos usá-la para despesas correntes. Isso seria errado. Será que precisamos de a usar para a Ucrânia? Permita-me pôr as coisas nesses termos: para mim, não está excluído fazê-lo, mas penso que é demasiado cedo para tomar uma posição sobre o assunto.
Alexander de Croo
Primeiro-ministro da Bélgica

J.P.: Mencionou a reconstrução que a Comissão Europeia acaba de anunciar para ajudar a reconstruir uma Ucrânia pós-guerra. Sei que agora parece estarmos muito longe disso. Uma das sugestões é levantar a dívida comum europeia, tal como foi feito para o Fundo de Recuperação Pandémica. Quão favorável é em relação ao uso dessa dívida comum, a um novo acesso a esse mecanismo?

A.C.: É interessante como o instrumento da dívida comum, que digamos que há um ano estava completamente fora da mesa, era algo que não podia ser discutido,foi finalmente usado e assim que se derrubaram os obstáculos, todos vêem que é algo útil. A dívida comum foi útil para o nosso esforço. Ainda temos muitas coisas que podemos fazer. Mas que instrumento usamos para a reconstrução da Ucrânia? Honestamente, para mim, desde que seja investimento… a dívida comum funciona para investimento. Nunca devemos usá-la para despesas correntes. Isso seria errado. Será que precisamos de a usar para a Ucrânia? Permita-me pôr as coisas nesses termos: para mim, não está excluído fazê-lo, mas penso que é demasiado cedo para tomar uma posição sobre o assunto.

J.P.: Quão isolada acha que está a Rússia? E acha que isso será positivo a longo prazo?

A.C.: Está muito isolada. E o oposto do isolamento que a Rússia tem é a Ucrânia. Está em todo o lado, a Ucrânia está presente em qualquer discussão ou é uma parte das discussões. Isso mostra que uma é política antiga e a outra é política nova. E o que a Ucrânia está a fazer é jogar em algo a que se pode chamar poder sedutor. Isto é, eles estão a seduzir o mundo com a história, com aquilo que defendem. Penso que é uma forma muito inteligente de construir uma coligação em torno da causa que defendem.

J.P.: Sente entre os 27 líderes do Conselho Europeu que os governos estão a começar a ceder?

A.C.: Não, não me parece. Penso que a unidade que demonstrámos foi uma unidade alcançada, porque nos ouvimos uns aos outros. Não vejo que a nossa capacidade de construir unidade se possa evaporar. É apenas algo que temos de ter em conta, e isso significa que vamos ter de trabalhar um pouco mais. Mas estou convencido de que essa unidade é a mensagem que enviamos à Rússia. E estou bastante convencido de que seremos capazes de manter essa unidade.

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