Como a Polónia se tornou na nova protagonista da NATO

Stoltenberg e Duda na sede da NATO, a 15 de fevereiro
Stoltenberg e Duda na sede da NATO, a 15 de fevereiro Direitos de autor KENZO TRIBOUILLARD/AFP
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De  Nuno Prudêncio
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Uma nova base da Aliança Atlântica e mais do dobro dos gastos militares dos parceiros colocam Varsóvia na linha da frente perante Moscovo

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Duas visitas em menos de um ano. A Polónia é o único destino anunciado nesta viagem de quatro dias de Joe Biden, o que mostra o quanto está em jogo ou o país não tivesse passado para a linha da frente da Aliança Atlântica.

Em junho, Washington anunciava a criação de uma base permanente da NATO em solo polaco, um novo teatro de operações não muito longe do território russo. Na semana passada, o presidente da Polónia, Andrzej Duda, foi a Bruxelas dizer ao secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, que Varsóvia tem grandes expetativas sobre o novo papel militar que vai assumir. Até porque pretende aumentar os gastos militares este ano para 4% do PIB, o dobro da meta, pelo menos, que outros parceiros ambicionam.

[A Polónia] está a tornar-se naquilo que a Alemanha Ocidental foi durante a Guerra Fria
Michal Baranowski
Diretor do German Marshall Fund - East

"A NATO uniu-se de uma forma incrível. Os países estão do lado da Ucrânia. Todos estão empenhados em garantir que a dissuasão funciona, que temos forças na parte leste da Aliança para que a Rússia não se sinta tentada a fazer nenhum ataque", sublinha Kurt Volker, do Centre for European Policy Studies.

Os planos do Pentágono nesta parte da Europa são um conhecido foco de inquietação no Kremlin. Se antes, a Polónia era uma barreira no caminho para o Ocidente, as coisas mudaram radicalmente no final do século 20, sobretudo com a adesão à NATO, em 1999.

Moscovo invoca constantemente o chamado Ato Fundador, que Boris Ieltsin e Javier Solana firmaram em Paris, em maio de 1997. O então presidente russo declarava que esse acordo colocava velhos inimigos "do mesmo lado", travando uma eventual expansão bélica que ameaçasse uma das partes. Só que as coisas mudaram.

"É um acordo que a Rússia muito claramente violou ao atacar a Ucrânia, ao mudar as suas fronteiras. Por isso, já não tem validade no seio da Aliança. Os Estados Unidos vão, de facto, colocar uma base permanente em solo polaco. [A Polónia] está a tornar-se naquilo que a Alemanha Ocidental foi durante a Guerra Fria", salienta Michal Baranowski, diretor do German Marshall Fund - East.

Uma nova cortina de segurança do Báltico ao Mar Negro

O presidente norte-americano já não dispõe do mesmo apoio em casa em matéria militar. Em maio passado, 60% da população aprovava o envio de armas para Kiev, agora esse número baixou para os 48%, dizem as últimas sondagens. No total, 38% dos norte-americanos não concordam com o envio de fundos, apenas 37% estão a favor.

É uma visita destinada a celebrar a unidade que a Aliança evidenciou durante o último ano
Charles Kupchan
Membro do Council on Foreign Relations

"Devíamos olhar para esta como uma viagem à Polónia e Ucrânia", considera Baranowski. Na sequência do avanço das tropas russas na Ucrânia, os Aliados reforçaram os batalhões já estacionados na Polónia, Estónia, Lituânia e Letónia, e criaram novos contingentes na Bulgária, Hungria, Roménia e Eslováquia. Uma nova cortina de segurança do Báltico ao Mar Negro, portanto. Todos estes países, juntando a Chéquia, compõem o Bucareste Nove, membros da NATO particularmente expostos à proximidade geográfica da Rússia e com cujos líderes Biden tem encontro marcado nesta visita. Uma nova unidade de que o presidente norte-americano necessita.

WOJTEK RADWANSKI/AFP
Soldados polacos e ucranianos em treino num tanque Leopard 2WOJTEK RADWANSKI/AFP

"É uma visita destinada a celebrar a unidade que a Aliança evidenciou durante o último ano, o sucesso da ajuda na defesa da Ucrânia, e também para programar a agenda dos próximos meses, e a importância de prosseguir esta unidade dos dois lados do Atlântico e dentro da Europa", diz Charles Kupchan, antigo conselheiro de Obama e Clinton e membro do Council on Foreign Relations.

Porque a Polónia está longe do seu potencial

Depois temos as relações bilaterais, entre Washington e aquele que é um dos maiores países da Europa. Varsóvia pretende atribuir a uma empresa norte-americana a construção da sua primeira central nuclear.

A Polónia é igualmente um dos maiores desafios para Bruxelas. A Comissão Europeia denuncia atropelos constantes ao Estado de Direito. Liberdade de imprensa, direitos LGBT, direitos das mulheres - são vários os capítulos em causa. 

Para Baranowski, embora não seja a prioridade, Biden vem também "enfatizar a importância dos valores. Apesar do crescimento do peso militar da Polónia, a imagem democrática está comprometida. E é por isso que o país não atinge todo o potencial na Aliança e, talvez mais importante ainda, na Europa". 

Apesar do imenso apoio que Varsóvia tem dado à Ucrânia - já recebeu 1,5 milhão de refugiados, organiza corredores de ajuda e conduz formações militares, incluindo sobre os famosos tanques Leopard 2, por exemplo -, Bruxelas decidiu a semana passada levar o país ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

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