"Putin e Lukashenko querem a velha Cortina de Ferro entre a Bielorrússia e a Europa", disse um político à Euronews, alertando para a necessidade de impor restrições aos cidadãos bielorrussos.
Os amigos da Bielorrússia podem estar a tornar-se inimigos na Lituânia.
Tal como a vizinha Polónia, o pequeno Estado Báltico acolheu dezenas de milhares de exilados bielorrussos desde que Minsk reprimiu, violentamente, um movimento de protesto de 2020.
Mas a guerra da Rússia na Ucrânia mudou tudo.
Aumentou o receio de alguns cidadãos da Bielorrússia, um firme aliado da Rússia, poderem representar um risco de segurança para a Lituânia, levando as autoridades do país a considerar a proibição de vistos e autorizações de residência para os bielorrussos.
A juntar a isto está a chegada à Bielorrússia, em julho, de milhares de mercenários russos do grupo paramilitar Wagner.
"Compreendemos os riscos de segurança que o regime do [Presidente bielorrusso Alexander] Lukashenko coloca de uma possível infiltração de agentes na Polónia e na Lituânia e não há aqui uma solução simples. Mas também sabemos que a política de proibições generalizadas não funciona", disse Franak Viačorka, um político da oposição bielorrussa, à Euronews.
"Os serviços secretos da Rússia e de Lukashenko vão encontrar outra forma de o fazer."
Viačorka teme também as "consequências simbólicas" que uma eventual repressão possa ter, ajudando potencialmente os detentores do poder em Moscovo e Minsk.
"Putin e Lukashenko querem a velha Cortina de Ferro entre a Bielorrússia e a Europa (...) porque isso ajudará a fixar o controlo russo sobre a Bielorrússia. Querem isolar os bielorrussos, deixando-os sem ligações ao mundo exterior."
"Assim, o regime pode cometer atrocidades com impunidade. As pessoas ficarão sozinhas contra o seu terror."
O deputado bielorrusso afirmou que os canais de televisão de "propaganda" na Bielorrússia já se aperceberam das possíveis restrições impostas pela Lituânia aos cidadãos bielorrussos, considerando-as "exatamente" o que o regime pretende.
Entre 2020 e 2021, as forças de segurança bielorrussas esmagaram grandes protestos contra o governo, desencadeados pela reeleição de Lukashenko, que foi amplamente considerada fraudulenta.
Mais de 35 mil pessoas foram detidas arbitrariamente durante esse período, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Muitas delas foram vítimas de violência, ameaças, maus tratos e condições de detenção desumanas.
Desde então, as autoridades bielorrussas intensificaram as campanhas de difamação e os processos judiciais contra ativistas políticos e cívicos, jornalistas e defensores dos direitos humanos com base em acusações forjadas, de acordo com um relatório da Human Rights Watch.
No entanto, os exilados bielorrussos - cerca de 58 mil na Lituânia, de acordo com dados citados pela AP - tornaram-se uma questão cada vez mais espinhosa, à medida que as relações entre Vilnius e a Bielorrússia se deterioraram.
Não só Minsk tem canalizado migrantes irregulares para a Lituânia e para a Polónia, o que alguns classificam como uma forma de guerra híbrida, como Vilnius também considera a Rússia e a Bielorrússia igualmente responsáveis pela invasão da Ucrânia.
As preocupações com a segurança aumentaram inevitavelmente. Fazendo fronteira com o enclave russo de Kalininegrado, a Lituânia já fez parte da URSS e sente-se agora ameaçada por uma Rússia revisionista, apoiada pela Bielorrússia.
Em março, o parlamento lituano apresentou um projeto de lei que proibia os cidadãos bielorrussos e russos de obterem a cidadania lituana, de possuírem propriedades, de pedirem vistos ou de prolongarem as suas autorizações de residência.
O projeto acabou por ser diluído, com a supressão de disposições mais controversas, mas agora os legisladores podem voltar a considerar a possibilidade de impor a proibição de vistos e de autorizações de residência aos bielorrussos. A votação está prevista para setembro.
"Estaremos gratos à Lituânia, aconteça o que acontecer", disse o político da oposição Viačorka.
"Vemos a Lituânia como um dos países mais próximos de nós. [Políticas mais restritivas] poderiam prejudicar todas as coisas boas que o país tem feito ao longo dos anos para os bielorrussos. É importante não estragar todo esse capital de relações que construímos com decisões rápidas."
"Prisioneiros na Bielorrússia"
Embora reconheça "alguma ameaça", o deputado trabalhista lituano Andrius Mazuronis afirma que a imposição de restrições aos bielorrussos iria "criar enormes problemas."
O regime na Bielorrússia vai mudar e as pessoas com mentalidade ocidental vão poder regressar e recriar o seu país como um Estado normal e orientado para a Europa", acrescentou.
"É por isso que precisamos de acolher estas pessoas a médio e longo prazo."
E não é só a oposição bielorrussa que beneficia.
A Lituânia tem sentido um impacto "positivo", com os profissionais bielorrussos a desempenharem um papel importante nos setores tecnológicos e informáticos em expansão no país, além de muitas empresas se terem deslocalizado da Bielorrússia, segundo Mazuronis.
"Os bielorrussos estabeleceram-se aqui e integraram-se na nossa sociedade", disse à Euronews. "Se fechássemos a fronteira, penso que a nossa economia enfrentaria sérios desafios."
O controlo cuidadoso dos antecedentes pelos serviços de migração e de informação da Lituânia poderia mitigar muitos problemas de segurança, disse Mazuronis, sugerindo que os legisladores deveriam torná-los mais fortes e profundos.
O deputado sublinhou que foi recusada a entrada a cerca de mil cidadãos bielorrussos por razões de segurança, o que demonstra que o Departamento de Migração está a fazer um trabalho "importante e impressionante."
No entanto, Mazuronis deixou uma nota de cautela, entre os receios de que os mercenários bielorrussos do grupo paramilitar Wagner possam encenar uma provocação nas fronteiras da NATO.
"A sociedade sente-se ameaçada porque ainda se lembra da rapidez com que as coisas podem evoluir. Vimos isso com a Ucrânia. As autoridades lituanas falaram sobre isso [a ameaça da Rússia] durante muitos anos - infelizmente, ninguém nas capitais ocidentais estava a ouvir", disse.
As autoridades enviaram recentemente questionários a russos e bielorrussos que vivem na Lituânia com o objetivo de provar a sua lealdade, fazendo perguntas sobre a quem pertence legitimamente a Crimeia e as suas opiniões sobre a guerra.
Para Viačorka, essas políticas equipararam erradamente os dois.
"Os bielorrussos não são russos", disse à Euronews. "Isto está a ajudar a propaganda de Lukashenko: Eles querem que os bielorrussos sejam vistos da mesma forma que a Rússia."
"Simplesmente não é verdade."
As sondagens realizadas pelo sociólogo bielorrusso independente Andrei Vardomatsky revelaram que apenas 11% dos seus compatriotas são a favor da participação da Bielorrússia nos combates na Ucrânia, enquanto na Rússia as atitudes em relação à guerra são mais incertas.
Entretanto, dois terços dos inquiridos são contra a utilização pela Rússia da Bielorrússia como ponto de paragem para atacar a Ucrânia.
"O mais importante, do meu ponto de vista, é o objetivo do encerramento da fronteira."
Embora admita que esta medida possa enviar uma mensagem política aos regimes bielorrusso e russo, o deputado trabalhista duvida que possa melhorar a situação de segurança da Lituânia ou diminuir a possível ameaça vinda de Moscovo.
O deputado do Partido Trabalhista também invocou a história: "não devemos esquecer que, após a Segunda Guerra Mundial, milhares de lituanos fugiram do regime soviético. As pessoas fugiram desesperadamente. Mas foram capazes de regressar e construir o nosso país a partir do zero."
"Estou certo de que muitos bielorrussos estão dispostos a fazer exatamente o mesmo", acrescentou.