Giorgia Meloni: Um ano ao leme de Itália

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De  Ilaria Federico
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Artigo publicado originalmente em francês

A Euronews perguntou aos especialistas como avaliavam o primeiro ano do governo de Giorgia Meloni, centrando-se em três temas fundamentais.

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Em 22 de outubro de 2022, tomou posse, em Roma, o governo italiano mais à direita e eurocético desde 1946. A vitória do partido de Giorgia Meloni, nas eleições italianas, suscitou preocupações entre as democracias europeias.

Um ano depois, que balanço se pode fazer da política da primeira-ministra italiana? Terá Meloni conseguido apagar a imagem de neofascista, sobretudo no estrangeiro?

Entre o neofascismo e o populismo

"Sou aquilo a que os britânicos chamariam uma 'outsider', por assim dizer, o 'underdog', aquele que, para ter sucesso, tem de ir contra todas as probabilidades. É isso que tenciono voltar a fazer (...)". Foi assim que Giorgia Meloni se descreveu perante o Parlamento italiano quando apresentou o seu programa a 25 de outubro de 2022.

"De um ponto de vista factual, a ideia de que Giorgia Meloni é uma 'underdog' e que é humilde, é falsa", afirmava à Euronews Gianfranco Pellegrino, professor de filosofia política na Universidade Luiss, de Roma. "_Giorgia Meloni está na política há mais de vinte anos. Não é uma novata._Do ponto de vista financeiro, Giorgia Meloni não é certamente uma proletária, porque o seu nível de vida é muito elevado", explicava este perito. 

(...) Mesmo a palavra "underdog" e a imagem que ela (Meloni) evoca é uma tentativa retórica baseada em verdadeiras mentiras propagandísticas. Apresentar-se com,o particularmente, próxima do povo é uma técnica retórica, tipicamente populista.
Gianfranco Pellegrino
Professor de filosofia política na Universidade Luiss

De acordo com o mesmo perito, Giorgia Meloni não conseguiu mostrar a sua proximidade com o povo ou dissociar-se da imagem neofascista que a segue: "Houve, certamente, uma tentativa de se distanciar do rótulo de neofascista. No entanto, esta tentativa parece-me ter sido apenas, parcialmente, bem sucedida".

No entanto, de acordo com as sondagens, se os italianos fossem chamados a votar hoje não haveria grandes alterações. O apoio ao partido no governo caiu apenas, ligeiramente. 

Revisão da política de migração

"Queremos fazer da segurança um traço distintivo deste governo", declarava a primeira-ministra no dia da sua vitória eleitoral, "e pôr fim às partidas ilegais, acabando finalmente com o tráfico de seres humanos no Mediterrâneo".

Maurizio Ambrosini, professor de sociologia das migrações na Universidade de Milão, explicava que "p_regar a hostilidade contra os imigrantes não é tão complicado como revalorizar as pensões ou aumentar os rendimentos_". 

O governo de Melonitinha manifestado a intenção de criar um "bloqueio naval" para travar a chegada de migrantes à costa italiana,um ponto-chave do programa político de Matteo Salvini, líder da Liga. Este bloqueio teria voltado à proposta inicial da missão naval "Sophia", da União Europeia, planeada mas nunca implementada, que previa, especificamente, o bloqueio à partida de barcos do Norte de África.

Para Maurizio Ambrosini, _"_esta parece ser uma medida impraticável, ou com custos que teriam de ser seriamente considerados", até porque poderia resultar em "fazer guerra" contra os "nossos vizinhos do Norte de África".

A própria Meloni disse, recentemente, que no que diz respeito à política de migração, "os resultados ainda não são os esperados".

Há dois meses, depois de ter trabalhado ativamente nesta questão, Meloni anunciava a assinatura de um pacto com a Tunísia. Ao seu lado estavam o Presidente tunisino, Kaïs Saïed; a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen e o ainda Primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte. Bruxelas comprometeu-se a pagar à Tunísia 900 milhões de euros )105 milhões de euros para o controlo das fronteiras), em troca do compromisso do país de travar a chegada de migrantes. 

"No entanto, parece que estes acordos estão a ter dificuldade em tornar-se operacionais", concluia Maurizio Ambrosini. "O problema é que uma grande parte das pessoas que partem são cidadãos tunisinos e, em geral, os governos dos países vizinhos ou costeiros estão mais dispostos a colaborar quando se trata de travar a mobilidade de outro país, mas não a dos seus próprios cidadãos", acrescentava.

De acordo com dados do Ministério do Interior italiano, até 19 de outubro de 2023 140 898 migrantes tinham desembarcado nas costas italianas, quase o dobro do registado em 2022.

No Conselho de Ministros da Administração Interna da UE, realizado no Luxemburgo a 8 de junho, os 27 Estados-membros chegaram a acordo sobre imigração, para substituir o Regulamento Dublin III, introduzindo quotas para a recolocação de migrantes nos vários Estados europeus. 

Mas, para Maurizio Ambrosini nem "esta estratégia (...) está a funcionar, porque são, precisamente, os parceiros orientais de Itália (Hungria e Polónia), e os que são politicamente aliados das forças no poder" neste país, "que não estão a cooperar e estão a criar obstruções a estes acordos de relocalização, de todas as formas possíveis".

De acordo com o especialista, a política migratória de Meloni é, extremamente, ambígua: "O acolhimento generoso dado aos ucranianos é um caso extraordinário de ambiguidade em matéria de imigração e asilo, já que os refugiados de certas guerras - Afeganistão, Síria, outros países do hemisfério sul, África - não são bem-vindos, não gostamos deles e não suscitam movimentos de solidariedade. Mas gostamos dos ucranianos", concluia este especialista. Maurizio Ambrosini acrescentava que, na realidade, lhe parece_"que este ano foi marcado por retrocessos em termos de respeito pelos Direitos Humanos e de solidariedade"._ Referindo-se também à situação das organizações não-governamentais, "e__stou também a pensar na perseguição às ONG. Penso que o decreto Cutro reduz as possibilidades de obter asilo em Itália", concluia.

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Um ano de desafios para os Direitos Civis

Em março, o Governo Meloni lançou uma luta a favor da família tradicional. Foi emitida uma circular pedindo aos municípios que deixassem de registar os pais não biológicos nas certidões de nascimento de crianças com dois pais ou duas mães. Depois, houve oposição a uma proposta de regulamento europeu sobre o assunto.

Em Itália, as barrigas de aluguer são proibidas. Por isso, muitos casais do mesmo sexo vão ao estrangeiro ter um filho. Quando regressam a Itália, coloca-se a questão de como fazer com que os seus filhos sejam registados e também aqui surgem problemas. Não existe uma lei sobre o reconhecimento da filiação para as famílias do mesmo sexo, o que significa que apenas o progenitor biológico é reconhecido.

Desde há alguns anos, algumas autoridades municipais permitem que os nomes de ambos os progenitores sejam inscritos quando a certidão de nascimento é assinada no Registo Civil, o que funciona como um verdadeiro reconhecimento. Mas a Primeira-Ministro bloqueou esta medida.

"As três medidas mais importantes em termos de Direitos Civis foram o projeto de lei que torna a GPA um delito universal, (...) e as medidas relativas à natalidade incluídas na Lei das Finanças. Estas últimas oferecem incentivos para facilitar o acesso às creches, bem como benefícios económicos, para as mães trabalhadoras com mais de dois filhos", explicava Gianfranco Pellegrino, professor de filosofia política no LUISS, em Roma.

Meloni argumentav que as mulheres com mais de dois filhos dão um contributo para a sociedade. "Existe a ideia de que a família natural, resultante de uma união heterossexual, é a célula básica da sociedade", observava Gianfranco Pellegrino, "e que é correto discriminar as famílias não convencionais, ou seja, as famílias constituídas por casais do mesmo sexo, famílias monoparentais ou pessoas que optam por não ter filhos. Estes indivíduos seriam assim discriminados, sendo considerados menos valiosos pelo Estado".

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Política externa: Os compromissos entre Meloniea Europa

Nos últimos doze meses, a chefe do executivo italiano teve de abandonar o seu antieuropeísmo inicial. À Euronews, Cecilia Sottilotta, professora de Ciências Políticas na Universidade para Estrangeiros de Perugia (Unistrapg) adiantava que o _"_objetivo fundamental era consolidar uma imagem de fiabilidade, diferente da que tinha sido apresentada pelos meios de comunicação social internacionaisA situação pode ser descrita da seguinte forma: a Itália precisa tanto da Europa como a Europa precisa da Itália.Por isso, Meloni teve de encontrar uma forma de trabalhar com as instituições europeias e, vice-versa, as instituições europeias tiveram de fazer um esforço para trabalhar com ela", concluia esta especialista.

Giorgia Meloni sublinhou, repetidamente, a necessidade de apoiar a Ucrânia durante a guerra, apesar de alguns membros do seu governo terem manifestado admiração por Putin, como Matteo Salvini e Silvio Berlusconi.

A posição de Meloni também tem evoluído ao longo do tempo. Depois de Moscovo ter invadido a Crimeia em 2014, opôs-se regularmente às sanções contra a Rússia, argumentando a necessidade de proteger as exportações italianas.

Numa entrevista televisiva em 2022, antes da invasão total da Ucrânia pela Rússia, sublinhou a importância de manter boas relações com Putin.

"No entanto, entre os três partidos de direita, o__Frères d'Italie__é certamente o menos pró-Putin", comentava Cecilia Sottilotta. "Meloni teve de enfrentar alguns momentos difíceis, porque nos lembramos de quando Berlusconi falou, explicitamente, a favor de Putin, defendendo-o e atacando Zelensky. Recordamos a cena de Salvini, com a famosa t-shirt com o rosto de Putin na Praça Vermelha. Em suma, foi claramente embaraçoso. No entanto, dado que o Frères d'Italie era o partido menos exposto, em relação à Rússia, foi relativamente mais fácil para ela distanciar-se".

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A 14 de setembro de 2023, o primeiro-ministro húngaro, o nacionalista Viktor Orban, não escondia a satisfação por ter reencontrado a sua amiga Giorgia Meloni, uma visita regular quando estava na oposição.

Este ano, a Primeira-ministra encontrou-se também três vezes com o seu homólogo polaco, Mateusz Morawiecki.

Cecilia Sottilotta questionava-se sobre se Meloni aspira a "tornar-se uma força de atração para a direita em geral?" e conclui que "É possível. Para percebermos isso, teremos de observar atentamente as próximas eleições europeias".

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