Estão os recursos da União Europeia à altura das suas ambições?

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De  Amandine Hess
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Artigo publicado originalmente em francês

Alguns apelam à reforma das instituições para tornar a União Europeia mais eficiente, mais democrática e mais bem adaptada aos desafios atuais.

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Passaram 15 anos desde a última atualização de um tratado da União Europeia. Assinado em 2007 e com entrada em vigor em 2009, o Tratado de Lisboa clarificou a repartição de competências entre a UE e os Estados-Membros, conferiu à UE personalidade jurídica própria e previu, pela primeira vez, um procedimento formal para a saída de um Estado-Membro da União.

Desde então, o alargamento tem sido uma das razões regularmente invocadas pelos defensores da reforma das instituições, dos tratados e do orçamento da UE, mas está longe de ser a única. A guerra na Ucrânia, a transição digital e energética, a luta contra as alterações climáticas e as desigualdades sociais são desafios globais que exigem da UE uma maior capacidade de ação, segundo a Fundação para os Estudos Europeus Progressistas no seu relatório "Tratados da UE: porque necessitam de alterações específicas".

O alargamento e a reforma interna têm sido pontos regulares na agenda das instituições europeias nos últimos anos. No final de novembro, o Parlamento Europeu deu luz verde às propostas de reforma dos Tratados da UE. Na Cimeira de Granada, no início de outubro, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, apelou também a que o alargamento da UE não esperasse por uma alteração dos Tratados. Os cidadãos também apresentaram recomendações e propostas sobre o futuro da União na Conferência sobre o Futuro da Europa, uma série de debates a realizar entre 2021 e 2022.

Em termos concretos, que propostas de reforma foram apresentadas? Como serão adoptadas? Eis 7 domínios-chave para a reforma:

1. Tomada de decisões e alargamento

Em primeiro lugar, os eurodeputados pedem a alteração dos mecanismos de votação no Conselho. Para evitar que as instituições fiquem paralisadas, os deputados defendem a generalização da votação por maioria qualificada em todos os domínios em que a unanimidade continua a ser exigida.

Atualmente, a maioria qualificada é alcançada quando pelo menos 55% dos Estados-Membros(ou seja, 15 em 27) votam a favor e quando esses Estados-Membros representam pelo menos 65% da população da UE.

Temos de passar à votação por maioria qualificada, caso contrário, ficaremos paralisados. É o caso da ação externa. É o caso da política fiscal. É também o caso da política social.
Maria João Rodrigues
Presidente da Fundação de Estudos Europeus Progressistas

Os eurodeputados apelam também a um sistema mais bicameral que reforce o papel do Parlamento e a uma inversão dos papéis atuais na eleição do Presidente da Comissão: no futuro, o Parlamento teria de propôr o Presidente da Comissão e o Conselho teria de aprovar.

A fim de preparar as instituições da UE para o alargamento, o "Grupo dos Doze", um grupo de trabalho franco-alemão sobre as reformas institucionais, defende a abolição do poder de veto no domínio dos assuntos externos, a manutenção de um número máximo de 751 deputados europeus e o alargamento do formato do trio a cinco presidências no Conselho da UE.

2. Paz e segurança

A guerra na Ucrânia também pôs em evidência "o alcance e os limites do poder da União Europeia", afirma a Fundação para os Estudos Europeus Progressistas no seu relatório. Embora os Estados-Membros tenham aplicado uma série de sanções contra a Rússia e prestado apoio económico, militar e humanitário à Ucrânia, a guerra demonstrou a sua incapacidade de antecipar esta crise, a sua dependência dos Estados Unidos para a sua própria defesa e a sua dependência das importações de gás russo.

Estamos a lidar com um contexto internacional diferente. A Europa deve aumentar a sua capacidade de se defender e apoiar a Ucrânia.
Maria João Rodrigues
Presidente da Fundação de Estudos Europeus Progressistas

Os deputados do Parlamento Europeu propõem, por conseguinte, a criação de uma união de defesa com capacidades militares.

3. Consolidar o Estado de direito

Um dos principais pontos fracos da União Europeia, nos últimos anos, é o facto de não ter sido capaz de proteger o Estado de direito em todos os Estados-Membros.
Daniela Schwarzer
Membro do Conselho de Administração da Fundação Bertelsmann

A defesa do Estado de direito e a legitimidade democrática da UE poderiam ser reforçadas através de reformas institucionais. Para tal, os autores do relatório "Navigating the High Seas: EU Reform and Enlargement in the 21st Century" recomendam o aumento da condicionalidade orçamental e a melhoria do artigo 7.º do Tratado da União Europeia (TUE), que permite suspender o direito de voto de um Estado-Membro no Conselho se este não respeitar valores fundamentais como a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos.

O artigo 7.º foi utilizado pela primeira vez contra a Polónia em 2017 pela Comissão Europeia, quando Varsóvia planeava uma reforma que ameaçava a independência do poder judicial. Em 2018, a Hungria está a ser alvo do mesmo procedimento, na sequência de preocupações com a independência do poder judicial, a liberdade de expressão, a corrupção e os direitos das minorias. O artigo 7.º, que depende de uma votação unânime menos um único voto no Conselho, nunca se concretizou.

"O artigo 7º não funcionou simplesmente porque, se um país for acusado de violar estas regras, basta que outro país bloqueie uma decisão contra ele. A Hungria e a Polónia protegeram-se mutuamente em várias ocasiões nos últimos anos", explica Daniela Schwarzer, membro do Conselho de Administração da Fundação Bertelsmann.

4. Alterações climáticas

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia já faz referência à proteção do ambiente. Os eurodeputados pediram que a redução do aquecimento global e a preservação da biodiversidade fossem acrescentadas aos objetivos da União. A Fundação para os Estudos Progressistas Europeus propõe igualmente a introdução de uma nova competência exclusiva da UE em matéria de política internacional de luta contra as alterações climáticas, o que permitiria à União negociar regras ambientais a uma só voz.

A Europa deve desempenhar um papel fundamental na melhoria da governação mundial face às alterações climáticas.
Maria João Rodrigues
Presidente da Fundação de Estudos Europeus Progressistas

5.Transição energética

O aumento dos preços da energia na sequência da guerra na Ucrânia pôs em evidência a dependência de alguns países europeus em relação ao gás russo.

Os deputados do Parlamento Europeu estão a propor a criação de uma União Europeia da Energia integrada para garantir aos europeus um aprovisionamento energético estável, acessível e sustentável. Esta estratégia assenta em cinco pilares: segurança energética, um mercado interno integrado da energia, eficiência energética, descarbonização da economia e investigação e economia.

Seria muito útil reforçar ainda mais a UE em termos de aprovisionamento energético. Uma plataforma comum de gás é uma ideia muito boa, mas é possível fazer mais.
Daniela Schwarzer
Membro do Conselho de Administração da Fundação Bertelsmann

6. Transição digital

O Tratado de Lisboa não faz qualquer referência ao termo "digital". Por isso, muitos especialistas insistem na necessidade de atualizar o texto.

A União Europeia deve, através da regulamentação e da disponibilização de infraestruturas e plataformas digitais públicas (...) contribuir para a criação de um espaço digital global seguro.
Daniela Schwarzer
Membro do Conselho de Administração da Fundação Bertelsmann

A União Europeia já adoptou textos importantes sobre questões digitais. A Lei dos Mercados Digitais (DMA), por exemplo, estabelece um quadro para a atividade económica das principais plataformas digitais, como o YouTube, o Facebook, a Amazon e a Microsoft, na União Europeia. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) protege os dados pessoais dos utilizadores. De acordo com os autores do relatório "The EU Treaties: Why they need targeted changes", as questões digitais devem ser uma competência partilhada entre a UE e os Estados-Membros, a fim de garantir o acesso à Internet, o direito a desligar, a educação digital, o direito a viver sem a necessidade de tecnologias digitais e o direito a um ambiente seguro.

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7. Saúde

Por último, a pandemia de Covid-19 pôs em evidência a necessidade de coordenação e cooperação à escala europeia no domínio da saúde.

Uma crise sanitária que é transnacional por definição, que não se detém nas fronteiras, exige uma ação conjunta.
Daniela Schwarzer
Membro do Conselho de Administração da Fundação Bertelsmann

Um espaço europeu de dados de saúde, o acesso equitativo aos cuidados de saúde na UE, a aquisição conjunta de vacinas e medicamentos, a gestão das doenças raras e o desenvolvimento de medicamentos órfãos são apenas alguns dos bens públicos que poderiam ser desenvolvidos. Todos estes são bens públicos que poderiam ser desenvolvidos à escala europeia se as competências da UE fossem alargadas, de acordo com a Fundação para os Estudos Europeus Progressistas.

Por outro lado, alguns opositores a estas reformas consideram que estas competências devem ser devolvidas aos Estados-Membros e apelam a uma maior soberania nacional. Outros consideram, por vezes, que as alterações aos Tratados são desnecessárias, uma vez que os textos já permitem algumas destas medidas.

Como é que os tratados são alterados?

1. Processo de revisão ordinário

O governo de um Estado-Membro, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia podem apresentar uma proposta de alteração dos Tratados ao Conselho da União Europeia (composto pelos ministros dos governos dos Estados-Membros).

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O governo de um Estado-Membro, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia podem apresentar uma proposta de alteração dos Tratados ao Conselho da União Europeia (composto pelos ministros dos governos dos Estados-Membros).

O Conselho da União Europeia, por sua vez, submete essas propostas ao Conselho Europeu (composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros), cujo Presidente pode optar por convocar uma Convenção.

Uma Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros é então convocada pelo Presidente do Conselho Europeu para adotar por consenso as alterações propostas aos Tratados. Estas alterações devem então ser ratificadas por todos os Estados-Membros.

2. Processo de revisão simplificado

O Tratado de Lisboa cria um procedimento simplificado para alterar as políticas e ações internas da UE.

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Este procedimento evita a necessidade de convocar a Convenção e a Conferência dos Representantes.

As alterações aos Tratados devem ser ratificadas por todos os Estados-Membros.

3. Cláusulas de transição

As cláusulas-ponte são um segundo procedimento de revisão simplificado utilizado em dois cenários.

Para os atos legislativos adotados pelo Conselho da UE por unanimidade, o Conselho Europeu pode autorizar os Conselhos a deliberar por maioria qualificada.

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Para os atos legislativos adotados pelo Conselho da UE de acordo com um processo legislativo especial, o Conselho Europeu pode autorizar o recurso ao processo legislativo ordinário.

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