O que começou por ser um protesto pacífico dos estudantes do Bangladesh, contra um sistema de quotas para empregos públicos, transformou-se num desafio e numa rebelião sem precedentes contra a primeira-ministra Sheikh Hasina e o seu partido no poder, a Liga Awami.
Manifestantes anti-governamentais de todo o país disseram que vão marchar para a capital, Dhaka, esta segunda-feira, na sequência de um fim de semana de violência que deixou dezenas de mortos, enquanto os militares impunham um recolher obrigatório por um período indefinido e as autoridades cortavam o acesso à Internet numa tentativa de conter a agitação.
Os manifestantes exigem que a primeira-ministra Sheikh Hasina se demita e pedem justiça para as dezenas de pessoas mortas. Desde o início da violência, em julho, morreram cerca de 300 pessoas, segundo a imprensa local.
O que é que aconteceu até agora?
Os protestos, que atraíram centenas de milhares de pessoas, começaram em julho com uma manifestação de estudantes contra um controverso sistema de quotas que atribuía empregos no governo.
A 16 de julho, os protestos tornaram-se violentos, com os estudantes a entrarem em confronto com agentes de segurança e ativistas pró-governamentais, o que levou as autoridades a dispersar gás lacrimogéneo, a disparar balas de borracha e a impor um recolher obrigatório com ordem de disparo à vista. A Internet e os dados móveis foram igualmente desligados.
O Governo afirma que cerca de 150 pessoas morreram no mês passado, enquanto os meios de comunicação social locais referem que mais de 200 foram mortas.
As coisas estavam a regressar lentamente à normalidade depois de o Supremo Tribunal ter intervindo para reduzir o sistema de quotas, uma das principais exigências dos manifestantes.
Mas, em vez disso, os protestos continuaram a expandir-se, atraindo pessoas de todos os quadrantes e ganhando o apoio dos principais partidos da oposição.
A nova vaga de manifestações antigovernamentais prolongou-se durante o fim de semana e os confrontos violentos recomeçaram. O dia mais mortífero foi o domingo, quando pelo menos 95 pessoas foram mortas, de acordo com os meios de comunicação social locais.
As escolas e universidades, que fecharam as portas no mês passado, continuam encerradas.
Porque estão a protestar?
Inicialmente, as manifestações eram contra um sistema de quotas que reservava até 30% dos empregos públicos para os familiares dos veteranos que lutaram na guerra de independência do Bangladesh contra o Paquistão em 1971.
Os manifestantes afirmaram que o sistema era discriminatório e beneficiava os apoiantes do partido da Primeira-Ministra Sheikh Hasina, a Liga Awami, que liderou o movimento pela independência.
Com o aumento da violência, o Supremo Tribunal decidiu no mês passado que a quota dos veteranos deve ser reduzida para 5%, devendo 93% dos postos de trabalho ser atribuídos com base no mérito. Os restantes 2% serão reservados aos membros das minorias étnicas, aos transexuais e às pessoas com deficiência.
O Governo aceitou a decisão e restabeleceu a Internet, pensando que a situação iria acalmar. Mas os protestos continuaram.
Atualmente, os grupos de estudantes afirmam ter apenas uma exigência: a demissão de Hasina e do seu gabinete, a quem responsabilizam pela violência.
O que diz o Governo?
Hasina reagiu aos últimos tumultos acusando os manifestantes de "sabotagem" e cortando pela segunda vez o acesso à Internet, numa tentativa de acalmar a agitação.
Hasina afirmou que os manifestantes que estavam a destruir o país já não eram estudantes, mas sim criminosos e que deviam ser tratados com pulso firme.
No domingo, os manifestantes atacaram um importante hospital público em Dhaka e incendiaram vários veículos, bem como escritórios do partido no poder. Os vídeos mostraram também a polícia a abrir fogo sobre a multidão com balas, balas de borracha e gás lacrimogéneo.
O seu partido, a Liga Awami, afirmou que o pedido de demissão de Hasina mostrava que os protestos tinham sido assumidos pelo Partido Nacionalista do Bangladesh, principal partido da oposição, e pelo partido Jamaat-e-Islami, agora proibido, e acusou-os de terem alimentado a violência.
Os partidos da oposição afirmaram apoiar os manifestantes, mas negaram ter fomentado a agitação, repetindo, em vez disso, os apelos para que o governo se demita para pôr termo ao caos.
Hasina comprometeu-se a investigar as mortes e a punir os responsáveis. Ofereceu-se também para falar com os líderes estudantis, mas estes recusaram até à data.
O que poderá acontecer a seguir?
Os protestos, que não mostram sinais de abrandamento, transformaram-se numa crise grave para Hasina, cujo domínio de 15 anos sobre o país está a ser testado como nunca antes.
Com 76 anos, a primeira-ministra foi eleita para um quarto mandato consecutivo em janeiro, numa votação boicotada pelos seus principais opositores. Os críticos questionaram se as eleições foram livres e justas, enquanto o governo afirmou que as eleições foram realizadas democraticamente.
Os últimos tumultos só vieram reforçar os seus críticos, que afirmam que a agitação é o resultado da sua tendência autoritária e da sua ânsia de controlo a todo o custo.
O furor também pôs em evidência a dimensão da crise económica no Bangladesh, onde as exportações caíram e as reservas de divisas estão a diminuir. Há falta de empregos de qualidade para os jovens licenciados, que procuram cada vez mais os empregos públicos, mais estáveis e lucrativos.
Para Hasina, este pode ser um momento de vida ou morte, especialmente porque o país tem um historial de golpes militares.
Mesmo que ela consiga ultrapassar a última turbulência, "incorreu em custos de reputação elevados e enfrenta uma vulnerabilidade política sem precedentes", disse Michael Kugelman, diretor do South Asia Institute do Wilson Center.
"Isso pode voltar a assombrá-la se houver novas ondas de protestos antigovernamentais nas próximas semanas ou meses", acrescentou.
* ao que tudo indica Sheikh Hasina demitiu-se na manhã de segunda-feira e os meios de comunicação local adiantam que a primeira-ministra fugiu do país.