O Governo espanhol está a promover uma nova lei sobre as informações classificadas, que prevê prazos máximos para a desclassificação de documentos e proíbe a ocultação de violações graves dos direitos humanos.
O Governo espanhol promoveu uma nova Lei da Informação Classificada que substituirá a que está em vigor desde 1968. Entre as suas principais novidades estão os prazos máximos de confidencialidade: os documentos classificados como ultra-secretos devem ser desclassificados num prazo máximo de 45 anos (prorrogável por mais 15 em casos excecionais); os classificados como secretos, em 35 anos (prorrogável por 10); os documentos confidenciais, entre 7 e 9 anos; e os documentos restritos, entre 4 e 6 anos.
Uma vez decorridos estes prazos, os documentos serão automaticamente desclassificados. Além disso, a lei proíbe a classificação de informações relacionadas com violações graves dos direitos humanos ou crimes contra a humanidade, o que exclui do sigilo muitos factos relacionados com a ditadura franquista.
O poder executivo garante que esta legislação visa alinhar Espanha com as normas de transparência em vigor na União Europeia e na NATO. Para os investigadores, arquivistas e associações de memória histórica, trata-se de uma mudança há muito esperada.
Publicação de documentos anteriores a 1981
Uma das disposições mais significativas da nova lei é o levantamento automático do segredo de todos os documentos classificados há mais de 45 anos, ou seja, antes de 1981. Estão incluídos os arquivos da ditadura, os primeiros anos da transição e a tentativa de golpe de Estado de 23 de fevereiro.
Até agora, estes documentos permaneciam encerrados por decisão administrativa, sem uma base jurídica clara que estabelecesse prazos. De acordo com a nova regra, só podem ser mantidos em segredo se for acreditado que a sua divulgação representa uma ameaça real para a segurança nacional, e esta justificação deve ser renovada anualmente.
Casos históricos que podem ressurgir
Com a aprovação desta lei, espera-se que alguns dos capítulos mais opacos da história recente de Espanha venham à luz do dia. Entre eles contam-se:
- O GAL e a guerra suja contra a ETA: Poderão ser abertos ficheiros relacionados com a atividade dos Grupos Antiterroristas de Libertação durante os anos 80, bem como documentos dos serviços secretos que até agora não estavam acessíveis.
- O golpe de Estado 23-F (1981): As comunicações internas do Congresso, as conversas do Rei Juan Carlos com altos comandos militares, a sua diplomacia para resolver o caso e os relatórios do Centro Superior de Información de la Defensa (CESID) continuam a ser confidenciais.
- As execuções do regime franquista: A repressão da ditadura de Francisco Franco deixou muitos casos por resolver. Documentos como o processo sobre o julgamento e a execução de Julián Grimau em 1963, as atas do Conselho de Ministros da ditadura relativas à repressão política e as execuções em valas comuns poderão ser desclassificados.
- Transição após a morte de Franco: Apenas 48 horas após a morte do ditador, Espanha viveu uma viragem histórica: a monarquia foi instaurada e Juan Carlos I foi proclamado Rei. As conversas entre os dois dirigentes e as suas opiniões também podem vir a lume.
- Espionagem e vigilância interna: os registos de escutas, vigilância de ativistas, jornalistas ou políticos durante a Transição podem ser abertos ao escrutínio público.
- Negociações diplomáticas sensíveis: incluem as negociações sobre Gibraltar, a descolonização do Sahara Ocidental, a entrada de Felipe González na NATO ou acordos bilaterais secretos durante a Guerra Fria e as primeiras décadas de democracia.
- Acidentes e operações secretas: como os documentos sobre o acidente nuclear de Palomares em 1966, em que caiu uma bomba com material radioativo, ou acordos militares em conflitos como a Guerra do Golfo ou a Guerra das Malvinas.
- Arquivos militares da guerra civil e do pós-guerra: incluem planos de batalha, relatórios dos serviços secretos, listas de detidos e ficheiros sobre campos de prisioneiros, bem como reuniões e conversas posteriores entre Franco e Hitler.
Uma autoridade civil e um maior controlo judicial
A nova legislação prevê a criação de uma Autoridade Nacional para a Informação Classificada, com estatuto administrativo e dependente do Ministério da Presidência. Esta instituição será responsável pelo controlo da classificação e desclassificação dos documentos, bem como pela resolução de eventuais queixas.
A lei estabelece também sanções administrativas para quem divulgar informações classificadas sem autorização, com coimas que podem ir até 2,5 milhões de euros. No entanto, os cidadãos têm a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça das decisões de classificação que considerem injustificadas.
Uma abertura histórica
Esta reforma, que ainda se encontra em processo parlamentar, poderá entrar em vigor em 2026, se for aprovada dentro do prazo previsto. Terá um impacto notável no acesso aos arquivos do Estado, nomeadamente para investigadores, meios de comunicação social, associações de defesa dos direitos humanos e cidadãos interessados em conhecer factos relevantes da história recente.
Para os historiadores e especialistas em memória democrática, a lei marca um ponto de viragem: Espanha passará de um dos países mais restritivos em termos de acesso à informação oficial para um país mais transparente e comparável com outros parceiros europeus.