Pelo menos 60% dos vistos H-1B aprovados desde 2012 foram para empregos relacionados com informática, de acordo com o Pew Research Center. Mas hospitais, bancos, universidades e uma ampla variedade de outros empregadores podem solicitar vistos H-1B.
A decisão abrupta da administração Trump de aplicar uma taxa de 100.000 dólares (85.000 euros) aos vistos H-1B surpreendeu e confundiu empregadores, estudantes e trabalhadores, dos Estados Unidos à Índia, e não só.
Desde que anunciou a decisão, na sexta-feira, a Casa Branca tem tentado tranquilizar as empresas, dizendo-lhes que a taxa não se aplica aos atuais titulares de vistos e que os seus empregados com visto H-1B que viajem para o estrangeiro não ficarão retidos, incapazes de regressar aos Estados Unidos caso não tragam consigo 100.000 dólares. A nova política entrou em vigor às 12:01 de domingo (Eastern Time).
Apesar do esforço de tranquilização, "ainda existem algumas pessoas que recomendam aos seus empregados com visto H-1B que não viajem agora até que tudo esteja um pouco mais claro", indicou Leon Rodriguez, sócio da firma de advogados Seyfarth que foi diretor dos Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA durante a administração Obama.
Subsistem outras questões, algumas das quais básicas. "Qual é, de facto, o processo para o pagamento destes 100.000 dólares?", perguntou Rodriguez. "Normalmente, quando uma agência vai cobrar uma taxa, há todo um processo. Verifica-se a criação de formulários para a cobrança dessa taxa. ... Por esta altura, não sabemos realmente como será esse processo".
"Ainda subsistem questões fundamentais, como a de saber se a nova taxa se aplicará às universidades e às organizações de investigação sem fins lucrativos, empregadores que o Congresso elencou como exceção no âmbito do limite anual de vistos H-1B", disse Bo Cooper, sócio do escritório de advocacia especializado em imigração Fragomen, Del Rey, Bernsen & Loewy.
Eis um resumo sobre o que é o programa de vistos H-1B e o que a administração Trump está a fazer neste âmbito.
O que são os vistos H-1B e quem os utiliza?
Criados pela Lei da Imigração de 1990, são um tipo de visto de "não-imigrante", destinado a permitir que as empresas americanas tragam pessoas com competências técnicas difíceis de encontrar nos Estados Unidos. Os vistos não se destinam a pessoas que pretendam ficar permanentemente. Algumas acabam por fazê-lo, mas só depois de transitarem para diferentes estatutos de imigração.
Um visto H-1B permite às entidades patronais contratar trabalhadores estrangeiros com competências especializadas e um diploma de licenciatura ou equivalente. Os vistos são válidos por três anos e podem ser prorrogados por mais três anos, o que sugere que existem atualmente "cerca de 700.000 titulares de vistos H-1B no país e mais meio milhão de dependentes", escreveu o economista Stephen Brown, da Capital Economics, num comentário na segunda-feira.
De acordo com o Pew Research Center, pelo menos 60% dos vistos H-1B aprovados desde 2012 destinam-se a empregos no setor informático. Mas hospitais, bancos, universidades e uma grande variedade de outros empregadores podem candidatar-se a vistos H-1B.
O número de novos vistos emitidos anualmente é limitado a 65.000, mais 20.000 adicionais para pessoas com mestrado ou superior. Esses vistos são distribuídos por sorteio. Alguns empregadores, como universidades e organizações sem fins lucrativos, estão isentos destes limites.
De acordo com o Pew Research Center, quase três quartos das pessoas cujos pedidos foram aprovados em 2023 vieram da Índia.
O que é que Trump fez?
A Casa Branca anunciou uma taxa de 100.000 dólares. Atualmente, a taxa de candidatura é de 215 dólares, além de outras taxas de processamento relativamente nominais. A medida entrou em vigor apenas 24 horas depois.
O secretário do Comércio, Howard Lutnick, disse que a taxa seria aplicada anualmente, num total de 600 mil dólares (509 mil euros) para o número máximo de renovações permitidas. A Casa Branca esclareceu, no sábado, que se tratava de uma taxa única e que esta não se aplicaria aos atuais titulares de vistos.
Trump também lançou um visto "gold", no valor de um milhão de dólares, para indivíduos ricos.
Estas medidas vão certamente dar origem a processos judiciais, acusando o presidente de estar a contornar indevidamente o Congresso com uma revisão drástica do sistema de imigração legal.
Porquê visar os vistos H-1B?
Os críticos dizem que estes vistos prejudicam os trabalhadores americanos, atraindo pessoas do exterior que muitas vezes estão dispostas a trabalhar por menos do que os funcionários americanos do setor tecnológico. Empresas de recrutamento como a Tata Consultancy Services disponibilizam frequentemente trabalhadores indianos a clientes empresariais.
"Para tirar partido dos custos de mão-de-obra artificialmente baixos incentivados pelo programa, as empresas fecham as suas divisões de TI (Tecnologias da Informação), despedem o seu pessoal americano e subcontratam empregos de TI a trabalhadores estrangeiros com salários mais baixos", afirmou a Casa Branca, no seu anúncio de sexta-feira.
Num relatório de 2020, o Instituto de Política Económica, de esquerda, concluiu que 60% dos postos de trabalho associados a vistos H-1B certificados pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos têm salários abaixo da mediana para o cargo.
"É difícil discordar do argumento da administração de que o programa precisa de ser reformulado", afirmou Brown, da Capital Economics.
Giovanni Peri, diretor do Centro de Migração Global da Universidade da Califórnia, em Davis, afirmou que as situações de abuso do programa - como a contratação de programadores de nível médio para substituir americanos com salários mais elevados - ocorrem, mas são relativamente raros.
A maioria dos titulares de vistos H-1B, indicou, tratam-se, de facto, de trabalhadores altamente qualificados que são difíceis de encontrar. "A maioria dessas pessoas vem para cá e tem contribuído para a produtividade das empresas; tem contribuído para a inovação", referiu Peri. "Complementaram o trabalho dos americanos e permitiram o crescimento".
Qual será o impacto da repressão aos vistos H-1B?
Brown disse que muitas empresas do setor da tecnologia provavelmente podem pagar 100.000 dólares para trazer trabalhadores qualificados.
"No entanto", escreveu, "a taxa inicial será claramente demasiado elevada para muitas empresas. No ano passado, os setores dos cuidados de saúde, do comércio a retalho e dos serviços de alojamento e restauração representaram um quarto dos vistos H-1B, e as empresas desses setores terão provavelmente mais dificuldade para pagar a taxa".
A imposição de uma taxa mais alta - juntamente com outras tentativas da administração Trump de restringir a imigração - provavelmente reduzirá a oferta de trabalho nos EUA e aumentará os salários, concluiu Brown.
Trabalhadores estrangeiros como Alan Wu estão preocupados e atónitos com a rapidez com que Trump interrompeu o processo associado aos vistos H-1B.
"É possível lançar uma política que afeta tantas pessoas assim, sem mais nem menos?", questionou Wu, que está a trabalhar em Indianápolis como cientista de dados para uma empresa farmacêutica.
Neste momento, encontra-se a trabalhar legalmente com o seu visto de estudante depois de ter concluído um doutoramento. Há dois anos consecutivos que não consegue obter um visto H-1B. E, agora, está a repensar o seu plano de viver permanentemente nos Estados Unidos, onde vive há mais de uma década.
"Estou definitivamente preocupado com o meu emprego, agora que o custo e o risco de contratar um estrangeiro são tão elevados", comentou.
Navneet Singh, que dirige uma empresa de consultoria (Go Global Immigration) no estado indiano de Punjab, referiu que as alterações às políticas de vistos H-1B são suscetíveis de ter um impacto significativo na migração futura para os EUA, especialmente da Índia.
"Trump está a tentar sufocar os novos imigrantes que são qualificados, para que não tirem os empregos ao americano médio. Mas, ao fazê-lo, estarão a tornar a produção [dos EUA] cara", apontou Singh.
Segundo refere, a nova política é suscetível de criar vantagens para os concorrentes de outros países. "Países como França, os Países Baixos, a Alemanha e o Canadá vão ganhar com esta medida", acrescentou.
Alguns estudantes indianos que desejam fazer estudos superiores nos EUA estão desapontados.
"É como se uma porta se fechasse", disse um aspirante a estudante, que pediu anonimato.
Que empresas serão mais afetadas?
Greg Morrisett, reitor e vice-reitor da Cornell Tech, afirmou que as empresas em fase de arranque (startups) e as pequenas empresas serão provavelmente as mais afetadas pelas taxas, uma vez que "não há forma de as poderem" pagar.
A Cornell Tech, por exemplo, lançou cerca de 120 startups e a "grande maioria" tem estudantes vindos do estrangeiro. O resultado? "Vão pegar nas coisas e mudar-se para a Europa ou para a Ásia, onde quer que as encontrem", afirma.
"É provável que as grandes empresas tecnológicas transfiram muitas operações e coisas para outros países. Vimos isso quando, por exemplo, a Irlanda se tornou muito atrativa do ponto de vista fiscal. De repente, todas as sedes se mudaram para a Irlanda", lembrou Morrisett.
Tal como as startups, acrescentou: "a próxima Amazon, a próxima Google desistirá disto e irá para outro lugar e, então, não teremos essa vantagem na próxima geração de líderes tecnológicos".