O acordo extrajudicial de $787 milhões (€ 729 milhões) que a Fox vai pagar à Dominion Voting Systems é um dos maiores acordos financeiros de todos os tempos num caso de difamação.
O acordo extrajudicial de $787 milhões (€ 729 milhões) que a Fox vai pagar à Dominion Voting Systems é um dos maiores acordos financeiros de todos os tempos num caso de difamação.
O caso embaraçou a Fox News por vários meses e levantou a possibilidade de o fundador da rede, Rupert Murdoch, e estrelas como Tucker Carlson e Sean Hannity terem de testemunhar publicamente.
O impressionante acordo também encerra um julgamento que poderia ter trazido informações adicionais sobre as mentiras eleitorais do ex-presidente Donald Trump, mas que acabou por revelar mais sobre como a televisão de direita opera e até redefiniu a lei de difamação nos EUA.
Sem desculpas
Além dos milhões prometidos à Dominion, que tem sede no Colorado, não era claro quais outras consequências a Fox enfrentaria.
Num comunicado, a Fox reconheceu “as decisões do tribunal que consideram certas alegações sobre a Dominion falsas”, mas não pediu desculpas.
“Temos esperança de que a nossa decisão de resolver esta disputa com a Dominion amigavelmente, em vez da amargura de um julgamento divisivo, permita que o país avance em relação a estas questões”, disse a Fox.
A Fox News falou pouco na sua emissão sobre o acordo. Os apresentadores Tucker Carlson e Sean Hannity, que deveriam testemunhar no julgamento da Dominion, não o mencionaram.
Enquanto isso, a Fox gozou com as audiências da CNN em resposta aos comentários do apresentador da CNN, Jake Tapper, que se riu ao ler a declaração da Fox News sobre o acordo.
"Desculpem. Vai ser difícil dizer isto com uma cara séria”, disse Tapper durante o seu programa “The Lead”. Designou o acordo como um dos “momentos mais embaraçosos” da história do jornalismo.
Numa declaração ao The Hill, a Fox respondeu: “Não podemos olhar para as péssimas audiências da CNN sem nos rirmos e temos a certeza de que os acionistas da Warner Bros. Discovery sentem o mesmo”.
O julgamento também não teve nenhum efeito aparente nas audiências da Fox News. Continua a ser a televisão da cabo com melhor desempenho.
E há poucos sinais de que o caso tenha mudado a direção editorial da Fox. A Fox "abraçou" Trump mais uma vez nas últimas semanas, após a acusação do ex-presidente por um grande júri de Manhattan.
Sem responsabilidade pública
Tem havido críticas crescentes de que o acordo permite que aqueles com dinheiro escapem da responsabilidade pública. Brian Stelter, um repórter que escreveu extensivamente sobre a Fox, twittou após o acordo: “Poderíamos argumentar que a Dominion vence, mas o público perde”.
Um impedimento para espalhar desinformação?
Juntamente com outros processos em curso, o acordo mostra que há um risco financeiro real para os media conservadores que geram tráfego online com teorias da conspiração.
A Fox ainda enfrenta um processo por difamação de outra empresa de sistemas eleitorais, a Smartmatic. O seu advogado, Erik Connolly, disse na terça-feira que “o litígio da Dominion expôs parte da má conduta e danos causados pela campanha de desinformação da Fox. A Smartmatic irá expor o resto.”
Mesmo quando o caso Dominion ganhou relevo nesta primavera, Tucker Carlson, da Fox, expôs as suas teorias alternativas sobre o que aconteceu na insurreição de 6 de janeiro de 2021.
Se alguém vai enfrentar consequências por divulgar declarações falsas também não está claro.
Após o acordo, Chris Stirewalt, ex-editor político da Fox News que foi demitido após ter atribuído corretamente a vitória nas eleições de 2020 a Joe Biden, disse à Semafor: “O que me interessa ver é: como é o pedido de desculpas? Quem é demitido? Quais são as consequências dentro da empresa?”
Leis de difamação intactas
Se o caso tivesse ido a julgamento, também teria sido um dos testes mais severos a um padrão de difamação que protegeu os media por mais de meio século.
Na sua defesa, a Fox baseou-se numa doutrina da lei de difamação que está em vigor desde uma decisão de 1964 do Supremo Tribunal dos EUA. A doutrina tornou difícil para alguns queixosos provar a difamação pelos meios de comunicação. Figuras públicas (incluindo a Dominion neste caso) têm que provar não apenas que a informação relatada estava incorreta, mas que a organização de notícias agiu com “desrespeito imprudente” sobre se era verdade ou não.
Alguns defensores da Primeira Emenda sugeriram que a empresa de máquinas de votação tinha um forte argumento, mas temiam que uma batalha legal prolongada desse ao Supremo Tribunal a hipótese de mudar as leis de difamação que enfraqueceriam a proteção para todos os meios de comunicação.
O padrão legal de quase seis décadas também foi atacado por alguns conservadores nos últimos anos, incluindo Trump e o governador republicano Ron DeSantis, da Flórida, que defendem facilitar a vitória em casos de difamação.
"A maior importância do acordo... é que o alto nível de proteção para os media num caso de difamação permanece intacto por enquanto", disse Doreen Weisenhaus, professora de lei dos media na Northwestern University.