"O risco na Europa é deixar de haver agricultores"

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Como será a alimentação no futuro? Em que medida deve a União Europeia controlar aquilo que comemos? À margem do debate sobre os produtos biológicos e os OGM, qual é a visão europeia sobre a agricultura? Nesta edição do iTalk, recebemos Dacian Ciolos, o comissário europeu para a Agricultura e Desenvolvimento Rural, para responder às perguntas dos cidadãos europeus.

“Joséphine, da Bélgica. Já ouvi falar muito sobre a PAC, a Política Agrícola Comum, sei que eles recebem muito dinheiro da União Europeia que atribui verbas a várias empresas de grande dimensão. Mas, gostaria de saber o que acontece no caso dos pequenos agricultores?”

euronews: A PAC representa 40% do orçamento da União Europeia, cerca de 56 mil milhões de euros. É assim?

Dacian Ciolos: Sim, é um pouco menos do que 40% do orçamento, o que representa muito ao nível europeu, não sobrecarregando ao nível nacional. É a primeira política, a única política económica que foi sempre comunitária, isto é, na qual os Estados-membros aplicaram conjuntamente os orçamentos nacionais destinados à agricultura, decidindo coletivamente como utilizar esse dinheiro. Portanto, esse dinheiro vai mesmo para os agricultores, não para um grupo de empresas. Os pequenos agricultores recebem muito e, com a reforma que estamos a preparar, vão receber ainda mais, porque lhes vamos propôr um esquema simplificado.

euronews: Mesmo assim, a PAC gera controvérsia em alguns países que não canalizam dinheiro suficiente para os seus agricultores.

DC: A PAC é um assunto muito debatido porque, como já referi, é o único setor económico onde temos realmente uma política. Em 2012, festejamos os 50 anos da Política Agrícola Comum. A PAC reformula-se constantemente para se adaptar às expetativas dos cidadãos e às situações atuais.

“Stéphanie George, sou belga. Gostaria de saber qual é o futuro da agricultura na Europa? O desenvolvimento sustentável faz parte da vossa política? É um assunto que me interessa pessoalmente, porque interessa também a muitos jovens. É o que eu queria saber, obrigada.”

DC: Precisamente, este é o cerne da reforma que estamos a preparar para a próxima PAC. O futuro da agricultura europeia está na produção agrícola alimentar, na sustentabilidade e na boa gestão dos recursos naturais… Produzir alimentos para os Europeus, mas também para a exportação. Exportamos, sobretudo, produtos de qualidade. Portanto, é uma questão essencial esta de produzir alimentos num mundo onde a procura é muito maior do que a oferta do mercado. Mas a agricultura europeia desempenha, cada vez mais, um papel na gestão dos recursos naturais, das terras, dos solos, das águas, da biodiversidade, e igualmente do desenvolvimento do meio rural, porque a agricultura é essencial nesse meio.

“Bom dia, senhor Ciolos, Marie Dujeu, da Bélgica. Pergunto se, nos produtos cujos rótulos dizem que não incluem OGM ou que são biológicos, podemos ter a certeza disso?”

euronews: A União Europeia pode ter certezas sobre aquilo que está nos nossos pratos?

DC: Paralelamente à PAC, que se ocupa da produção e dos métodos de produção, o meu colega John Dalli encarrega-se da pasta destinada exclusivamente à segurança alimentar. Hoje em dia, existe todo um dispositivo de acompanhamento e de controlo, separado da administração da produção agrícola, que garante que não haja contradições, nem sobreposições.

euronews: E será que isso não representa mais custos?

DC: Não, a saúde dos nossos cidadãos não tem preço, esse é um elemento essencial. Para a agricultura europeia, é tão importante uma produção saudável e de qualidade, como produzir em condições sustentáveis. É, de qualquer forma, o objetivo da atual Comissão para o futuro da Política Agrícola Comum.

“Sandra Isabel Moreno, Espanha. Num momento de crise, que afeta a PAC, como é possível haver agricultores que desperdiçam os seus produtos em protesto contra as políticas europeias?”

DC: Cada vez menos assistimos a situações como essas. Se andar para trás 10, 15 anos, tínhamos muitos mais problemas de sobreprodução. Atualmente, conseguimos gerir as crises de formas mais eficazes.

euronews: Porque é que existe sobreprodução num mundo onde ainda há fome?

DC: Não há uma sobreprodução sistemática. Há situações em que o consumo diminui, devido a várias razões conjunturais. Foi o caso, por exemplo, do leite, em 2009. Quando um agricultor faz planos a pensar num prazo de 10, 15 anos, não consegue adaptar prontamente a produção se houver uma variação na procura. É por isso que a PAC existe, para tentar corrigir o tiro, porque se o consumidor precisa de estar protegido, o agricultor também necessita de um rendimento mais ou menos regular, para que possa investir e viver da agricultura.

“Ariane Wilhems, da Bélgica. A Europa tem alguma estratégia em relação à questão dos terrenos cultiváveis? Sabemos que a população mundial continua a aumentar e que a quantidade de solos férteis está a diminuir. Como é que nos vamos alimentar nos próximos anos, nos próximos séculos. A Europa tem uma resposta?

DC: Sim, antes de mais, na União Europeia, a terra constitui um meio de produção que ajuda a agricultura a viver e os cidadãos a alimentarem-se. Trata-se, primordialmente, de um bem público, porque a terra significa biodiversidade, qualidade das águas, dos solos, e, nessa perspetiva, a PAC aborda-a de maneira sustentável e valoriza as suas possibilidades. Ao mesmo tempo, a PAC também tem de permitir que outros países, em África, na Ásia, na América do Sul, utilizem os seus recursos, porque se pretendemos abastecer o planeta, não será apenas através dos terrenos europeus. As decisões tomadas na Europa não podem afetar negativamente os outros, para que possam ter a sua própria PAC e valorizar as suas terras.

“Bárbara, de Itália. Queria saber o que é que a União Europeia pretende fazer com os excedentes agrícolas, uma vez que subsiste o problema da fome no mundo, falta comida nos países em vias de desenvolvimento, por exemplo.”

DC: Já não faz sentido falar de excedentes agrícolas sistemáticos na União Europeia. A PAC mudou desde 2000…

euronews: Mesmo que não seja sistemático, pode acontecer. Quais são os alimentos em excesso?

DC: Acontece porque há variações, mas depende: num ano, podem ser determinados legumes, noutro pode ser o leite. Mas é óbvio que a procura de produtos alimentares supera largamente a oferta. Aquilo que nós temos de assegurar é o abastecimento constante do mercado e, em simultâneo, garantir um rendimento constante aos agricultores, para os motivar a produzir. Esse sim é o grande risco na Europa, não são os excedentes. É a possibilidade de deixar de haver agricultores, se não os conseguirmos manter numa atividade que é bela, mas difícil.

euronews: Numa frase, a sua bola de cristal diz que a PAC vai ser como, dentro de 10, 20 ou 30 anos?

DC: A PAC deve ser uma política pública, que ajude os agricultores a produzir, a produzir com qualidade, a produzir em condições sustentáveis de utilização dos recursos naturais. A PAC deve ser uma política que proteja os consumidores, no que diz respeito à qualidade e quantidade de alimentos no mercado.

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