Imigração/Calais: "É melhor arriscar e morrer"

Imigração/Calais: "É melhor arriscar e morrer"
De  Euronews
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Uma cena que se tornou banal: campos de imigrantes, nos arredores de Calais, no norte de França. A maioria das pessoas que aqui se juntam fugiu da

Uma cena que se tornou banal: campos de imigrantes, nos arredores de Calais, no norte de França.

A maioria das pessoas que aqui se juntam fugiu da guerra ou de ditaduras no Sudão, Líbia, Etiópia, Afeganistão ou Síria.

Poucos estão dispostos a falar, abertamente, por temerem represálias contra os familiares que continuam nos seus países. Quanto à nova vida, ela não é fácil, como refere um refugiado sudanês:

“Como vê, vivemos aqui nesta selva. A nossa vida tornou-se numa morte lenta. Tudo o que queremos é proteção.”

Esta reportagem foi filmada dias antes de uma nova onda de deportações. Hoje, neste local, não há quase nada ainda que tenha sido criado um outro acampamento a alguns quilómetros da cidade.

Aqui viviam mais de um milhar de imigrantes com a ajuda de organizações humanitárias:

“Gostávamos de ter um campo como os que o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas tem em países como a Jordânia ou nos países pobres. Os refugiados de guerra são melhor acolhidos lá que nos países ricos”, adianta Christian Salomé do Auberge des Migrants.

Alguns destes refugiados pediram asilo a França mas a maior parte sonha partir para o Reino Unido, do outro lado do Canal da Mancha. A maioria fala inglês e tem lá familiares. Apesar dos perigos eles chegaram até aqui e estão prontos para tudo, como conclui um destes homens:

“No meu país eu estava na prisão, uma situação muito má. Estive 3, 4 meses à espera de julgamento, sem ter cometido qualquer crime, apenas por questões de ideologia política. Se tivesse ficado lá teria permanecido na prisão, teria sido torturado, fariam coisas más com o meu corpo, seria violado. Escolhi continuar a viver e por isso saí do país. Foi por isso que deixei a minha Pátria. Tenho família, tinha trabalho, mas isso não interessa. Preciso de liberdade.”

Uma sede de liberdade que tem um preço duro a pagar: a travessia do deserto do Saara, os abusos sofridos na Líbia. Eles defrontam a morte para chegar à Europa:

“Muitas pessoas chegam ao mar Mediterrâneo e morrem em frente às equipas de resgate. Eu vi isso acontecer. Perdi muitos amigos e irmãos. Quando chegámos aqui tínhamos uma boa imagem dos europeus e dos países da Europa. As expectativas eram grandes: boa política, justiça e humanidade. Mas depois, para algumas pessoas, quando chegam aqui… A nossa vida não é sequer uma vida de cão”, desabafa um refugiado.

Atravessar uma movimentada estrada faz parte do caminho para a liberdade, um percurso de esperança, muitas vezes perigoso e inatingível, mas sempre o caminho a experimentar. Tentam apanhar “boleia”, ainda que não da forma tradicional, num camião que parta para o Reino Unido, mas a polícia já conhece as suas manhas.

Longe das câmaras, muitos mostram as marcas deixadas, nos seus corpos, pela polícia, uma situação denunciada, este ano, pela Human Rights Watch e pelo Conselho da Europa.

Apesar disso, eles não desistem do sonho de chegar ao Reino Unido:

“Vamos para o mercado negro, lá ele está disponível para nós. Temos documentos italianos mas não há trabalho ali. Se estivesse autorizado a trabalhar no espaço Schengen não quereria ir para o Reino Unido”, diz um imigrante.

A política de migração na União Europeia é vista, por muitos, como ineficaz e prejudicial, pelo menos para quem foge de uma guerra ou de uma ditadura. Por exemplo, com a Convenção de Dublin, cada Estado-membro da UE pode reenviar emigrantes clandestinos para o país que os acolheu, em primeiro lugar, mas isso não é solução como explica Philippe Wannesson, que trabalha para a associação Passeurs d’hospitalité:

“O primeiro país não acolhe as pessoas, tira as suas impressões digitais. E elas andam num círculo vicioso. São levadas para um lugar, são devolvidas ao país de entrada, que as repatria porque não há condições de acolhimento e não são consideradas como refugiadas. Por isso ficam em situação irregular e alimentam o mercado negro, um pouco por todo o lado.”

De volta a Calais, a Presidente da Câmara diz que a União Europeia não assume as suas responsabilidades. É preciso, segundo ela, impor quotas de migração a todos os Estados-membros e rever, completamente, o Acordo de Schengen e ela quer, acima de tudo, que o Reino Unido assine o documento:

“Ou estamos na Europa ou estamos fora da Europa. O governo britânico não pode olhar para o que lhe interessa e não olhar, na sua globalidade, para a problemática da Europa”, refere Natacha Bouchart.

Em Calais, as expulsões continuam mas, no novo acampamento, criado pelas autoridades, as condições são melhores. Aqui são distribuídas, diariamente, refeições. Há água e instalações sanitárias e também alojamento, em edifícios prefabricados, para mulheres e crianças. Os homens permanecem em tendas no exterior, uma solução que várias instituições humanitárias consideram inaceitável.

Como muitos outros, este homem está cansado. Ele fugiu ao regime Bashar al-Assad, na Síria. Há dois anos que anda de país em país, na Europa, à medida que vai sendo expulso. Chegou a França há poucos dias. Também ele quer ir para o Reino Unido:

“Não tenho escolha. Desde que estou na Europa, depois de me tirarem as impressões digitais, põem-me na rua. Onde está o lado humano? A lei? Onde estão os Direitos Humanos de que se fala tanto?”

Mas todas as histórias têm vários lados. Para os habitantes de Calais albergar estes imigrantes não é uma questão consensual e, para alguns, a criação do novo campo, para recebê-los, não acaba com o problema nem com os perigos que se colocam, como as tentativas de intrusão:

“Vimos movimento na vedação da nossa casa, eles estavam a cortar a sebe. Entraram pelo jardim do vizinho, cortaram a cerca, e estavam a cortar a madeira. Eles não só estragaram a vedação do vizinho como usaram o jardim como casa de banho”, explica Didier Fosseux, residente de Calais.

A paciência de residentes e comerciantes tem vindo a diminuir desde a destruição do acampamento de Sangatte em 2002:

“As histórias que contam dos seus países são trágicas e não foi por acaso que fugiram. Mas o que é certo é que não podemos carregar toda a miséria do mundo nas nossas costas… a solução, para essas pessoas, é deixá-las partir para Inglaterra”, adianta Fosseux.

Aqui, no ano passado, dezassete pessoas morreram a tentar passar esta fronteira cada vez mais segura. Ainda assim, foi para isso que vieram até aqui e, como acreditam não ter nada a perder, continuam a arriscar:

“Quando ia da Líbia para Itália o nosso barco afundou-se. Morreram cerca de 140 pessoas, mesmo à minha frente. Eu vi-as morrer”, diz um imigrante, outro desabafa:

“Cheguei vivo aqui… mas viver assim… Isto não é vida… É melhor arriscar e morrer.”

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