Bruxelas quer multar empresas que violam direitos humanos

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Direitos de autor Fareed Khan/AP
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De  Pedro Sacadura
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Nova proposta legislativa da Comissão Europeia também aponta baterias ao desrespeito por normas ambientais. Empresas da União Europeia terão de policiar abordagem de fornecedores sob pena de serem sancionadas

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As empresas da União Europeia (UE) que não combaterem e compactuarem com violações de direitos humanos, laborais e de regras ambientais nas respetivas cadeias de valor arriscam ter de pagar multas pesadas e acabar no banco dos réus.

Para a Comissão Europeia chegou a hora de combater este tipo de situações. O executivo comunitário acaba, por isso, de apresentar uma proposta legislativa intitulada "Corporate Sustainability Due Diligence."

Pretende-se que as empresas do bloco comunitário se assegurem que os fornecedores com quem trabalham não recorrem, por exemplo, ao trabalho escravo ou infantil. Mas também que o modelo de negócio e a estratégia das mesmas esteja alinhado com as metas do Acordo climático de Paris, de limitar o aquecimento global 1,5º Celsius.

No entanto, a proposta deixa de fora 99% das empresas do bloco, pelo menos de acordo com os critérios que o comissário europeu com a pasta da Justiça apresentou em conferência de imprensa.

"A proposta legislativa abrange dois grupos de empresas, com responsabilidade limitada. As empresas com mais de 500 empregados e um volume de negócios de pelo menos 150 milhões de euros em todo o mundo, o que representa, aproximadamente, 9400 empresas. Há ainda as empresas com mais de 250 funcionários e um volume global de negócios de 40 milhões de euros. (...) As micro, pequenas e médias empresas não constam do âmbito desta proposta", sublinhou Didier Reynders.

Na prática, à luz destes critérios, muitas empresas da indústria da moda, alimentar ou agrícola, onde há risco elevado de exploração, poderão escapar ao radar.

O mesmo acontece com as Pequenas e Médias Empresas (PME's). Apesar de serem poupadas, a presidente da associação europeia de PME's SMEunited teme um "impacto negativo" da lei. Apesar de as grandes empresas terem de prestar apoio às pequenas empresas na cadeia de valor, Petri Salminen teme que na realidade venha a ser diferente.

David vs. Golias

As empresas da UE podem ter de enfrentar a justiça se as violações direitos humanos ou ambientais forem, por exemplo, cometidas por um fornecedor com quem têm uma relação duradoura e frequente.

Mas para criminalizar a empresa nesse caso será preciso provar que a infração podia ter sido prevista, prevenida, cessada ou mitigada.

Lacunas que estão longe de agradar aos defensores de ações orientadas para as vítimas e para o fim da cultura da impunidade.

"O objetivo, neste caso, deveria ser realmente permitir que os Davides intensificassem e reivindicassem os seus direitos e minimizassem o poder dos Golias e viver num mundo onde os negócios não significam violar os direitos humanos", sublinhou, em entrevista à Euronews, Claudia Saller.

Ainda sobre a proposta, a diretora da Coligação Europeia para a Justiça Corporativa acrescentou: "Mais de meio milhão de cidadãos e 700 grupos da sociedade civil e sindicatos pediram à União Europeia uma lei que elimine o trabalho forçado, incêndios em fábricas e derrames de petróleo dos nossos cestos de compras de uma vez por todas. Parece que a Comissão nos ouviu – mas apenas com um ouvido. Podemos estar perante um verdadeiro ponto de viragem na batalha para acabar com a impunidade corporativa, mas lacunas sérias precisam ser fechadas”.

No entanto, esse adivinha-se um braço-de-ferro difícil de travar, atendendo à pressão exercida por diferentes grupos de interesse.

A nova proposta também se aplica a cerca de 4 mil empresas de fora da UE, mas que fazem negócios e se encontram a operar no bloco comunitário.

O problema - que tem gerado preocupação crescente entre vários Estados-membros - foi destacado num documentário que se debruçou sobre o caso de um grupo alemão KiK, que vende roupas a baixo preço.

A empresa foi arrastada para um imbróglio legal que durou anos, depois de mais de 200 pessoas morrerem na sequência de um incêndio na fábrica de um fornecedor do grupo em Karachi, no Paquistão, em 2012.

O caso ficou conhecido como o "11 de setembro industrial" do Paquistão.

Houve quem avançasse para tribunal e ficasse enredado nas malhas da burocracia legal, mas a empresa decidiu pagar compensações.

Monitorização a nível nacional

Caberá às autoridades nacionais verificar se as empresas cumprem com as novas diretrizes, bem como decidir a extensão das multas para o mal causado a pessoas e ao planeta.

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A proposta da Comissão Europeia ainda precisa da "luz verde" do Parlamento Europeu e dos governos nacionais, o que deverá levar mais de um ano a acontecer.

Estados-membros como França, Alemanha e Países Baixos adotaram leis idênticas a nível nacional, ainda antes da proposta apresentada pela Comissão Europeia.

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