O nível de armazenamento de gás em toda a UE situa-se nos 60%, apenas três países - Portugal, Polónia e Dinamarca - estão acima da marca dos 80%.
A União Europeia está à beira de um precipício energético.
A Rússia, o principal fornecedor de combustíveis fósseis do bloco, está a travar uma guerra violenta contra a Ucrânia, sem um fim aparente à vista. Enquanto as nações ocidentais aplicam ao país um número cada vez maior de sanções, o Kremlin está a duplicar a retaliação, chegando ao ponto mais fraco da UE: a dependência do gás.
Nos últimos meses, Moscovo cortou, total ou parcialmente, o fornecimento de gás a vários Estados-membros da UE, um ataque drástico que prejudica tanto a economia europeia como a russa.
A principal razão para justificar a mudança foi um decreto emitido pelo Presidente Vladimir Putin que obriga as empresas de energia a abrir uma conta em rublos na Gazprombank para concluir as suas transações.
Como alguns governos se recusaram a cumprir esta imposição, unilateral, temendo que isso violasse os seus contratos e o espírito das sanções da UE, Putin começou a punir aqueles que considera como países "hostis".
O bloco está agora a preparar-se para uma interrupção total dos fluxos de gás russo, um cenário que muitos economistas pensam que desencadearia, automaticamente, uma profunda recessão e obrigaria os governos a racionar a energia.
A Comissão Europeia está a trabalhar num plano para coordenar medidas de contingência e evitar a abordagem egocêntrica que dificultou a resposta inicial à pandemia da Covid-19.
"Precisamos também de nos preparar para novas perturbações no fornecimento de gás e mesmo para um corte total no fornecimento de gás russo", afirmou a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
"É óbvio: Putin continua a utilizar a energia como arma".
Estes são os países da UE que até agora têm sido vítimas da retaliação russa.
Polónia e Bulgária
No final de abril, a Polónia e a Bulgária tornaram-se os primeiros países da UE a serem privados de gás russo.
A Gazprom, o gigante energético russo controlado pelo Estado, informou os dois países de que os fluxos de gás seriam interrompidos devido à sua contínua recusa em pagar as suas faturas em rublos.
A Polónia e a Bulgária denunciaram, abertamente, o procedimento de pagamento em duas etapas, prometendo acelerar a diversificação do seu cabaz energético.
Para a Polónia, o corte inesperado era controlável, uma vez que a maior parte da sua eletricidade provém da combustão de carvão. O país tem um terminal de gás natural liquefeito (GNL) em Świnoujście, a partir do qual pode receber fornecimentos adicionais de parceiros mais fiáveis, tais como os Estados Unidos, Qatar, Egito e Israel.
A Bulgária, que dependia cerca de 90% do gás russo, também aumentou as aquisições de GNL e revelou planos para expandir a capacidade de um gasoduto que bombeia gás do gigantesco campo do Azerbaijão no Mar Cáspio.
Finlândia
A 20 de maio, a Gazprom disse à Finlândia que iria suspender todos os fluxos de gás depois de a Gasum, o grossista de gás estatal do país, se recusar a cumprir o decreto de pagamento em rublos.
A decisão coincidiu com um impulso de Helsínquia para aderir à NATO, a Aliança Transatlântica cuja expansão Putin criticou, veementemente.
Embora a Finlândia fosse altamente dependente do gás russo, a referida matéria-prima representava apenas cerca de 5% do seu consumo anual de energia, o que tornava a crise mais fácil de gerir.
Dinamarca e Países Baixos
No final de maio, poucos dias após a Finlândia ter visto os seus fluxos de gás russo desaparecerem, da noite para o dia, a Dinamarca sofreu um destino semelhante quando a multinacional dinamarquesa de energia, Ørsted, ignorou os apelos para pagar em rublos.
"Isto não é de todo aceitável", afirmou a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen. "Isto é uma espécie de chantagem de Putin".
Quase ao mesmo tempo, a Gazprom interrompeu, totalmente, os fornecimentos ao distribuidor holandês GasTerra, também por causa de uma recusa em liquidar as suas faturas em moeda russa.
A GasTerra declarou ter tomado as medidas necessárias para assegurar fornecedores alternativos e compensar a perda dos dois mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo, previstos.
Alemanha, Itália e França
As três maiores economias da União Europeia foram atingidas pela retaliação russa na preparação de uma viagem conjunta a Kiev do Chanceler alemão Olaf Scholz, do Primeiro-ministro italiano Mario Draghi e do Presidente francês Emmanuel Macron.
A Alemanha registou um decréscimo de 40% nos fluxos do Nord Stream 1, o gigantesco gasoduto que liga a Rússia à cidade de Greifswald, no norte do país, que transporta até 55 bcm por ano.
A Gazprom afirmou que as reparações do gasoduto foram a razão para a redução, mas Berlim reagiu, acusando a empresa de distorcer, deliberadamente, o mercado para aumentar os preços e injetar mais dinheiro nos cofres do Kremlin.
À medida que o fornecimento de gás diminuía, o governo de Olaf Scholz mobilizou-se para ativar a segunda fase do seu plano de emergência, de três fases, aproximando o país das medidas de racionamento.
Em Itália, a multinacional de energia Eni, que abriu uma conta bancária em rublo para cumprir o decreto de Putin, disse que o fornecimento de gás russo tinha diminuído 15%, uma redução que continua até aos dias de hoje.
A Gazprom não forneceu à Eni uma explicação para os fluxos limitados.
O Primeiro-ministro Draghi disse na altura que a alegada manutenção do gasoduto por parte da Gazprom era uma mentira. "Existe uma utilização política do gás tal como existe uma utilização política do trigo", salientou o chefe do executivo italiano, referindo-se ao bloqueio dos portos ucranianos.
Entretanto, em França, o operador da rede GRTgaz informou, inicialmente, que já não recebia qualquer gás proveniente da Rússia, embora o governo tenha, posteriormente, esclarecido que os fornecimentos ainda estavam a chegar, embora em quantidades variáveis.
Áustria, Eslováquia e Chéquia
No mês de junho houve novas reduções de gás para outros países da UE.
O grupo energético austríaco OMV registou um declínio de 50% de gás russo, que depois melhorou, ligeiramente, para cerca de 40%, no início de julho.
A companhia de gás eslovaca, SPP, também registou uma queda gradual nos fornecimentos, podendo os referidos volumes atingir metade do que estava estipulado nos contratos.
A Chéquia, que exerce, atualmente, a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, registou uma queda global no trânsito de gás, mas constatou que os fornecimentos ao país não estavam sob ameaça.
"Estamos prontos a trabalhar na coordenação das reservas de gás antes do próximo Inverno e a promover a compra voluntária conjunta", afirmou o Primeiro-ministro checo, Petr Fiala, ao Parlamento Europeu.
"Devemos ter sempre em mente que podemos encontrar-nos numa situação em que a solidariedade entre os Estados-membros é mais do que nunca necessária".
A lista crescente de interrupções no fornecimento de gás lança sérias dúvidas sobre o objetivo, recentemente, acordado da UE de atingir um nível mínimo de 80% de armazenamento de gás até um de novembro, uma meta projetada para evitar um inverno de escassez e insatisfação.
O nível atual de armazenamento, em todo o bloco europeu, situa-se nos 60%, com apenas três países - Portugal, Polónia e Dinamarca - acima da marca dos 80%.