HRW: "Duplicidade de critérios" mina legitimidade da UE no Sul Global

Tirana Hassan, Directora Executiva da Human Rights Watch, no estúdio da Euronews em Bruxelas, a 25 de outubro de 2023.
Tirana Hassan, Directora Executiva da Human Rights Watch, no estúdio da Euronews em Bruxelas, a 25 de outubro de 2023. Direitos de autor Euronews
Direitos de autor Euronews
De  Mared Gwyn Jones
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied
Artigo publicado originalmente em inglês

Usar "dois pesos e duas medidas" em matéria de direitos humanos pode prejudicar a União Europeia, avisa Tirana Hassan, diretora da Human Rights Watch

PUBLICIDADE

"A UE corre o risco de desenvolver uma reputação em que diz que um conjunto de direitos se aplica a um determinado grupo de pessoas - as que são próximas da Europa - e outro conjunto de direitos se aplica às outras. Isso irá prejudicar os líderes europeus e a legitimidade da UE aos olhos de muitos países do Sul Global", afirmou Tirana Hassan.

Refletindo sobre a guerra entre Israel e o Hamas, a diretora da organziação não-governamental, que tem sede em Nova Iorque (EUA), salientou as inconsistências entre a resposta da UE à invasão da Ucrânia pela Rússia e a sua reação a outras crises humanitárias no mundo.

"As instituições da UE apoiaram o povo ucraniano. Vimos todo o arsenal de ferramentas para proteger os direitos humanos ser mobilizado, incluindo a permissão de entrada de refugiados na Europa", explicou, acrescentando que "não vimos a mesma resposta consistente e unânime a outras crises e conflitos no mundo".

Hassan saudou a condenação pela UE dos "crimes atrozes" cometidos pelo Hamas contra cidadãos israelitas, mas disse que "o mesmo nível de condenação" não foi expresso em resposta aos bombardeamentos indiscriminados e à morte de civis em Gaza.

É também "dececionante" que os apelos ao respeito do direito humanitário não tenham sido feitos aquando do início do conflito. "É expetável que os líderes da UE apelem a todas as partes em conflito para que respeitem o direito internacional", acrescentou.

Os dirigentes da UE têm de ser "explícitos" em matéria de ajuda

Numa cimeira em Bruxelas, os líderes europeus vão tentar obter consenso sobre uma declaração que apela a uma pausa temporária nos combates para permitir a distribuição de ajuda humanitária, afirmou Hassan.

No início da semana, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE mostram-se divididos sobre se deveriam apelar a um cessar-fogo humanitário total ou simplesmente a uma "pausa" para garantir que a ajuda vital possa chegar a Gaza, com o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, a afirmar que esta última opção seria menos ambiciosa.

Antes da cimeira que começa hoje, os diplomatas da UE debatreram a redação da declaração conjunta. Fontes diplomáticas disseram à Euronews que a Alemanha, a Chéquia e a Áustria querem evitar apelar a um cessar-fogo humanitário, por receio de que isso dilua a proclamação da UE do direito de autodefesa de Israel.

Já líderes como o espanhol Pedro Sánchez apelaram abertamente a um cessar-fogo humanitário.

É necessário que haja um fluxo significativo, completo e livre de assistência humanitária para Gaza, não só a partir da passagem egípcia, mas também do lado israelita.
Tirana Hassan
Diretora, Human Rights Watch

Mas Hassan diz que - cessar-fogo ou não - a ajuda que chega aos civis em Gaza não é suficiente para responder às suas necessidades básicas.

"As necessidades humanitárias não serão satisfeitas por camiões carregados de água e caixas de medicamentos", disse Hassan. "É necessário que haja um fluxo significativo, completo e livre de assistência humanitária para Gaza, não só a partir da passagem egípcia, mas também do lado israelita".

"Esta é a primeira vez que vemos as passagens israelitas serem efetivamente fechadas para impedir a entrada de ajuda humanitária. Não vimos isto noutros conflitos", disse.

Os líderes europeus têm de apelar a Israel para que "volte a ligar a água", acrescentou, dizendo que o combustível também é fundamental para salvar vidas, uma vez que mantém os hospitais a funcionar, incluindo as incubadoras necessárias para manter os recém-nascidos vivos.

A ativista alertou, ainda, para uma potencial crise de saúde pública provocada pela "perigosa trifecta de falta de eletricidade, esgotos não tratados e falta de água potável".

A "repressão estrutural" precisa de ser compreendida

A Human Rights Watch tem vindo a documentar a repressão estrutural na Palestina, nos últimos dois anos ,e concluiu, num relatório de 2021, que algumas das privações sofridas pelos palestinianos sob ocupação "equivalem aos crimes contra a Humanidade, ao nível do apartheid e da perseguição".

Hassan disse à Euronews que este cenário de "repressão estrutural" tem de ser compreendido aquando da negociação de um caminho para a paz.

"Vai ser fundamental que os líderes europeus reconheçam e compreendam a história de repressão que teve lugar antes deste último e terrível surto de violência, para que, quando avançarmos e procurarmos a paz e as soluções, nos asseguremos de que estamos a reconhecer a base e as questões subjacentes", disse.

Hassan espera que os líderes europeus possam demonstrar o seu empenhamento no direito internacional, garantindo a responsabilização por todas as atrocidades e crimes de guerra cometidos na região.

PUBLICIDADE

"O Tribunal Penal Internacional, por exemplo, tem jurisdição sobre a Palestina e até sobre os crimes cometidos em Israel", afirmou.

"É extremamente importante que os líderes europeus financiem o Tribunal Penal Internacional e encorajem as autoridades israelitas a permitir que o Tribunal proceda a investigações sobre o que aconteceu", acrescentou.

"A responsabilização por todos os crimes cometidos desempenhará um papel extremamente importante no rumo que iremos tomar após o fim deste conflito", concluiu.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Longas filas de espera em Gaza para um pedaço de pão

Bloqueio ameaça parar assistência da ONU em Gaza

Polónia: Conferência do partido PiS contra o Pacto Verde, o super-Estado europeu e contra a Alemanha