Decisão da Noruega de explorar minério no oceano divide Parlamento Europeu

Janusz Wojciechowski, comissário europeu para a Agricultura, no debate sobre a aprovação da mineração em alto mar pela Noruega, no Parlamento Europeu, a 17 de janeiro de 2024
Janusz Wojciechowski, comissário europeu para a Agricultura, no debate sobre a aprovação da mineração em alto mar pela Noruega, no Parlamento Europeu, a 17 de janeiro de 2024 Direitos de autor Mathieu CUGNOT/ European Union 2024 - Source : EP
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De  Mared Gwyn JonesIsabel Marques da Silva (Trad.)
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Artigo publicado originalmente em inglês

A decisão polémica da Noruega de aprovar a exploração comercial de minério em águas profundas no seu território pôs em evidência uma clivagem entre a esquerda e a direita no Parlamento Europeu, durante um debate em sessão plenária, quarta-feira, em Estrasburgo (França).

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Apesar da Noruega não fazer  da União Europeia (UE), este país nórdico é um parceiro muito próximo e tornou-se o primeiro no mundo a aprovar a exploração dos fundos marinhos para obter minerais e outros recursos. O Parlamento do país aprovou, a 9 de janeiro, legislação que autoriza as empresas mineiras a explorarem 281 mil km2 das suas águas, uma área quase do tamanho da Itália.

A medida foi criticada por cientistas e conservacionistas, que alertam para os danos potencialmente irreversíveis nos ecossistemas marinhos.

Não cometamos no mar os mesmos erros que já cometemos em terra.
Catherine Chabaud
Eurodeputada, liberal, França

Num debate no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na quarta-feira, os legisladores da UE pertencentes a grupos pró-clima e de centro-esquerda, bem como os liberais, também classifciaram a decisão como irresponsável.

"Como é que esta proposta foi aprovada quando 800 cientistas se opõem a ela e quando a Agência Ambiental da Noruega deu um parecer negativo?", questionou César Luena, eurodeputado espanhol do centro-esquerda.

"A União Europeia precisa de agir imediatamente", acrescentou, apelando a ação do comissário europeu Janusz Wojciechowski, responsável pela Agricultura, presente no debate.

Os membros do grupo centrista e liberal Renovar a Europa também consideraram a medida prematura, apelando à prudência face aos avisos dos cientistas.

"Não cometamos no mar os mesmos erros que já cometemos em terra", afirmou Catherine Chabaud, eurodeputada liberal francesa.

A extração mineira em águas profundas consiste em escavar o leito oceânico em busca de materiais tais como o cobre, o níquel e o cobalto, que se encontram em rochas chamadas nódulos polimetálicos.

Estes materiais - essenciais para aplicações de tecnologia para usar energia de forma mais ecológica, tais como baterias para veículos eléctricos, semicondutores e painéis solares - são abundantes no fundo do mar.

Com as potências mundiais a procurarem ultrapassar a grave escassez das atuais cadeias de abastecimento, a exploração mineira do fundo do mar está a tornar-se uma perspetiva estratégica e comercialmente atrativa para alguns Estados na corrida geopolítica às matérias-primas.

A Comissão Europeia adotou, em dezembro, a Lei das Matérias-Primas Críticas (LMPC) para reduzir a sua dependência da China em relação às matérias-primas e diversificar as suas cadeias de abastecimento.

Mas tanto o executico comunitário como o Parlamento Europeu têm defendido uma moratória internacional sobre a exploração mineira em águas profundas até que as lacunas científicas sejam colmatadas, citando preocupações ambientais, incluindo danos à vida marinha e a perturbação das unidades populacionais de peixes.

O bloco também teme que a exploração mineira possa desestabilizar os níveis de dióxido de carbono absorvidos pelos oceanos e, por conseguinte, que tal reduzir a sua capacidade de mitigar o aumento da temperatura global.

Até agora, apenas sete Estados-membros da UE - Espanha, França, Alemanha, Suécia, Irlanda, Finlândia e Portugal - apoiaram abertamente este apelo, com alguns Estados-membros, tais como a Bélgica, a prepararem legislação que ameaça romper com a posição da UE.

Uma questão de "hipocrisia"?

Mas nem todos os eurodeputados se opuseram à iniciativa da Noruega, com o centro-direita a falar de hipocrisia nas críticas a um país vizinho democrático que tenta aumentar a disponibilidade de matérias-primas, já que o bloco europeu está muito dependente de Estados não democráticos para o seu abastecimento.

A República Democrática do Congo (RDC), onde o trabalho infantil, as violações dos direitos humanos e a corrupção estão amplamente documentados, é um dos países africanos que tem uma parceria estratégica com a UE.

"A verdade é que, atualmente, estamos a abastecer-nos na China, na Rússia e no Congo para todos os minerais de que necessitamos", afirmou Tom Berendsen, eurodeputado neerlandês do centro-direita.

"A cadeia de abastecimento é instável, as condições de trabalho e os requisitos ambientais nesses países não estão à altura dos nossos padrões. Em suma, se queremos continuar na via da energia limpa, e queremos fazê-lo, isso significa também fazer escolhas difíceis", acrescentou Berendsen.

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O debate pôs em evidência uma clivagem cada vez mais evidente no Parlamento Europeu entre a visão das facções políticas sobre a futura trajetória industrial da Europa. Os eurodeputados do grupo de extrema-direita, Identidade e Democracia (ID), aproveitaram o debate para apelar ao reforço da energia nuclear.

Wojciechowski disse que a Comissão está "muito preocupada" com a decisão da Noruega, uma vez que esta pode violar as suas obrigações ao abrigo do Tratado do Alto Mar das Nações Unidas, do Acordo de Paris e da Convenção OSPAR sobre a proteção do ambiente marinho no Atlântico Nordeste.

A decisão da Noruega também levanta potenciais disputas territoriais. A área proposta para exploração mineira inclui o arquipélago de Svalbard, no Ártico, uma área sob soberania norueguesa, mas no qual outras nações, incluindo a UE e o Reino Unido, têm historicamente usufruído de direitos iguais na atividade comercial nessas águas.

De acordo com o Tratado de Svalbard, de 1920, as nações co-signatárias devem ter igual acesso para a pesca, bem como para operações industriais, mineiras e comerciais.

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