A agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA) deve continuar a receber "financiamento adequado" para evitar uma catástrofe humanitária em Gaza, afirmou o Comissário Europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarčič.
O aviso surge numa altura em que aumenta a incerteza quanto ao futuro da ajuda ao desenvolvimento concedida pela UE à UNRWA.
A agência encontra-se num ponto de rutura depois de os países ocidentais terem suspendido as doações na sequência de alegações de que doze dos seus funcionários estariam envolvidos nos ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, que causaram a morte de mais de 1 200 israelitas e desencadearam uma guerra em Gaza que já custou a vida a mais de 29 000 palestinianos.
As graves alegações, feitas por Israel no mesmo dia em que o tribunal supremo da ONU ordenou que a organização evitasse o genocídio em Gaza, provocaram receios de uma possível infiltração do Hamas, designado como organização terrorista pela UE, na agência da ONU financiada pelo Ocidente.
A Comissão Europeia, um dos maiores doadores da UNRWA, afirmou em janeiro que iria rever o seu financiamento à luz das medidas tomadas pela agência para auditar os seus procedimentos de recrutamento, reforçar os seus mecanismos de supervisão interna e examinar a sua força de trabalho de 30.000 pessoas.
Ainda não é claro se o próximo pagamento programado da UE em ajuda ao desenvolvimento de 82 milhões de euros, previsto para esta semana, será suspenso ou não.
Mas Lenarčič sugeriu que não apoiar a UNRWA enquanto um desastre humanitário atinge a Faixa de Gaza teria "consequências catastróficas" e colocaria em risco a estabilidade regional.
"De acordo com os valores da UE - e embora estejamos a trabalhar de forma construtiva com a UNRWA no reforço dos seus controlos internos, numa auditoria realizada por peritos nomeados pela UE e no sistema de verificação do seu pessoal - continua a ser crucial fornecer à UNRWA um financiamento adequado", disse Lenarčič ao Parlamento Europeu na tarde de terça-feira.
"Temos de ser claros, simplesmente não há substituto para a UNRWA", explicou Lenarčič. "A responsabilidade individual deve ser assegurada. Mas a punição coletiva não pode ser a resposta."
Várias nações suspenderam os pagamentos à UNRWA na sequência do escândalo, incluindo a Austrália, a Áustria, o Canadá, a Alemanha, a Itália, os Países Baixos, o Reino Unido e os Estados Unidos. Outros, como a Espanha, a Irlanda e a Bélgica, mantiveram o seu apoio.
Embora a UE não tenha suspendido as entregas de ajuda humanitária, o súbito êxodo dos doadores ocidentais foi um golpe devastador para a agência, que afirma que as suas entregas de carga humanitária diminuíram para metade desde janeiro.
Em fevereiro, menos camiões com ajuda puderam entrar em Gaza do que em janeiro e dezembro, e a ONU alertou para o aparecimento de bolsas de fome em Gaza. Muitas organizações humanitárias, incluindo o Programa Alimentar Mundial da ONU, suspenderam as entregas de alimentos no norte do enclave, dado que o caos provocado pela crise humanitária tornou as condições inseguras para os trabalhadores.
O Comissário-Geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse no início deste mês que esperava que a UE continuasse a apoiar a agência e que as suas conversações com a Comissão para salvaguardar o futuro financiamento tinham sido "muito construtivas".
Josep Borrell, responsável pela política externa da UE, sugeriu também que a ajuda europeia iria decorrer como inicialmente previsto, uma vez que a UNRWA tinha iniciado a investigação solicitada por Bruxelas.
Eurodeputados divididos sobre a UNRWA
Mas a UE e os seus 27 Estados-Membros não conseguiram consolidar uma posição comum sobre a guerra entre Israel e o Hamas desde o seu início em outubro, com os líderes a assumirem posições divergentes sobre o conflito.
Vários eurodeputados, predominantemente de grupos de esquerda, afirmaram que Israel não tinha apresentado provas concretas para apoiar as suas alegações de que o pessoal da UNRWA tinha participado nos ataques de 7 de outubro.
Lenarčič também confirmou que a Comissão ainda não tinha recebido provas que sustentassem as alegações e que, tanto quanto sabia, nenhum outro doador o tinha feito.
Na passada quarta-feira, o Washington Post publicou um vídeo onde Israel alega mostrar um trabalhador humanitário da ONU a participar no ataque de 7 de outubro. Mas os líderes da ONU continuaram a sublinhar que as alegações ainda não foram corroboradas.
A Comissão Europeia foi condenada por ter injetado dinheiro numa organização que, segundo os eurodeputados, está infiltrada por militantes do Hamas e negou que o seu trabalho em Gaza seja insubstituível.
O eurodeputado sueco David Lega, do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus, dirigiu-se diretamente a Josep Borrell: "Disse que confia plenamente em si e na sua liderança para chegar ao fundo da questão da alegada cumplicidade com o terrorismo do Hamas".
"O que será necessário para que compreendam que a vossa confiança é irrelevante se a UNRWA perder a confiança das partes envolvidas?", disse, acrescentando que a ajuda da UE a Gaza deve ser canalizada para parceiros mais "responsáveis, mais neutros e mais fiáveis".
"Sem a UNRWA, as crianças palestinianas morrerão à fome", respondeu Malin Björk, da Esquerda.
"Como é que distinguimos entre diferentes vidas humanas? Porque é que uma vida palestiniana não vale nada?", questionou.
Barry Andrews, legislador irlandês do grupo Renew Europe, apelou aos Estados-Membros para que tomem decisões "não baseadas em decisões políticas punitivas, mas em provas" e à Comissão para que restabeleça os seus pagamentos para apoiar o "trabalho insubstituível e heroico da UNRWA".