Numa carta a que a Euronews teve acesso, Israel rejeita a revisão do Acordo de Associação UE-Israel, que indica as violações israelitas dos direitos humanos em Gaza, com o país a dizer que “está empenhado numa luta existencial, defendendo-se contra os inimigos comuns do Ocidente”.
Israel criticou a revisão do Acordo de Associação UE-Israel (EUSR), afirmando que "este relatório e as suas conclusões não devem ser levados a sério ou usados como base para quaisquer ações ou conversas futuras", numa carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país à UE, a que a Euronews teve acesso no domingo.
"A decência ditaria que se abordassem as deficiências do relatório e o rejeitassem na sua totalidade", conclui a carta, enviada à Comissão e ao Serviço de Ação Externa.
A revisão do Acordo de Associação UE-Israel, publicada na sexta-feira, afirma que as ações de Israel na Faixa de Gaza indicam uma violação das disposições em matéria de direitos humanos contidas no seu Acordo de Associação com a União Europeia. A questão deverá ser analisada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros reunidos na segunda-feira.
Citando um conjunto de conclusões de organizações internacionais independentes, a aguardada análise do serviço diplomático do bloco afirmou ter encontrado "indícios" de que Israel violou as suas obrigações em matéria de direitos humanos com as ações em Gaza.
A violação resulta da ofensiva israelita em Gaza e das condições rigorosas aplicadas às entregas de ajuda humanitária, que alimentaram o receio de uma fome generalizada entre os palestinianos que vivem no enclave densamente povoado.
Na carta a que a Euronews teve acesso, o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita expressou o seu "espanto" pelo facto de o relatório não ter em conta "a nossa resposta detalhada às questões que nos foram colocadas".
A carta começa com uma apresentação daquilo a que chama "a realidade estratégica que Israel enfrenta", detalhando como está a "travar uma guerra em sete frentes".
"É contra este pano de fundo - o combate de Israel contra uma série de inimigos brutais - que o REUE (representantes especiais da UE) foi incumbido de fazer um 'trabalho de urgência', compilando um resumo tendencioso e extremamente unilateral de muitas vozes e documentos anti-israelitas num chamado 'relatório honesto' para os Estados-membros da UE", afirma a carta.
A carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita centra-se naquilo a que chama "duas falhas" do relatório, alegando que este "não tem em conta o contexto" e os "factos cruciais" dos ataques de 7 de outubro, seguidos da "tentativa em curso por parte do Irão e dos seus representantes de provocar a aniquilação do Estado judaico".
"Um relatório que começa com a admissão de que não tem capacidade para verificar as suas próprias declarações, ou mesmo o mandato para abordar os numerosos ataques terroristas dos palestinianos contra Israel, não pode ser levado a sério", diz a carta.
A carta afirma que o relatório "falha moralmente" ao negligenciar qualquer dano infligido aos civis israelitas" pelo controlo da faixa de Gaza pelo Hamas e pelas suas ações contra os israelitas, incluindo aquilo a que chama "a cumplicidade comprovada de organismos da ONU como a UNRWA".
"O relatório tem como objetivo negar o direito de Israel a defender-se contra o terrorismo. Não cita nenhuma das muitas ações positivas empreendidas por Israel no domínio humanitário e esquece-se de mencionar a recusa contínua do Hamas de um acordo de reféns negociado pelos EUA (a "Proposta Witkoff") que Israel aceitou", diz a carta.
Em segundo lugar, a carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita afirma que o documento também "falha metodologicamente".
Israel não teve oportunidade de se defender
"Não foi dada a Israel a oportunidade de se defender das acusações extremas que lhe foram feitas. Lamentavelmente, mesmo uma pessoa que enfrenta o despedimento de um emprego tem mais margem de manobra para apresentar o seu caso do que o completo desrespeito que o REUE demonstrou pelos factos objetivos e pelas provas do Estado de Israel", afirma a carta.
"O REUE não respeitou o devido processo legal, alega, optando por não dialogar com Israel sobre o relatório. O REUE também não permitiu que a informação israelita fosse incluída no relatório; e, de facto, mesmo quando Israel detalhou minuciosamente a sua posição na comunicação - oferecendo respostas detalhadas sobre vários tópicos - a informação apresentada não foi acrescentada nem abordada no relatório", afirma a carta.
A carta insiste na "conformidade de Israel com o direito internacional" e afirma que "um simples diálogo com as autoridades israelitas poderia ter tornado estes factos claros. Israel é um Estado democrático que respeita o Direito Internacional Humanitário e o direito internacional, enquanto luta pela sobrevivência numa região sem democracia e repleta de terrorismo e radicalismo. As suas ações devem ser julgadas de forma justa e honesta, um processo em que o relatório em questão falhou".
"Durante toda a guerra contra o Hamas, Israel facilitou a transferência de grandes quantidades de ajuda humanitária para Gaza, mesmo sob fogo", diz a carta em resposta ao relatório do REUE, que fala do bloqueio da assistência humanitária, dos ataques militares contra hospitais, da deslocação forçada da população palestiniana, das prisões em massa, das detenções arbitrárias, da expansão dos colonatos, que são ilegais à luz do direito internacional, nos Territórios Ocupados, e da violência cometida pelos colonos.
De acordo com o relatório, as violações são descritas como numerosas e graves.
O exercício de revisão interna foi lançado no mês passado a pedido de 17 países, liderados pelos Países Baixos, para determinar se Israel ainda estava a cumprir o artigo 2.º do Acordo de Associação, que estabelece que as relações bilaterais "devem basear-se no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, que orientam a sua política interna e internacional e constituem um elemento essencial deste acordo".
A resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita conclui que o documento "é absurdo e reflete um processo sem precedentes dirigido a um Estado democrático em plena guerra" e que "ignora completamente as circunstâncias, bem como os comentários e respostas substanciais fornecidos por Israel".
A resposta severa do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel parece ecoar as declarações feitas pelo embaixador de Israel na UE e na NATO, Haim Regev, na quinta-feira, 19 de junho.
Numa entrevista à Euronews, o embaixador Regev foi claro e firme sobre as atuais interações do seu governo com a União Europeia sobre a crise com o Irão e sobre as ações de Israel em Gaza, afirmando que "ouvimos tons diferentes, mas no fim do caminho vemos e sentimos o apoio".
O governo israelita tem "uma interação contínua e intensa" com as principais instituições da UE em Bruxelas, mas "é claro que é complicado quando se trata de ter uma posição na União composta por 27 Estados-membros", disse o diplomata israelita.
"Há uma guerra neste momento e Israel está a liderar esta guerra contra o Irão, que é também uma guerra em benefício, a longo prazo, da Europa. Não é altura de analisar, forçar ou tentar colocar obstáculos nas relações entre Israel e a UE", concluiu Regev.
A Comissão e o Serviço de Ação Externa foram contactados para comentar o assunto.