A presidente da Comissão Europeia apelou aos europeus para que aumentassem a pressão sobre Moscovo e avisou que, apesar da sua intenção declarada de encetar conversações de paz, "a mentalidade da Rússia não mudou".
A Europa deve manter a pressão sobre a Rússia, porque o país continua a querer "redesenhar permanentemente os mapas" e recuperar as suas "esferas de influência" perdidas, disse Ursula von der Leyen, na quarta-feira, enquanto as conversações de paz aceleradas lideradas pelos Estados Unidos aumentam a perspetiva de alívio económico para Moscovo, apesar do seu ataque contínuo à Ucrânia.
"Desde o início, a Rússia sempre acreditou que podia ser mais forte do que a Ucrânia, a Europa e todos os seus aliados", disse a presidente da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, num discurso proferido na manhã de quarta-feira.
"E é por isso que, sempre que se registam progressos sérios no sentido de negociações que possam conduzir a uma verdadeira paz, a violência aumenta", referindo-se à recente série de ataques russos contra a população civil da Ucrânia.
"Já vimos isto antes. É um padrão. E os ruídos do Kremlin nos últimos dias dizem muito sobre as suas verdadeiras intenções. Para eles, a Ucrânia continua a ser o primeiro passo de um jogo muito maior."
Paz ou capitulação?
As observações de von der Leyen surgem no momento em que o Kremlin assinala a sua intenção de rejeitar o plano de paz que resultou das conversações entre funcionários americanos e ucranianos em Genebra, durante o fim de semana.
As negociações alteraram consideravelmente os termos do projeto original de 28 pontos, que continha disposições abrangentes que favoreciam os interesses de Moscovo.
Os europeus, que não foram consultados antes de o modelo de 28 pontos ter chegado à imprensa, ficaram horrorizados com as propostas que afetam assuntos cruciaissob a sua jurisdição, como o futuro das sanções económicas e o destino dos bens russos imobilizados.
Nos últimos dias, assistiu-se a um frenesim de contactos de alto nível, incluindo uma reunião informal dos dirigentes da UE na segunda-feira e uma reunião virtual da "Coligação de Interessados" na terça-feira, com o objetivo de reforçar a voz da Europa e ajudar Kiev a reequilibrar o texto.
"Este princípio foi aceite", afirmou von der Leyen. "Nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia. Nada sobre a Europa sem a Europa. Nada sobre a NATO sem a NATO".
No seu discurso, von der Leyen opôs-se à limitação da dimensão das forças armadas ucranianas, um tema controverso nas conversações, e apelou a garantias de segurança robustas para evitar a repetição da invasão em grande escala.
Os aliados ocidentais estão a considerar a possibilidade de colocar uma força multinacional em solo ucraniano para reforçar a dissuasão quando a guerra terminar. Moscovo rejeitou liminarmente a ideia.
"Sabemos que a mentalidade da Rússia não mudou desde os dias de Ialta, que vê o nosso continente em termos de esferas de influência", disse von der Leyen ao Parlamento Europeu.
"Por isso, temos de deixar claro que não pode haver uma divisão unilateral de uma nação europeia soberana. E que as fronteiras não podem ser alteradas pela força. Se hoje legitimarmos e formalizarmos a destruição das fronteiras, abrimos as portas a mais guerras amanhã".
Pagar a fatura
Numa altura em que o conflito diplomático em torno do plano EUA-Rússia está no centro das atenções, von der Leyen sublinhou a urgência de apoiar as necessidades financeiras e militares da Ucrânia, estimadas em 135 mil milhões de euros para 2026 e 2027.
Na semana passada, a Comissão Europeia apresentou um documento com três opções para colmatar o défice: contribuições bilaterais dos Estados-membros, empréstimos comuns a nível da UE e um empréstimo de reparação baseado nos activos imobilizados do Banco Central russo. Estes ativos valem cerca de 210 mil milhões de euros em todo o bloco.
Os dirigentes da UE deverão tomar uma decisão quando se reunirem novamente a 18 de dezembro.
Embora a maioria das capitais seja a favor do empréstimo de reparação, uma vez que pouparia os seus orçamentos de pagar a fatura, o projeto sem precedentes deparou-se com a resistência da Bélgica, que detém a maior parte dos activos e receia uma retaliação agressiva de Moscovo.
Von der Leyen confirmou que a sua Comissão está pronta a apresentar um texto jurídico para apoiar o empréstimo, uma das principais exigências da Bélgica.
"Para ser muito clara, não consigo imaginar um cenário em que sejam apenas os contribuintes europeus a pagar a fatura", afirmou, manifestando a sua preferência pelo empréstimo de reparação.
"Outra coisa também tem de ficar clara: qualquer decisão sobre isto tem de ser tomada de acordo com as regras das jurisdições responsáveis e respeitará o direito europeu e internacional."
Resta saber se o esforço de paz vai encorajar a Bélgica a levantar as suas reservas ou a manter-se ainda mais firme. O plano original de 28 pontos propunha um modelo que permitiria a Washington e a Moscovo beneficiarem dos ativos imobilizados.
O modelo controverso terá sido retirado após as conversações de Genebra e estão pendentes novas negociações.
Von der Leyen concluiu o seu discurso reiterando o seu apelo para aumentar a pressão sobre Moscovo e obrigar o país a pôr fim à guerra.
Desde fevereiro de 2022, a UE impôs 19 pacotes de sanções à Rússia. No mês passado, os EUA sancionaram as duas maiores empresas petrolíferas da Rússia, a Rosneft e a Lukoil.
"Sim, a situação é complexa. Sim, a situação é volátil. Sim, a situação é perigosa. Mas acredito que existe também uma oportunidade para fazer verdadeiros progressos", afirmou von der Leyen.
"É nosso dever empenharmo-nos em todos e quaisquer esforços que possam conduzir a uma paz justa e duradoura. Sabemos que não será fácil. Mas temos de encontrar uma forma de avançar".