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Banco de horas, contratos a prazo e despedimentos: o que está a bloquear o acordo na lei laboral

Trabalhadores saem à rua na próxima quinta-feira na primeira paralisação realizada pelas principais centrais sindicais do país em 12 anos
Trabalhadores saem à rua na próxima quinta-feira na primeira paralisação realizada pelas principais centrais sindicais do país em 12 anos Direitos de autor  Armando Franca/AP
Direitos de autor Armando Franca/AP
De Joana Mourão Carvalho
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O Governo prepara uma profunda revisão da legislação laboral, com mais de uma centena de artigos em alteração. O anteprojeto que o Executivo quer levar ao Parlamento, mesmo sem consenso, abriu um confronto direto com os sindicatos e empurrou o país para uma greve geral marcada para 11 de dezembro.

O anteprojeto do Governo para revisão da legislação laboral, que está a ser debatido com os parceiros sociais, prevê a revisão de mais de uma centena de artigos do Código de Trabalho. A proposta chegou à concertação social no verão e, sem nenhuma tentativa de aproximação do Executivo da AD, os sindicatos decidiram avançar para a convocação de uma greve geral no dia 11 de dezembro.

O Governo tentou, ainda, evitar a greve geral, com negociações e alguns recuos em algumas das propostas, mas a tentativa de aproximação não foi suficiente para a UGT, que já decidiu pela paralisação na quinta-feira da próxima semana.

Esta será a primeira greve-geral realizada em conjunto pelas principais centrais sindicais do país desde 2013.

Na nova versão do anteprojeto, os pais voltam a poder recusar horários noturnos e fins de semana e o Governo deixa cair a "compra" de dois dias de férias, sendo recuperados os três dias de férias dependentes da assiduidade. Mas mantém-se o limite de dois anos para amamentação, com obrigatoriedade de atestado aos 12 e 18 meses, medidas de simplificação dos despedimentos por justa causa nas pequenas empresas, e os subsídios em duodécimos voltam a depender do empregador.

Enquanto a CGTP tem pedido a retirada na íntegra do anteprojeto, a UGT tem insistido que está aberta a negociar o conteúdo desse pacote, mas já frisou que tem linhas vermelhas das quais não está disposta a abdicar.

No entanto, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, já admitiu que, mesmo sem consenso na Concertação Social, a reforma seguirá para o Parlamento, o que poderá resultar numa nova legislação que, na ótica das centrais sindicais, não atende às preocupações dos trabalhadores e "aumenta a precariedade" no mercado laboral.

Nessa sede, deverá ficar nas mãos do Chega a viabilização desta revisão da lei laboral.

Desde o banco de horas individual ao outsourcing após despedimentos, passando pelas mudanças nos contratos de trabalho, são vários os pontos neste anteprojeto que separam oGoverno dos representantes dos trabalhadores.

O Executivo de Luís Montenegro entende que o "grau de rigidez da legislação laboral" deve ser atenuadoe acredita que as alterações à legislações laboral prometem flexibilizar o mercado de trabalho, à semelhança do que já fazem alguns países nórdicos e da Europa Central. No entanto, também quer recuperar medidas que tinham sido revogadas pelo Governo PS de António Costa.

Governo quer repor banco de horas individual, mas em moldes diferentes

Uma das "traves mestras" do pacote laboral por parte do Governo é o regresso do banco de horas individual, mas em moldes diferentes daquele que deixou de existir em 2019.

A proposta que está em cima da mesa determina que este modelo possa ser instituído, por acordo entre o empregador e o trabalhador, prevendo que o período normal de trabalho possa ser aumentado até duas horas diárias, atingindo as 50 horas semanais, tendo o acréscimo por limite 150 horas por ano e incluir um período de referência que não pode exceder os quatro meses.

A proposta refere também que o "empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho com a antecedência mínima de 3 dias" e que, caso exista saldo a favor do trabalhador, o total de horas não compensadas é pago em dinheiro.

O banco de horas individual é uma característica de países europeus com modelo de flexisegurança, que alia o equilíbrio entre a flexibilidade no mercado de trabalho (empresas têm maior capacidade de contratar e despedir trabalhadores e funcionários têm horários mais flexíveis) a uma alta proteção social (subsídios de desemprego elevados e encorajamento da formação).

Entre países que têm este modelo estão países escandinavos como a Dinamarca e a Suécia, ou países da Europa Central como Alemanha, Países Baixos ou Áustria.

Alterações nas regras dos despedimentos

O anteprojeto apresentado pelo Governo propõe também o alargamento a todas as empresas e a todas as funções da possibilidade de o empregador pedir ao tribunal que afaste a reintegração de um trabalhador ilegalmente despedido. Hoje, só as microempresas e os casos de cargos de administração ou direção dão direito a esse afastamento.

Para os sindicatos isto é dar um "passo atrás", deixando o trabalhador cada vez mais exposto à ofensiva patronal.

Por outro lado, o Governo propôs a simplificação dos despedimentos por justa causa. Ou seja, as micro, pequenas e médias empresas passariam a poder avançar com despedimentos por justa causa, por factos imputáveis ao trabalhador, sem apresentarem provas pedidas pelo trabalhador ou ouvir o que as testemunhas apresentam para o defender, durante o processo disciplinar. Também esta medida mereceu fortes críticas dos sindicatos.

O Governo quer ainda revogar a norma que estabelece restrições ao outsourcing (contratação de trabalho externo), durante um ano, após despedimentos.

Neste momento, as empresas que levem a cabo despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho ficam impedidas de recorrer a outsourcing, durante 12 meses, para satisfazer as necessidades que eram asseguradas por esses trabalhadores.

Esta foi uma das medidas mais polémicas da Agenda do Trabalho Digno - a revisão da lei do trabalho levada a cabo pelo Governo de António Costa em 2023 -, tendo mesmo sido fiscalizada pelo Tribunal Constitucional.

Apesar de os juízes do Palácio Ratton terem decidido que este travão ao outsourcing não viola a Constituição, o Governo quer retirá-lo do Código do Trabalho, o que mereceu a aprovação da parte das confederações empresariais.

O executivo pretende agora revogar a norma que proíbe a aquisição e serviços externos a terceiros para satisfazer necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.

Alterações aos prazos dos contratos de trabalho

As alterações aos contratos de trabalho são outro dos principais pontos que estão a afastar os parceiros sociais na negociação da nova lei laboral.

O que o Governo propôs foi estender a duração máxima dos contratos a prazo: de dois para três anos, no caso dos contratos a termo certo, e de quatro para cinco anos, no caso dos contratos a termo incerto.

Além disso, o Executivo quer alargar as situações em que é possível fazer contratos a termo, nomeadamente a norma que permite às empresas contratarem jovens a prazo, com o fundamento de que não têm experiência.

Em concreto, o Governo quer que volte a ser fundamento para este tipo de vínculo a contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato por tempo indeterminado ou que esteja em situação de desemprego de longa duração (neste momento, só os desempregados de muito longa duração poderiam justificar contratos a termo).

A medida visa facilitar a integração de jovens no mercado de trabalho e estimular o primeiro emprego, permitindo às empresas contratar com maior flexibilidade em situações onde o trabalhador ainda não tem histórico de vínculo permanente.

No entanto, na visão dos sindicatos, isto tornaria os contratos a prazo a regra do mercado nacional, em vez da exceção, fomentando a precariedade.

Também há novas regras na renovação destes vínculos. Atualmente, o contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes, sendo que a duração total das renovações não pode exceder a do período inicial.

O Governo não quer mudar o número máximo de renovação, mas propõe a eliminação da regra que dita que o total de renovações não pode exceder a do período inicial do contrato. Ou seja, propõe-se a retirada de um dos limites à renovação dos contratos a termo.

Subsídios de férias e Natal podem ser pagos em duodécimos

Outras das várias mudanças que o Governo pretende introduzir diz respeito à possibilidade de os trabalhadores voltarem a poder escolher se querem receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos ou da forma tradicional, tal como acontecia até 2018.

Atualmente, e em relação ao subsídio de férias, o Código do Trabalho prevê que o trabalhador e a entidade patronal possam chegar a um acordo para que o pagamento possa ser feito em momentos diferentes. A modalidade foi introduzida no tempo da troika, em 2013, mas deixou de ser obrigatória.

À parte destas matérias, há várias outras que separam, neste momento, os sindicatos do Governo, mas a distância, nesses casos, tende a ser menos pronunciada. Desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, amamentação e luto gestacional) ao teletrabalho, formação nas empresas ou período experimental dos contratos de trabalho, havendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve.

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