Jean-Marc Ollagnier: "Sempre pensei que ser humilde era bom, mas agora acho que é realmente bom"

Como múltiplas ondas de disrupção, desde as alterações climáticas até às pandemias globais têm impacto na nossa vida diária, uma revolução digital transformadora silenciosa está também em curso. Jean-Marc Ollagnier, diretor executivo para a Europa da empresa de consultoria global Accenture, partilhou com a Euronews a sua visão sobre os desafios e o potencial de desbloquear soluções sustentáveis e positivas em tempos claramente turbulentos.
Isabelle Kumar: Atualmente tudo parece bastante sombrio, não parece? Mas como vê o futuro?
Jean-Marc Ollagnier: No meu papel olha-se obviamente para o que se passa na atualidade, mas também se olha para o que se vai passar amanhã. Penso que quando olho para onde estamos hoje, versus provavelmente há três, seis ou nove meses, em que estávamos muito, muito concentrados na crise, [hoje] ainda estamos concentrados nela, mas estamos a olhar cada vez mais para o que se segue. É daí que eu retiro algum otimismo sobre o facto de que haverá um fim para esta crise, como em qualquer outra, e precisamos de olhar para o que se segue, para como será o novo normal. Começamos a aprender que há algumas coisas boas que virão desta crise. Penso que certamente, para homens de negócios como eu, como em qualquer crise, existem oportunidades que temos de moldar, compreender e captar.
I.K.: Isso parece ser bastante alimentado pela sua convicção pessoal. Geralmente vê uma oportunidade numa crise?
J.M.O: Sim, penso que há duas coisas numa crise. Primeiro, há um fim e nunca devemos esquecer isso, especialmente quando estamos no meio de uma crise. Segundo, cada crise dá-nos oportunidades, porque uma crise muda as coisas, muda a oportunidade do mercado, muda uma situação competitiva, muda o comportamento dos diferentes intervenientes. Se a compreendermos bem, moldámo-la bem, posicionarmo-nos bem, podemos captar oportunidades. É muito onde nos encontramos hoje.
I.K.:Façamos uma análise global. Se virmos o mundo num ponto de viragem, - e agora vou colocá-lo numa posição difícil - numa escala de 1 a 10, - 10 sendo o ideal - acha que o mundo vai seguir o caminho certo a partir de agora?
J.M.O: Sim, acredito realmente, sem ser demasiado ingénuo e otimista. Acho que estamos numa encruzilhada, acredito realmente que sim. E que, por muitas razões que posso descrever, temos de reinventar fundamentalmente a forma como vamos fazer negócios na próxima década. As razões são as alterações climáticas, as razões são a tecnologia, as razões são o comportamento das expectativas dos consumidores e das expectativas das partes interessadas.
Precisamos realmente de redesenhar a forma como fazemos negócios para nos tornarmos, de uma forma simples, mais digitais, mas também mais sustentáveis, a fim de lidar com um dos maiores desafios que o planeta tem de enfrentar, que são as alterações climáticas.
I.K.: Voltando à minha pergunta, numa escala de 1 a 10, acha que o mundo vai avançar nessa direção?
J.M.O.: Estou claramente nos 8, 9 a 10. Acredito claramente que os astros estão cada vez mais alinhados, que temos de mudar a geopolítica e isso está mais bem alinhado do que nunca, com o regresso da administração Biden à COP 21. Trabalhadores e cidadãos esperam uma mudança e francamente os líderes empresariais, bem como os governos, estão muito alinhados ao dizerem que a forma como fazemos negócios hoje em dia, no atual modelo económico linear, não será sustentável e temos de a mudar.
I.K.: Como definiria “_twin transformation_”, algo que a Accenture definiu como um futuro caminho para o mundo?
J.M.O.: Sim, a “_twin transformation_” é um termo que usamos para explicar à comunidade, ao mundo empresarial, quais são os ingredientes para ter sucesso neste novo mundo. As empresas que dominarem a tecnologia digital e as empresas que colocarem a sustentabilidade no centro dessa estratégia serão provavelmente as vencedoras neste mundo futuro. Assim, ter uma perfeita compreensão das duas tendências, dessas duas tecnologias vai ser fundamental.
I.K.: E qual é a posição da Europa em termos deste tipo de transformação global profunda? Porque a Europa, em termos de sustentabilidade é um líder, em termos de inovação tende a ter mais dificuldades.
J.M.O.: Quando olho para a Europa, quando olhamos para a anterior onda de mudança, que era muito digital, tecnológica, víamos que a Europa estava um pouco atrasada. A Europa investiu um pouco menos, estava um pouco atrasada na adoção de novas tecnologias. Com a covid-19 na Europa, vemos uma vontade de recuperar o atraso, houve um pequeno atraso, especialmente em comparação à China, mais do que com a América do Norte, mas também em comparação à América do Norte.
Quando se olha para a segunda onda de mudança, que é mais sustentável, aqui, a Europa está provavelmente um pouco à frente. Este é provavelmente um dos benefícios das empresas europeias em termos de sensibilização, em primeiro lugar, mas também em termos da forma como adotam os preços do carbono, a forma como adotam produtos e serviços mais sustentáveis. Esta é provavelmente uma vantagem que as empresas europeias devem continuar a aproveitar, porque hoje em dia, no esquema de concorrência global, é necessário que ambos tenham sucesso. Por isso, é preciso recuperar o atraso e alavancar onde se é forte. Acho que é para aí que temos de olhar no panorama europeu.
I.K.: Isso é, em muitos aspetos, teórico, neste momento, mas, por exemplo, quando hoje cheguei, estava a conversar com um taxista e ele estava desesperado. Ele estava a dizer que a situação é muito difícil, que está preocupado com a sua família, com a forma como os vai alimentar. Então, como conseguir que as pessoas olhem a longo prazo, o longo prazo de que se fala, quando o curto prazo é tão imprevisível?
J.M.O.: Tem sido um enorme exercício de humildade, porque estamos a lidar, como disse, com algo que não conhecemos. Cria uma grande incerteza. Chamo-lhe “um pé no hoje, outro no amanhã”. É preciso ser bastante humilde com "um pé no hoje", porque a situação não é fácil. A situação pandémica não está totalmente resolvida. Há muitas incertezas.
Portanto, com um pé no hoje, é preciso ouvirmos, antes de mais nada, o que se passa à nossa volta e tentar ter alguma empatia, porque as pessoas com quem lidamos estão numa situação difícil. Mas apenas ouvir e explicar o que se passa não é suficiente. É preciso ter uma visão e levar as pessoas connosco, porque temos de dizer que esta crise terá um fim e que haverá oportunidades no fim desta crise. Também é preciso definir uma direção. A empatia é boa, mas é preciso ter uma visão e uma direção a definir, porque há esperança. É aí que lido mais com "o pé no amanhã".
O meu trabalho, como o de muitos líderes, é compreender estes novos mercados, esta nova oportunidade, moldar e preparar-me para isso e explicar à equipa que há alguma bondade no mundo lá fora. Sim, precisamos de continuar a lidar com a situação atual, mas precisamos de começar a preparar-nos para esse mundo futuro.
I.K.: Se olharmos para os números do Banco Mundial, por exemplo, eles mostram que milhões de pessoas vão mergulhar na pobreza, devido à crise da covid-19. Então, olhando para esta visão, para esta esperança de que está a falar, quando é que eles vão realmente sentir a mudança que os fará sair dessa pobreza, dessa recessão?
J.M.O.: Tem razão. Penso que quando se olha para isto do ponto de vista macroeconómico, a globalização e o desenvolvimento empresarial permitiram que muitos países saíssem da pobreza em grande escala. Quando se olha para o mundo no século XIX, início do século XX, os dias de hoje não são de todo perfeitos. Mas no fim de contas, o nosso trabalho é assegurar que mais pessoas em todo o planeta participem na economia global.
Vejo que, com um mundo mais sustentável, bem como com uma economia mais digital, isto dará oportunidade a mais pessoas. Muitas das economias emergentes já emergiram e beneficiarão do que veremos amanhã, algumas economias de alguns países terão ainda de emergir. O trabalho não está terminado, em termos de trazer todos para a economia global.
O que acho que é único, desta vez, com as alterações climáticas e o conceito de um tipo diferente de economia, é que todos terão de participar, porque temos de mudar como um planeta, não como uma única economia, ou um único país. Todos terão de contribuir para essa causa, porque não é algo que aconteça com muita frequência. Todos nós vivemos no mesmo planeta. Temos apenas um planeta e precisamos de cuidar dele.
I.K.: Ao olharmos para esse futuro, o qual provavelmente consegue ver mais claramente que muitos outros, a inteligência artificial vai desempenhar um papel fundamental. Mas muitas pessoas temem a inteligência artificial, temem a relação entre o homem e a máquina. Será esse medo fundamentado?
J.M.O.: Provavelmente usamos a palavra errada. Inteligência artificial soa a algo em competição com o homem. Vamos ter de repensar a forma como dividimos o trabalho entre homem e máquina, porque as máquinas serão capazes de fazer mais coisas muito úteis e a humanidade vai ter de fazer mais coisas de valor acrescentado. Mas não é realmente o homem a substituir a máquina, ou a máquina a substituir o homem, são coisas complementares que teremos de reorganizar. As empresas de sucesso serão aquelas que puderem especializar uma máquina onde as máquinas podem fazer melhor e especializar o homem nas tarefas de valor acrescentado, que trazem mais valor e melhores resultados para o cliente.
I.K.: Olhando para o mundo pós-pandémico, se continuarmos na tendência atual, para onde vai o mundo?
J.M.O.: Não estou preocupado com isso. A tendência atual, é bastante desafiante para o planeta, creio, mas, mesmo que olhemos para ela com toda a negatividade, como a pior crise económica, sim, as pessoas vão perder empregos, tudo isso é verdade. Mas a visão positiva é que, pela primeira vez, conseguimos encontrar uma vacina em menos de 12 meses. Por isso, quando se desafia realmente a humanidade, por vezes, obtêm-se coisas positivas.
Quando olharmos para esta pandemia, não sei o que vamos dizer sobre ela, mas certamente podemos dizer que foi difícil e doloroso para muitas pessoas. Mas o facto é que a humanidade tem sido capaz de fazer algo que nunca tinha feito antes. É uma questão de acreditar, ou não, que a ingenuidade humana continuará a produzir este tipo de resultados extraordinários. Se acreditarmos nisso, que é a minha opinião, vamos ter de o aproveitar, porque haverá outros desafios, como a transição energética e o digital. Tudo isto exigirá muita ingenuidade humana para resolver este problema.
I.K.: À medida que foi passando por esta pandemia, que tem sido um processo de aprendizagem para todos nós, o que é que descobriu sobre si?
J.M.O.: Aprendi muita humildade, porque quando se lida com algo que não se conhece, o melhor que se pode fazer é reconhecer que não se sabe. Sempre pensei que ser humilde era bom, mas agora acho que é realmente bom. E é algo em que muitos líderes têm dificuldade, porque a liderança foi sempre muito vista como "eu sei e vou explicar o que sei às outras pessoas". Neste caso, foi exatamente o oposto. É preciso lidar com algo que não se conhece. Ter este estilo de liderança de humildade, de escuta, de empatia foi certamente a fórmula vencedora, a meu ver, para este período atual.
I.K.: E em termos dos seus próprios valores, Jean-Marc Ollagnier, como é que esses valores mudaram? Falou de humildade, mas antes da pandemia e agora, que vivemos há um ano com ela, quão diferente é como pessoa?
J.M.O.: Para ser perfeitamente franco, em relação ao que aconteceu neste período de confinamento, muitos países passaram por um ou dois meses de confinamento, para mim, já passaram três meses, o que mudou para mim é que passei realmente três meses com toda a minha família em casa, o que não foi uma experiência de liderança, mas certamente uma experiência familiar que dá uma perspetiva diferente.
I.K.: E como é que isso mudou a sua perspetiva?
J.M.O.: A minha perspetiva, algo mudou em mim. Eu sabia que a família era importante, mas penso que é realmente muito importante e é realmente muito importante, porque provavelmente também dá um toque humano, em que podemos aprender com toda a gente. Pode aprender com a sua filha. Pode aprender com os seus empregados. Isso é certamente algo que não sei se descobri, mas que posso ter redescoberto.
I.K.: Como dizíamos, parte do seu trabalho, em alguns aspetos, é tentar prever e moldar o futuro. Portanto, se desse um conselho às pessoas que estão a olhar para esse futuro, que parece muito incerto, qual seria?
J.M.O.: Sou engenheiro de formação, o que significa que sou curioso. Penso que a curiosidade é importante, porque estamos num mundo onde muita inovação está a acontecer, e se se quiser moldar essa visão, é preciso ser-se curioso e compreender todas as coisas que acontecem à nossa volta.
Sempre fui apaixonado pela tecnologia e sempre fui apaixonado pelo clima, não sempre, mas há pouco menos de uma década, muito apaixonado. Quando se olha para o setor energético, as alterações climáticas, a sustentabilidade, vai haver aí muita inovação. Portanto, se não tiver essa curiosidade, se não tiver essa vontade de aprender, poderá perder parte dela. Penso também que é provavelmente disto que se trata a liderança. Tudo o que aprendi na escola já não é muito relevante. Portanto, é preciso continuar a aprender e é preciso ter curiosidade, ou motivação, porque, caso contrário, talvez não vá compreender realmente o que se passa à sua volta.