Julgamento do processo "Fizz" começa com ausente de peso: Manuel Vicente

Julgamento do processo "Fizz" começa com ausente de peso: Manuel Vicente
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De  Ricardo Figueira com LUSA
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Arrancam em Lisboa as audiências do processo que tem abalado as relações diplomáticas entre Angola e Portugal.

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Com agência LUSA

O julgamento da "operação Fizz", na origem da maior crise diplomática dos últimos tempos entre Angola e Portugal, começa esta segunda-feira com um grande ausente: Manuel Vicente. O ex-Vice-Presidente angolano, acusado de corrupção ativa e branqueamento de capitais, não vai estar presente na audiência, já que a defesa do antigo número dois do governo de Luanda, presidente da Sonangol à altura dos factos que lhe são imputados, pediu a separação dos vários processos em causa. Esse pedido deve, aliás, dominar o primeiro dia de audiências. Além disso, a justiça angolana alega nunca ter recebido a carta rogatória do Ministério Público (MP) português, em que é pedida a constituição de Manuel Vicente como arguido.

O advogado de Manuel Vicente tem alegado que o seu cliente nem sequer foi notificado da acusação de corrupção e branqueamento de capitais imputada pelo Ministério Público e entende que o antigo presidente da Sonangol não pode ser julgado neste processo em Portugal, devendo o assunto ser suscitado no período de questões prévias do julgamento.

Segundo a defesa, o processo sofreu vícios processuais que o afetam e colocam em causa.

Por outro lado, o presidente do coletivo de juízes, Alfredo Costa, já concordou com a posição do MP em recusar a transferência do processo de Manuel Vicente para Angola, decisão que está em recurso no Tribunal da Relação de Lisboa.

O magistrado enviou, a 07 de novembro de 2017, uma carta rogatória às autoridades de Angola para que Manuel Vicente fosse constituído arguido e que seja notificado de "todo o conteúdo da acusação proferida nos autos", explicando que dispõe de 20 dias contados a partir da data da notificação para requerer, caso assim o entenda, a abertura da instrução.

A recusa em transferir a matéria processual para as autoridades judiciárias angolanas, ao abrigo de convenções judiciárias com a CPLP, levou o Presidente angolano, João Lourenço, a classificar como "uma ofensa" a atitude da Justiça portuguesa, advertindo que as relações entre os dois países vão "depender muito" da resolução do caso. 

De que é acusado Manuel Vicente?

Vicente é acusado de corrupção ativa em coautoria com o advogado Paulo Blanco e Armindo Pires, branqueamento de capitais, em coautoria com Paulo Blanco, Armindo Pires e Orlando Figueira e falsificação de documento, com os mesmos arguidos. Ainda enquanto presidente da Sonangol, começou a ser investigado em Portugal num caso relacionado com a compra de uma casa de luxo no Estoril, um processo que ficou conhecido por "caso Portmill". Quando Vicente é convidado a integrar a administração angolana, com medo de eventuais consequências políticas, terá então oferecido "luvas" ao procurador português Orlando Figueira, que entretanto se afasta do cargo na justiça portuguesa e integra os quadros do Millennium BCP - onde Vicente tem lugar no Conselho de Administração - e mais tarde da filial Activo Bank e da Primagest, empresa ligada à Sonangol. Além dos cargos "confortáveis" no setor privado, Figueira terá recebido pagamentos num total de 760 mil euros para arquivar o processo contra Vicente. Figueira foi constituído arguido e colocado em prisão preventiva, que seria mais tarde alterada para prisão domiciliária.

**A sedução dos dólares angolanos **

Orlando Figueira é a outra peça-chave deste processo. O procurador português confessou estar a passar por uma separação e por dificuldades financeiras quando, em 2011, aceitou pedir uma licença sem vencimento do MP e começar a trabalhar no setor privado, mas alega que tudo se passou dentro da legalidade. Terá mesmo assinado um contrato para trabalhar em Angola, o que nunca chegou a acontecer. Em sua defesa, disse ao semanário SolO MP começou a investigação do fim para o princípio; Bem sabendo que tinham um inocente preso; que estavam a enlamear a figura de um Chefe de Estado também ele inocente, prejudicando de uma forma totalmente irresponsável as relações diplomáticas entre dois Estados Soberanos, Portugal e Angola. 

Nega as "luvas" que é acusado de ter recebido. Os contactos com Angola começaram com um convite de Paulo Blanco, advogado do Estado angolano, para participar na "semana da legalidade" que decorreu em Luanda em abril de 2011. Foi o primeiro de vários encontros com Vicente e com os seus representantes - encontros que passaram, muitas vezes, pelas mesas do Hotel Ritz em Lisboa. Blanco acabou também por ser constituído arguido neste processo. Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico, terá sido o autor do convite para que Figueira fosse trabalhar na banca e é outra das figuras-chave do processo, mas não é arguído. Já Armindo Pires, representante de Manuel Vicente em Portugal, é acusado no processo.

A primeira viagem de Figueira a Luanda deu-se em abril de 2011.

Cronologia

2016

**23 fev **

  • Manuel Vicente e o seu advogado, Paulo Blanco, são indiciados por corrupção ativa em coautoria, após buscas realizadas no escritório do causídico em Lisboa.
  • O procurador do Ministério Público Orlando Figueira é detido no mesmo dia pela Polícia Judiciária por corrupção e branqueamento de capitais, sendo suspeito de ter arquivado processos contra altos dirigentes angolanos a troco de "luvas".

25 fev

  • A juíza de instrução criminal determina prisão preventiva para Orlando Figueira, por considerar que há fortes indícios da prática do crime de corrupção passiva e também de branqueamento e falsidade.

  • O Ministério Público anuncia em comunicado que o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, não é arguido no âmbito da "Operação Fizz", que levou à prisão o procurador do Ministério Público Orlando Figueira.

  • As duas pessoas constituídas arguidas no âmbito da "Operação Fizz" são o procurador Orlando Figueira e o advogado Paulo Blanco, que representou o vice-Presidente de Angola na compra de um apartamento no edifício Estoril Sol, em 2012.

  • O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que não tem informação "credível" sobre a indiciação, em Portugal, do vice-Presidente, por corrupção ativa, escusando-se a comentar se a operação poderá afetar as relações bilaterais.

**26 fev **

  • A ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem, nega que o caso que levou à prisão preventiva do procurador Orlando Figueira tenha provocado um problema de credibilidade do Ministério Público.

27 fev

  • A Procuradoria-Geral da República confirma a realização de diligências de pesquisa no seu departamento de informática, no âmbito da "Operação Fizz", que levou à prisão do procurador do Ministério Público Orlando Figueira.
  • O jornal Público noticiou no mesmo dia que procuradores acompanhados por elementos da Polícia Judiciária estiveram na PGR para recolher informação eletrónica, já que é naquele edifício que estão localizados os servidores que suportam a rede do Ministério Público e armazenam o correio eletrónico dos procuradores.

29 fev

  • O embaixador de Angola em Portugal refere que os dois países trabalham para uma "melhoria permanente" das relações. "É bom costume não interferir nos assuntos que estão a ser tratados de modo competente por quem de direito", diz Marcos Barrica.

02 mar

  • -- O vice-Presidente angolano declara ser "completamente alheio à contratação" do procurador Orlando Figueira para o setor privado, assim como a "qualquer pagamento" de que alegadamente aquele magistrado beneficiou.

"Sou completamente alheio, nomeadamente, à contratação de um magistrado do Ministério Público português para funções no setor privado, bem como a qualquer pagamento de que se diz ter beneficiado, conforme relatos da comunicação social, alegadamente por uma sociedade com a qual eu não tinha nenhuma espécie de relação, e que não era nem nunca foi subsidiária da Sonangol", diz Manuel Vicente, que foi administrador da petrolífera angolana.

  • Numa nota enviada à Lusa, Vicente salienta que o seu envolvimento na investigação portuguesa "não tem, pois, qualquer fundamento", porém manifesta-se "totalmente disponível para o esclarecimento dos factos (...), de modo a por termo a qualquer tipo de suspeições".

**04 mar **

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  • O estatal Jornal de Angola denuncia, em editorial, a "instrumentalização da Justiça portuguesa" para "lançar na lama" o nome de dirigentes angolanos.

**22 jun **

  • O Tribunal da Relação de Lisboa altera a medida de coação de Orlando figueira para prisão domiciliária com pulseira eletrónica.

2017

**16 fev **

  • O Ministério Público acusa Orlando Figueira, Manuel Vicente, Paulo Blanco e Armindo Pires, representante em Portugal do vice-Presidente angolano.

  • Orlando Figueira é acusado de corrupção passiva, branqueamento (em coautoria com os outros três arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

  • Manuel Vicente, à data dos factos presidente da Sonangol, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), de branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

  • Entre os acusados estão ainda o advogado Paulo Blanco, que vai responder por corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Manuel Vicente e Armindo Perpétuo Pires), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (também em coautoria com os restantes arguidos).

  • Armindo Pires, representante em Portugal de Manuel Vicente, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Manuel Vicente), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

**16 fev **

  • Rui Patrício, advogado do vice-Presidente de Angola, afirma que o seu cliente não foi notificado, nem informado, de qualquer acusação.

**17 fev **

  • O Presidente português, Marcelo rebelo de Sousa, considera que a acusação ao vice-Presidente angolano corresponde ao "funcionamento normal das instituições" e à "separação de poderes em Portugal".
  • O embaixador de Angola em Lisboa remete para a justiça portuguesa a justificação da acusação ao vice-Presidente angolano, e separa o caso das relações institucionais entre os dois países. "Quem acusou é que sabe porque é que o fez, mas nós não estamos aqui para comentar isso", declara Marcos Barrica.

**21 fev **

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  • Uma visita programada da ministra da Justiça portuguesa a Angola é adiada "sine die", a pedido das autoridades angolanas.

22 fev

  • O ministro dos Negócios Estrangeiros afirma que o Governo português continua a preparar a visita do primeiro-ministro a Angola, prevista para a primavera.

**26 fev **

  • O Jornal de Angola retoma as críticas a Portugal, afirmando que "custa ver tanta falta de vergonha", a propósito da divulgação pela comunicação social do processo envolvendo Manuel Vicente.

**28 fev **

  • A UNITA, maior partido de oposição em Angola, classifica como "chantagem e ingerência nos assuntos de Portugal" a reação do Governo angolano à divulgação da acusação do Ministério Público português a Manuel Vicente e desafia as autoridades do seu país a investigar.

08 abr

  • A defesa do vice-Presidente angolano nega que Vicente se tenha recusado a vir a Portugal prestar esclarecimentos no processo, como é indicado no despacho do Ministério Público.

**05 jun **

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  • O ministro da Justiça angolano admite reequacionar a cooperação judiciária com Portugal, mostrando-se "estupefacto" por o Ministério Público português ter avançando para a fase Instrução no processo envolvendo Manuel Vicente, sem esperar pela resposta de Angola.

**21 jun **

  • O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decide levar a julgamento os arguidos.

  • No processo, que investigou crimes económico-financeiros, o vice-Presidente angolano é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira para que o procurador arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a alegada aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.

  • Em causa na 'Operação Fizz' estão alegados pagamentos de Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, a Orlando Figueira.

**21 set **

  • O ministro da Justiça de Angola, Rui Mangueira, avista-se em Lisboa com o Presidente português, mas não é revelado o teor da reunião.

22 ago

  • João Lourenço vence as presidenciais em Angola e sucede a José Eduardo dos Santos. Manuel Vicente deixa de ser vice-Presidente e é eleito deputado pelo MPLA.

**27 set **

  • A defesa de Manuel Vicente espera que um parecer pedido pelo primeiro-ministro português ao Conselho Consultivo do Ministério Público possa trazer "melhor luz ao caso e às questões legais e de Estado", mas o documento nunca foi revelado.

**04 out **

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  • O procurador-geral da República de Angola diz que as autoridades portuguesas chegaram a equacionar o envio do processo com a investigação ao ex-vice-Presidente angolano para Luanda, mas que recuaram após a publicação de uma Lei de Amnistia que abrange Manuel Vicente e outros políticos.

**23 out **

  • O ministro dos Negócios Estrangeiros português afirma que Portugal e Angola vão trabalhar "no sentido de novos passos" na agenda bilateral, salientando que as relações entre os dois países "nunca tiveram nuvens".
  • O embaixador de Angola em Portugal admite que as relações entre os dois países "estão neste momento numa frieza", como "de resto publicamente já se fez sentir".

**14 nov **

  • Segundo um documento a que a Lusa teve acesso, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa enviou a 07 de novembro uma carta rogatória às autoridades de Angola para que Manuel Vicente fosse constituído arguido.

**25 nov **

  • A Procuradoria-Geral da República de Angola garante que não recebeu qualquer carta rogatória proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

**29 nov **

  • O ministro das Relações Exteriores angolano avisa que enquanto o caso que envolve a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tiver um desfecho, Angola "não se moverá nas ações de cooperação com Portugal".

**30 nov **

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  • O chefe da Diplomacia angolana defendeu hoje a transferência para a Justiça do país do processo que envolve Manuel Vicente e garantiu que Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal.

**04 dez **

  • O ministro da Comunicação Social de Angola, João Melo, afirma que a investigação em Portugal a Manuel Vicente "foi mediatizada" quando este era vice-Presidente da República, demonstrando a "intencionalidade" da Procuradoria-Geral da República portuguesa.

2018

**08 jan **

  • O Presidente angolano, João Lourenço, classifica a atitude da Justiça portuguesa como "uma ofensa" para Angola e avisa que as relações com Portugal vão "depender muito" da resolução do caso em torno do caso do ex-vice-Presidente
  • O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público de Portugal, António Ventinhas, lembra que o "poder executivo não pode condicionar a atuação do poder judicial".
  • A defesa do antigo vice-Presidente de Angola considera que o processo judicial 'Operação Fizz' sofreu vícios processuais que o colocam em causa e que as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana.

09 jan

  • O juiz que vai julgar o caso concordou com a posição do Ministério Público em recusar a transferência do processo do antigo vice-Presidente angolano Manuel Vicente para Angola, decisão que foi objeto de recurso para a Relação, segundo informação prestada pela Procuradoria-Geral da República à Lusa.
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