Passados 20 anos da entrega da administração de Macau à China, o último governador português da região, Vasco Rocha Vieira, fala sobre as relações desenvolvidas entre os dois países.
A 20 de dezembro de 1999, Macau deixava de ser um território sob administração portuguesa e passava definitivamente para as mãos da China. A entrega foi feita depois de muitas negociações entre os dois países e da garantia de que, tal como Hong Kong, Macau ficaria sujeito a um regime especial e ao princípio "um país, dois sistemas".
20 anos depois, o balanço
Vasco Rocha Vieira, general português, foi o último governador do território. Em entrevista à Agência Lusa, fala sobre o papel de Macau nas relações político-económicas que ainda hoje se desenvolvem entre Portugal e China.
"Passados 20 anos para mim aquilo que é mais importante é ver que há uma continuidade, acho que deixámos boas condições, do ponto de vista dos equipamentos, das estruturas, do ambiente, da identidade de Macau, que é um fator fundamental para a sobrevivência de Macau", revela.
Enquanto governou Macau, Portugal teve de fazer o equilíbrio entre duas culturas distintas, mas que nunca entraram em confronto.
Para Vasco Rocha Vieira, *essa diferença pode ser assumida num aspeto de complementaridade, ou de antagonismo, e, em Macau, sempre houve complementaridade. O que aconteceu sempre ao longo da História, foi que Macau e a China encontram sempre soluções, o que, no fundo convinha às duas partes", negociações essas que "foram negociadas através de um entendimento que se prolongou. De tal maneira, que, hoje, as relações de Portugal com a China são muito fruto dessa presença de Portugal durante séculos em Macau".
A relação é hoje particularmente estreita, na política e nos negócios. De acordo com o antigo governador de Macau, não há dúvida de que Portugal está entre os parceiros privilegiados daquela que é uma das maiores economias do mundo.
"A China tem hoje - até por iniciativa própria - relações com Portugal que, posso dizer, não tem com mais ninguém. Tem uma parceria estratégica com Portugal que tem com poucos países, criou o Fórum da Cooperação Económica e Comercial com os países de língua portuguesa e estabeleceu-o em Macau. Macau tem essa vocação histórica que nós, durante o processo de transição, acentuámos, adaptando aos tempos modernos e à grande evolução da China, à modernização, e Macau ficou apto a desempenhar esse papel".
África é um continente no qual a China está a investir em força e os PALOP, como Angola, ou Moçambique, não são exceção. Também aqui Portugal tem uma palavra a dizer.
"A China vai para África, não porque tenha tido relações com Portugal em Macau. Ao interessar-se por ir para esses países, acha que Portugal podia ser um bom parceiro. Porque a China, quando vai pelo mundo, vai descobrir sinais do que os portugueses deixaram e de que foram capazes de lidar com povos e culturas muito diferentes, que o fizeram construindo nações, que acabaram esse processo e continuaram a ter laços de amizade. E isso é muito importante para a China ter uma perceção de como deve atuar e se deve relacionar com outros povos, portanto, tem interesse na experiência que nós lhe podemos dar, uma experiência que pouco povos têm".
E como garantir que a cultura lusófona e portuguesa se mantém viva em Macau? A implantação da língua portuguesa é pouca, mas, para Rocha Vieira, esse não é o aspeto mais importante.
"Não se pode pôr as pessoas todas a falar português de um momento para o outro, é muito mais importante que a legislação e os códigos de matriz ocidental e matriz portuguesa e que o tipo de vida e de valores e garantias ligadas ao ocidente e a Portugal, façam Macau continuar a distinguir-se do resto da China e a língua possa vir - ou não - atrás. O que interessa mais, face à situação que se vivia, é que a identidade de Macau esteja ancorada aos valores e à cultura dos princípios ocidentais nomeadamente dos portugueses. Portanto, Macau pode ser um polo de desenvolvimento dos nossos interesses naquela zona. É pena que , pro exemplo, a TAP não voe para lá, deixou de voar. É pena que não tenhamos aproveitado e que tivesse havido algum vazio entre o fim do processo de transição e a nossa perceção da importância que Macau tinha".
Vasco Rocha Vieira acredita que a presença portuguesa em Macau continua viva, o que se deve não só ao enraizamento da comunidade portuguesa e dos macaenses lusodescendentes, mas também a uma nova vaga de migrantes que partiu para o território há pouco tempo, à procura de novas oportunidades.