Mairead McGuinness: "A confiança mútua é essencial para um acordo entre a UE e o Reino Unido"

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A irlandesa é a nova Comissária Europeia para Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais. A euronews falou com ela sobre o Brexit e sobre a pandemia.

Nesta edição de Global Conversation, a euronews entrevistou a Comissária da UE Mairead Mc Guinness, nova titular da pasta dos Serviços Financeiros. Não é uma pasta fácil, no meio de uma preocupante recessão económica causada pela Covid-19 e a perspetiva do Brexit no horizonte.

Brexit

Michel Barnier descreveu as conversações como extremamente difíceis. Diria que nesta fase tardia mesmo um acordo comercial minimalista é melhor do que um colapso total?

Mairead Mc Guinness: Penso que isso é absolutamente verdade. Estamos a tentar conseguir um bom acordo comercial entre a União Europeia e o Reino Unido. De uma perspetiva europeia, o que estamos a tentar fazer é proteger o mercado único para os 27 Estados membros. Isso foi construído ao longo de décadas com o Reino Unido, que nos apoia muito. Há linhas que o Reino Unido não vai ultrapassar. Em última análise, como já disse muitas vezes, se conseguirmos afastar-nos da retórica e da emoção e virmos as coisas de um ponto de vista lógico, faz todo o sentido que possamos negociar um acordo comercial.

Aconteça o que acontecer com o Brexit, a confiança entre a UE e o Reino Unido está a um nível historicamente baixo. Pensa que isso será ultrapassado no próximo ano?

Sempre disse que a confiança é o cerne de qualquer relação e de qualquer conjunto de negociações. As questões em torno do acordo de retirada já foram resolvidas e esperamos que tudo esteja pronto no dia 1 de janeiro. É verdade que a confiança se perde subitamente e se reconstrói lentamente. Talvez seja por isso que as negociações têm sido especialmente difíceis, não só porque a Covid veio interromper tudo, mas porque há esta preocupação do lado da UE, porque a confiança foi quebrada. Agora estamos todos a tentar restaurar a confiança. Precisamos de trabalhar muito nisso, porque a única forma de se chegar a qualquer acordo com o Reino Unido é a confiança mútua. Devemos confiar na nossa palavra e na nossa assinatura. Isso foi testado pela decisão do Reino Unido e por isso há um pouco mais de hesitação do nosso lado em voltar a ter muita confiança.

Jean-Francois Badias/Copyright 2018 The Associated Press. All rights reserved.
Mairead McGuinnessJean-Francois Badias/Copyright 2018 The Associated Press. All rights reserved.

É uma situação estranha para si, porque a Irlanda foi, de certa forma, o melhor amigo do Reino Unido na cimeira da UE. No que toca à indústria dos serviços financeiros: O dia 4 de janeiro de 2021 será o primeiro dia de negociação nesta nova relação, após um ano de turbulência do mercado e da Covid-19. Nenhum dos lados quer ver mais perturbações financeiras. Pode dizer-nos como será o setor dos serviços financeiros no dia 4 de janeiro, no caso de haver acordo e, claro, no caso de não-acordo?

Essas são duas questões muito, muito importantes. O que posso dizer é que o meu papel aqui é assegurar a estabilidade financeira. Assim, nós, como União Europeia, tomámos um número mínimo de decisões de equivalência, para não abalar a estabilidade financeira até ao fim do período de transição. Também é verdade que a City de Londres é um centro financeiro muito importante que não pode mudar de um dia para o outro. Mas penso que haverá questões no seio da União Europeia em torno da autonomia estratégica aberta, em torno da dependência de um centro financeiro muito grande num país terceiro. E embora não haja quaisquer decisões ou mudanças imediatas, penso que a médio ou longo prazo isso irá evoluir. Portanto, não há decisões súbitas.

A City de Londres é um centro financeiro muito importante que não pode mudar de um dia para o outro (...) mas a UE não pode depender de um centro financeiro num país terceiro.
Mairead McGuinness
Comissária Europeia para Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais

Seria interessante ver como as negociações evoluem em torno de ter um acordo absoluto. Penso que se houver um acordo comercial alcançado, isso torna a política e as relações muito mais fáceis à medida que olhamos para questões mais complicadas porque, como sabem, o setor dos serviços financeiros não é abrangido pelo acordo comercial. Voltamos a esta questão central e fundamental sobre onde a Europa quer ter o seu centro de atividade financeira. E há possibilidades. Talvez não precisemos de ter um só centro financeiro no qual confiar. Certamente, a longo prazo, não continuará a ser a cidade de Londres.

E quanto a outros centros dentro da própria União Europeia? Essas são discussões e conversas que estão a acontecer. Portanto, não há clareza quanto ao futuro, mas há alguma certeza de que não vai ser como hoje e por razões muito concretas, porque o Reino Unido votou para deixar a União Europeia.

Covid-19

Há muitas perguntas que ainda não foram respondidas. Voltemos à pandemia de Covid-19. Provocou o caos económico aqui na UE. Pode garantir que o pacote de recuperação vai ajudar aqueles que mais precisam e não aumentar a desigualdade social na Europa?

Essa é uma questão muito importante. Não podemos permitir que os mais desfavorecidos o sejam ainda mais por causa da Covid. Há outros setores, e penso em particular nos serviços e turismo, onde o impacto tem sido devastador em todos os Estados-membros. Precisamos de injetar vida e esperança neste setor. Também precisamos de ter a certeza de que o nosso sistema financeiro é adequado ao fim a que se destina e que aqueles que estão sob pressão possam falar com os bancos para que possam reestruturar as dívidas, quando for esse o caso. Detestaria ver empresas e setores atingidos a curto prazo, incapazes de cumprir os compromissos, sendo que poderiam sobreviver se tivessem sido reestruturados a médio prazo.

O outro fator, e esta é uma realidade mais perturbadora, é que alguns setores não irão recuperar. E aqui pergunto-me o que irá acontecer aos comerciantes e às pequenas vilas e aldeias em toda a União Europeia devido à avalanche de compras online, o que salvou muitos, que de alguma forma se adaptaram à era digital. Mas, a longo prazo, terá acelerado uma tendência para mais transações digitais.

Mesmo no setor financeiro, temos assistido a uma avalanche de mudanças nas transações financeiras. Portanto, nenhum de nós compreende bem a paisagem que enfrentaremos dentro de um ano. Mas estamos a preparar-nos, pedindo aos Estados-membros que façam planos sobre como podem investir numa economia e numa sociedade mais verdes, mais digitais e mais sustentáveis.

Sobre o pacote de recuperação: Esses milhões e milhares de milhões terão, naturalmente, de ser pagos de volta. A questão é se é possível encontrar novos recursos para os reembolsar. Sei que os eurodeputados têm pressionado no sentido de haver um imposto sobre transações financeiras. Pensa nisso com seriedade?

Temos de encontrar recursos para pagar o dinheiro de volta, porque cada empréstimo tem de ser reembolsado. De momento, não temos a certeza sobre quantos instrumentos financeiros precisaremos para o fazer. Portanto, há muitas sugestões em torno de um imposto sobre o plástico, um imposto de ajustamento de carbono nas fronteiras… há todas estas outras possibilidades.

Finalmente, nesta nota, uma das suas tarefas é completar a união bancária. Qual é o prazo realista para completar isso?

Isto está na agenda da Comissão e dos Estados-membros há muito tempo. Penso que há um ímpeto renovado para dizer que precisamos da união bancária. Por isso, espero que no meu mandato, que é de mais quatro anos, possamos completar algumas das questões mais controversas em torno desta questão, como um sistema europeu de seguro de depósitos, que é muito importante a longo prazo para tentar reconstruir a confiança, tal como foi discutido, num outro plano entre os Estados-membros, devido à última crise económica. Notou-se uma falta de confiança entre os Estados-membros e há que reconstrui-la. Uma forma de o fazermos é perceber que as economias fortes, fracas, pequenas ou grandes foram todas afetadas pela Covid. A pandemia não foi muito seletiva. Apanhou os mais velhos, os mais novos, os mais ricos, os mais pobres. Não discriminou. Portanto, penso que nos deve unir melhor, no sentido de alcançarmos a união bancária ou, pelo menos, de darmos os passos significativos para que se torne uma realidade, de modo a podermos fazer operações bancárias transfronteiriças de forma segura, sabendo que temos um quadro estabelecido para permitir que isso aconteça.

A pandemia não foi muito seletiva. Apanhou os mais velhos, os mais novos, os mais ricos, os mais pobres. Não discriminou.
Mairead McGuinness
Comissária Europeia para Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais
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