A Europa tem assistido a uma tendência crescente de aumento da popularidade dos partidos de extrema-direita e da subida ao poder dos partidos conservadores. Porque é que a Espanha contrariou esta tendência?
Em maio passado, depois da direita ter derrotado a esquerda na maioria das regiões espanholas nas eleições autárquicas, os conservadores tiveram de ceder. Não podiam governar sozinhos.
Assinaram mais de uma centena de acordos para formar coligações locais e governar nas câmaras municipais e nos governos regionais de toda a Espanha com o partido de extrema-direita Vox.
A primeira polémica teve lugar em Valência. O candidato do Vox, que tinha sido condenado por violência de género no passado, exigiu um lugar no governo regional em troca da maioria de que o Partido Popular conservador carecia para governar.
Seguiu-se a retirada das bandeiras LGTBQ+ das câmaras municipais durante as celebrações do Orgulho e o cancelamento da representação teatral de uma das obras mais transgressoras de Virginia Woolf na região de Madrid.
Em apenas dois meses, o partido de extrema-direita Vox deixou uma marca profunda, entre as eleições regionais e as eleições antecipadas convocadas por Pedro Sánchez.
A região de Castilla y León foi a primeira a ver o partido governar. Há pouco mais de um ano, o Vox chegou ao poder de mãos dadas com o conservador Partido Popular, que precisava de um parceiro de coligação para governar.
Na altura, Santiago Abascal, líder do Vox, afirmou que o acordo "serviria de modelo para o resto de Espanha".
As suas palavras tornaram-se realidade. Mas não da forma que o partido de extrema-direita esperava.
Os espanhóis contradisseram Abascal.
Em Castilla y León, a região que o Vox se gabava de ser um "modelo", o partido perdeu cinco dos seis deputados que tinha. No resto de Espanha, o partido perdeu 600 000 votos e passou de 52 para 33 lugares no parlamento nacional.
Estes resultados não só contrariaram as expetativas do partido, como também a linha eleitoral estabelecida pela maioria dos Estados-Membros da UE.
É o fim do sonho da extrema-direita europeia?
Ao longo do último ano, a Europa tem assistido a uma tendência crescente de aumento da popularidade dos partidos de extrema-direita e da subida ao poder dos partidos conservadores.
Viktor Orbán revalidou o mandato na Hungria em abril de 2022; em setembro, Giorgia Meloni tornou-se primeira-ministra italiana; na Suécia, os conservadores conseguiram governar graças aos votos da extrema-direita nas eleições do outono passado.
Esta primavera, a Finlândia conseguiu um governo de direita apenas com o apoio da extrema-direita; os recentes protestos em França impulsionaram Marine Le Pen nas sondagens e as últimas eleições mostraram uma ascensão da extrema-direita em Portugal.
Os resultados desta semana em Espanha, que também apontavam na mesma direção, contrariaram a tendência no continente.
Embora o Vox continue a ser o terceiro partido mais votado a nível nacional, os resultados não são favoráveis para os seus aliados europeus.
A perda de lugares e a impossibilidade de formar um governo de coligação com o Partido Popular acabaram com as esperanças dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), presididos pela primeira-ministra italiana Giorgia Meloni.
"Até em Espanha é tempo de patriotas", proclamou Meloni durante um comício eleitoral do Vox no país.
No entanto, parece que a celebração vai ter de esperar.
"É claramente um revés para aqueles que acreditavam que a quarta maior economia da zona euro e o quarto país mais populoso da União Europeia poderia ter um governo que incluísse a extrema-direita", disse à Euronews Carme Colomina, investigadora sénior especializada na União Europeia no Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona.
"No entanto, o grupo ECR vai continuar a ser um dos grupos mais importantes no hemiciclo e o Vox vai continuar a ter uma representação importante no Parlamento Europeu", acrescentou.
O especialista aponta para a normalização da extrema-direita na Europa, muito distante do ano 2000, quando foi formado o primeiro governo de coligação com um partido de direita radical liderado por Jörg Haider, na Áustria.
"No início, a UE impôs um castigo simbólico de seis meses para mostrar que não se tratava de uma coligação do seu agrado. Mas, a partir daí, a evolução dos resultados eleitorais da extrema-direita e a sua normalização aceleraram-se", afirma Colomina.
O Vox é menos apelativo do que outros partidos de extrema-direita?
A última votação em Espanha mostra que a coligação entre a direita conservadora e a extrema-direita não será capaz de governar. Somando os votos obtidos, a coligação tem 169 lugares, ficando aquém dos 175 necessários para uma maioria.
Houve pouca autocrítica e muitas acusações entre os conservadores e o Vox.
Muitos especialistas sugeriram que o partido liderado por Abascal é mais radical do que os da família europeia.
"Comparado com outros partidos de extrema-direita, como o FPO austríaco, o RN de Le Pen ou o FDL de Meloni, o Vox é um dos partidos de extrema-direita mais jovens, mais radicais e menos sofisticados da UE", disse Alberto Alemanno, professor de Direito e Política Europeia na École des Hautes Études Supérieures de Commerce, em Paris, à Euronews.
"A sua passagem pelas autarquias provou que o pior receio da esquerda era verdadeiro: Os governos locais do Vox censuraram livros e filmes, retiraram as bandeiras LGBT das câmaras municipais. Em vez de procurar a 'normalização' como os seus pares - Le Pen e Meloni - fizeram para se tornarem mainstream, o VOX permaneceu radicalmente antagónico".
"Os espanhóis repararam e ficaram assustados porque a ditadura ainda está fresca no imaginário político do país", acrescentou.
Carme Colomina, do Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona, concorda e acredita que o "tiro" estratégico pode ter saído pela culatra.
"Uma vez no governo, o Vox alimentou uma guerra cultural em Espanha que visou diretamente os direitos conquistados nos últimos anos e que eram consensuais na sociedade espanhola", afirma.