O fim de Prigozhin mudou os planos russos em África?

Putin com o presidente da Guiné Bissau, Umaro Sissoco Embalo, em São Petersburgo
Putin com o presidente da Guiné Bissau, Umaro Sissoco Embalo, em São Petersburgo Direitos de autor ALEXEY DANICHEV/AFP
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De  Nuno Prudêncio
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Putin apela ao combate contra o neocolonialismo ocidental em África, enquanto o Ministério da Defesa russo estará a planear tomar o lugar do grupo Wagner

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As muitas vidas de Yevgeny Prigozhin, o controverso líder do Grupo Wagner, chegaram a um fim abrupto a 23 de agosto. Menos de um mês antes, Vladimir Putin dizia em São Petersburgo, na cimeira Rússia-África, que era urgente lutar contra o neocolonialismo dos países ocidentais. O fim de Prigozhin colocou em risco os planos russos para o continente africano?

Muito do que a Rússia e o grupo Wagner fizeram nos últimos dois anos passou por mostrar o dedo do meio à França
Pauline Bax
International Crisis Group

Segundo Yan St-Pierre, especialista do Eastern Circles, "Prigozhin era um CEO, ou seja, a organização funciona independentemente dele,assim como toda a infraestrutura em torno da organização, para a qual África é essencial em termos de financiamento, de lavagem de dinheiro, entre outros. Toda essa infraestrutura ainda está a funcionar". 

Pauline Bax, do International Crisis Group, salienta que "os responsáveis militares russos, desde o vice-ministro da Defesa a oficiais dos serviços secretos, vieram visitar alguns destes países. A República Centro-Africana, o Mali, houve contactos com os líderes do Burkina Faso, e foi deixado claro que o Ministério da Defesa russo ia assumir o controlo do grupo Wagner".

Menos de 1% dos investimentos estrangeiros em África vêm da Rússia

Antes de se ver isolada diplomaticamente por causa do conflito ucraniano, a Rússia de Putin fazia ambiciosas promessas a África. Na primeira cimeira com os líderes africanos, em Sochi, em 2019, o presidente russo garantia que ia conseguir duplicar o volume das trocas comerciais entre os dois blocos em cinco anos. Não só não aconteceu, como até diminuiu.

TELEGRAM / @ RAZGRUZKA_VAGNERA / AFP
Prigozhin dizia que pretendia ajudar África a libertar-seTELEGRAM / @ RAZGRUZKA_VAGNERA / AFP

Na verdade, a Rússia não está a canalizar grande capital para África. No total, representa menos de 1% dos investimentos diretos estrangeiros no continente. As trocas comerciais rondam os 16 mil milhões de euros, o que configura cerca de 5% do que o bloco europeu investe. Mais de dois terços das exportações (sobretudo cereais) centram-se em apenas quatro países: Marrocos, Argélia, Egito e África do Sul.

No que diz respeito à venda de armas, é diferente. Em 2022, Moscovo suplantava Pequim enquanto principal fornecedor de armas a África, perto de 40% do total. O equipamento é mais acessível do que os equivalentes ocidentais e é compatível com o material que sobreviveu da era soviética. 

Este verão, no espaço de um mês, houve dois golpes de Estado - no Níger (26 de julho) e no Gabão (30 de agosto). Mesmo ao lado, os exemplos repetem-se: Mali, Guiné, Burkina Faso, Sudão, Chade, quase todos situados na linha de transição subsariana.

Moscovo: a alternativa realista ao Ocidente

Numa altura em que se sucedem transições de poder com armas, questiona-se: os alvos da Rússia são meramente geopolíticos

"Muito do que a Rússia e o grupo Wagner fizeram nos últimos dois anos, para ser muito direta, passou por mostrar o dedo do meio à França. A França tem sido o alvo principal. Incidiram sobre antigas colónias francesas em África. E funcionou surpreendentemente bem. No entanto, a Rússia não faz investimentos, não ajuda ao desenvolvimento, não fornece assistência humanitária", diz Pauline Bax.

Para Yan St-Pierre, destaca-se "o facto de apoiarem a dinâmica dos mais jovens, dizendo: "apoiamos o que fizerem e não vos vamos julgar se houver abusos dos direitos humanos". Isso é bem recebido. Aquilo que a Rússia faz bem é dar uma alternativa àquilo que os países ocidentais oferecem ou têm oferecido nas últimas décadas".

Ao retirar influência ao Ocidente, Moscovo arrecada apoios que escasseiam no panorama internacional. Os países africanos detêm 54 votos na assembleia-geral da ONU, o que configura um dos blocos regionais mais fortes.

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