Mulheres que dizem ter sido abusadas por um jesuíta outrora famoso exigem transparência ao Vaticano

A advogada Laura Sgro, à esquerda, ouve Gloria Branciani durante uma conferência de imprensa em Roma, a 21 de fevereiro de 2024.
A advogada Laura Sgro, à esquerda, ouve Gloria Branciani durante uma conferência de imprensa em Roma, a 21 de fevereiro de 2024. Direitos de autor AP Photo/Alessandra Tarantino
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Artigo publicado originalmente em inglês

O artista-sacerdote Marko Rupnik é acusado de ter abusado sexualmente cerca de 20 muheres durante a sua atividade na comunidade eslovena de Loyola. Duas freiras revelam em entrevista a violência psicológica de que foram alvo.

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Duas antigas freiras, Gloria Branciani e Mirjam Kovac, pediram ao Papa Francisco para lançar uma investigação independente contra o reverendo Marko Rupnik, um artista jesuíta-sacerdote, acusando-o de tê-las submetido repetidamente a abusos sexuais e psicológicos na comunidade de Loyola, na década de 1990. Depois de anos de reclamações de outras irmãs, o departamento doutrinário do Vaticano reuniu informações e está a ultimar procedimentos.

A história de duas freiras contra Rupnik

Gloria Branciani, 59 anos, compareceu numa conferência de imprensa com uma das mais proeminentes advogadas acreditadas pelo Vaticano em Roma, Laura Sgro, para contar a sua história em público pela primeira vez. 

A ex-freira descreveu em pormenor os alegados abusos do Rev. Marko Rupnik, incluindo o seu gosto por sexo a três "à imagem da Trindade" que, a confirmar-se, poderá constituir uma grave perversão da doutrina católica conhecida como falso misticismo.

Papa Francisco desconhecia

Gloria Branciani denunciou Rupnik pela primeira vez em 1993.  Na sequência, deixou a comunidade eslovena de Rupnik. A ex-irmã exigiu que a história do escândalo Rupnik e o encobrimento fossem tornados públicos. Branciani acredita que o Papa ainda estava no escuro sobre os detalhes dos abusos.

"Rupnik sempre foi protegido por todos, e tudo o que se dizia contra ele, era minimizado ou negado", disse Branciani na conferência de imprensa conjunta. 

"Esperamos que o nosso testemunho estimule maior transparência e consciência por parte de todos, e talvez também do Papa que não estava realmente ciente dos eventos que aconteceram".

"As instituições, em vez de se inspirarem com a nossa experiência para rever formas de agir, continuam a fechar-se no silêncio, como uma parede de borracha que absorve cada tentativa de curar o problema", disse Mirjam Kovac durante a conferência.

Quem é o artista-sacerdote Marko Rupnik

Famoso pelos mosaicos que decoram igrejas e basílicas em todo o mundo, incluindo o santuário católico de Lourdes, na França, a próxima catedral de Aparecida, no Brasil, e a capela Redemptoris Mater do Palácio Apostólico, Marko Rupnik foi expulso da Ordem dos Jesuítas no ano passado depois que de recusar responder sobre alegações de abuso espiritual, psicológico e sexual por cerca de vinte mulheres. A maioria delas, como Branciani, eram membros da comunidade religiosa de inspiração jesuíta fundada na sua Eslovénia natal, que desde então tem sido suprimida.

O escândalo Rupnik tem sido manchete por mais de um ano por especulação de que teria recebido tratamento preferencial dada a sua proeminência como artista jesuíta de renome mundial e pregador de um Vaticano dominado por jesuítas. 

O chefe do Vaticano responsável por crimes sexuais e sacramentais também pertence à ordem, tal como Francisco.

Caso Rupnik reaberto pelo Papa Francisco

Numa entrevista à Associated Press, em 2023, o Papa Francisco disse que tinha intervindo no caso apenas por motivos processuais e que não conhecia os pormenores.

O antigo superior jesuíta de Rupnik, o reverendo Johan Verschueren, disse que não tinha contato com o advogado de Rupnik. Não houve resposta imediata a um e-mail do seu estúdio de arte Centro Aletti e do centro ecuménico em Roma que tem defendido o artista-sacerdota firmemente. A diocese de Koper, na Eslovénia, que acolheu Rupnik depois de este ter sido expulso dos jesuítas, referiu-se a uma declaração de outubro dizendo que ele não tinha sido condenado por nenhum tribunal e que se presumia inocente.

Após a conferência de imprensa de Branciani, o gabinete de imprensa do Vaticano fez uma atualização sobre a investigação, dizendo que o Dicastério para a Doutrina da Fé tinha "acabado de receber os últimos elementos" da documentação de várias instituições, incluindo algumas que não tinham sido ouvidas anteriormente.

"Agora será uma questão de estudar a documentação adquirida para poder identificar quais os procedimentos possíveis e úteis a serem implementados", diz o comunicado.

Na conferência de imprensa, Branciani descreveu um caso exemplar de manipulação de consciência, abuso sexual e falso misticismo, que o gabinete de doutrina tem tradição em processar. Depois de dizer que passou por anos de manipulação psicológica, aliciamento e avanços sexuais, inclusive enquanto Rupnik pintava o rosto de Jesus, ela disse que acabou por perder a virgindade com ele.

A certa altura, disse que, segundo Rupnik, "a nossa relação não era exclusiva, mas tinha de ser uma relação à imagem da Trindade".

"E assim, como prova de que as nossas relações eram verdadeiramente em liberdade, tivemos de convidar outra irmã para viver sexualmente connosco, porque essa irmã teria o significado da terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo, que unia a nossa maneira de nos relacionarmos. E ele até propôs o nome da irmã", conta.

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O dicastério do Vaticano trata dos crimes de abuso sexual de menores e dos crimes sacramentais. Nos anos 1950, sancionou um padre dominicano francês, o reverendo Thomas Philippe, por falso misticismo e outros crimes, depois de ter pervertido a espiritualidade católica, a arte religiosa e o sexo para justificar o abuso de mulheres, afirmando que Jesus e Maria estavam envolvidos em relações sexuais incestuosas.

O gabinete tomou a primeira e única ação do Vaticano contra Rupnik em 2020, quando o declarou excomungado por ter cometido um dos crimes mais graves da lei da Igreja, usando o confessionário para absolver uma mulher com quem tinha tido relações sexuais.

A excomunhão foi levantada duas semanas depois de Rupnik ter pago uma indemnização à vítima. No ano seguinte, depois de nove membros da comunidade eslovena o terem acusado de outros abusos, o dicastério optou por não o processar, alegando que os alegados abusos tinham ocorrido há demasiado tempo. O dicastério renuncia habitualmente ao estatuto de limitações para casos antigos que envolvem abusos de menores.

O resultado sublinhou a forma como a hierarquia católica se recusa sistematicamente a considerar o abuso espiritual e sexual de mulheres adultas como um crime que deve ser punido, mas antes como um lapso de castidade sacerdotal que pode ser perdoado, sem ter em conta o trauma que causa às vítimas.

Grupo norte-americano dedica-se ao registo de abusos na igreja

Na conferência de imprensa conjunta, Branciani estava acompanhada por Mirjam Kovac, que foi secretária do fundador da comunidade e que também denunciou os abusos de que foi vítima.

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O evento foi organizado pelo BishopAccountability, um grupo norte-americano que documenta abusos sexuais e psicológicos. A sua cofundadora, Anne Barrett-Doyle, apelou a uma prestação de contas pública completa sobre o encobrimento de Rupnik, à semelhança do relatório do Vaticano de 2020 sobre o encobrimento do ex-cardeal Theodore McCarrick, que incluiu bispos, cardeais e até papas que minimizaram ou rejeitaram a sua má conduta durante décadas.

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