O presidente interino da Síria efetuou uma visita sem precedentes à capital russa na quarta-feira, devendo exigir que o Kremlin extradite o ditador Bashar al-Assad.
O presidente interino da Síria, Ahmad al-Sharaa, fez uma visita oficial sem precedentes a Moscovo na quarta-feira, menos de um ano depois de ter liderado uma rápida ofensiva rebelde que depôs um dos principais aliados estrangeiros da Rússia, o ditador Bashar al-Assad.
Al-Assad era um aliado da Rússia e a intervenção de Moscovo a seu favor, há uma década, inverteu a maré da guerra civil síria, mantendo al-Assad no lugar até à sua rápida destituição em dezembro.
Agora, espera-se que al-Sharaa, que foi recebido no Kremlin com todas as honras, exija a extradição de al-Assad para que este possa ser julgado no seu país.
Al-Sharaa, que também cortejou os EUA e o Ocidente desde que chegou ao poder em dezembro de 2024, adotou uma abordagem pragmática com Moscovo, permitindo que a Rússia mantenha o controlo das suas bases aéreas e navais na costa síria, apesar de estarem em lados opostos da guerra de 13 anos.
No período que antecedeu a reunião, o Kremlin afirmou que o futuro das bases estava na agenda de Moscovo.
Al-Sharaa não mencionou as bases russas nos seus breves comentários televisivos no início da reunião, mas sublinhou os "laços históricos" entre os dois países e referiu a importância de os desenvolver.
O presidente russo, Vladimir Putin, saudou-o pela organização das eleições legislativas na Síria, que considerou um "grande sucesso".
Al-Assad: um assunto incómodo para Moscovo
Apesar de não mencionar explicitamente o elefante na sala, é de esperar que al-Sharaa aborde o tema do futuro de al-Assad na Rússia.
Moscovo, que se concentrou na sua guerra total na Ucrânia e manteve apenas um pequeno contingente militar na Síria, não tentou ir em auxílio de al-Assad e ajudar a repelir a ofensiva rebelde. No entanto, a Rússia deu asilo a al-Assad depois deste ter fugido do país.
Numa entrevista recente ao programa 60 Minutes da CBS News, al-Sharaa afirmou que as autoridades sírias "utilizarão todos os meios legais disponíveis" para exigir o julgamento de al-Assad.
Até à data, o Kremlin tem evitado o assunto.
Em declarações aos jornalistas na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, sublinhou que Moscovo concedeu asilo a al-Assad por razões humanitárias, uma vez que "ele e a sua família enfrentavam o extermínio físico".
Lavrov rejeitou as alegações de que o antigo presidente sírio teria sido recentemente tratado por envenenamento, afirmando que "não teve problemas em viver na nossa capital e não houve envenenamentos".
A viagem de alto nível de Al-Sharaa a Moscovo foi precedida de visitas de delegações russas a Damasco em janeiro e setembro, enquanto o ministro dos Negócios Estrangeiros da Síria, Asaad al-Shibani, visitou Moscovo em julho.
Para o novo governo sírio, a manutenção dos laços com a Rússia é importante para a reconstrução do país devastado pela guerra e constitui uma forma de diversificar a sua política externa.
Para o Kremlin, é essencial manter as suas bases navais e aéreas na Síria, postos avançados cruciais para manter a presença militar da Rússia no Mediterrâneo.
Na entrevista à CBS, al-Sharaa referiu que "a Rússia tem relações estreitas e de longa data com a Síria, que se relacionam com a estrutura básica do Estado e com a energia e os alimentos, para os quais a Síria depende em parte dos fornecimentos russos, bem como com alguns interesses estratégicos antigos".
A guerra na Síria, que começou em março de 2011, resultou na morte de cerca de 500 000 pessoas e deslocou metade da população de 23 milhões de pessoas. Mais de 5 milhões de sírios fugiram como refugiados, alguns dos quais para a Europa.
Embora muitos sírios esperassem inicialmente estabilidade após a destituição de al-Assad, os ataques sectários contra membros da minoria alauíta, em março, e contra a minoria drusa, em julho, causaram centenas de mortos e reavivaram as preocupações com a segurança.
Al-Sharaa teve um encontro pessoal com Donald Trump, em maio, na qual o líder norte-americano o descreveu como um "tipo jovem e atraente".
"Um tipo duro. Passado forte. Um passado muito forte. Lutador", disse Trump.
"Ele tem uma verdadeira hipótese de se aguentar... É um verdadeiro líder. Ele liderou um ataque, e ele é bastante surpreendente", acrescentou o presidente dos EUA.
O encontro entre os dois líderes abriu caminho para que os Estados Unidos levantassem as sanções impostas a al-Assad para pressionar o seu regime, num contexto de denúncias de crimes de guerra e violações dos direitos humanos.
As táticas de terra queimada de Moscovo durante a sua intervenção militar na Síria a favor de al-Assad, que teve início em 2015, resultaram em milhares de mortes de civis e agravaram a crise dos refugiados sírios.
Um relatório do Conselho dos Direitos Humanos da ONU de 2020 declarou que as ações da força aérea russa na Síria "constituíram um crime de guerra".