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Estará o boom de gastos da Europa a alimentar uma nova e perigosa espiral de dívida?

 Ursula von der Leyen, o Presidente da Finlândia, Stubb, o Chanceler da Alemanha, Merz, e o Primeiro-Ministro de Itália, Meloni. Washington. 18 de agosto de 2025.
Ursula von der Leyen, o Presidente da Finlândia, Stubb, o Chanceler da Alemanha, Merz, e o Primeiro-Ministro de Itália, Meloni. Washington. 18 de agosto de 2025. Direitos de autor  AP/Alex Brandon
Direitos de autor AP/Alex Brandon
De Piero Cingari
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Os planos de despesa da Europa estão a fazer subir os níveis de dívida, alimentados pelo estímulo da Alemanha e pelo aumento dos orçamentos da defesa. No entanto, à medida que os governos aumentam as despesas, os especialistas alertam para o facto de os mercados estarem a tornar-se menos tolerantes.

Após anos de relativa tranquilidade, a política orçamental está prestes a voltar a ocupar um lugar central na narrativa económica da zona euro.

À medida que os Estados-Membros revelam os seus planos orçamentais para 2026, é dada uma atenção renovada aos défices, à dinâmica da dívida e à sustentabilidade das finanças públicas, indicadores que tinham recuado durante a recuperação europeia pós-pandemia.

O último Monitor Orçamental do Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma deterioração gradual mas persistente das perspetivas orçamentais da zona euro.

Prevê-se que o défice orçamental agregado da região aumente de 3,2% do PIB em 2025 para 3,4% em 2026, atingindo 3,6% em 2027 e 3,7% em 2030.

Embora os défices acima do limiar de Maastricht de 3% se tenham tornado a norma desde a pandemia, as projeções do FMI confirmam que o reequilíbrio orçamental continua a ser difícil de alcançar.

Prevê-se que a dívida pública aumente em simultâneo. O rácio global da dívida em relação ao PIB da zona euro, que tinha estabilizado nos últimos anos, deverá agora aumentar de 87,8% em 2025 para 92,2% em 2030. O ónus não está distribuído uniformemente pelos Estados-Membros.

A França e a Bélgica deverão registar os aumentos mais acentuados dos níveis de dívida, com a França a passar de 116,5% do PIB em 2025 para 129,4% em 2030 e a Bélgica a passar de 107,5% para 122,6% no mesmo período.

A Alemanha, tradicionalmente vista como um modelo de prudência orçamental, deverá aumentar o seu rácio da dívida em mais de 9 pontos percentuais, de 64,4% para 73,6%.

A Itália, que já se encontra entre as economias mais endividadas do bloco, registará uma trajetória mais estável - subindo marginalmente de 136,8% em 2025 para 137,0% em 2030, embora continue a manter um dos mais elevados encargos da dívida a nível mundial.

Em contrapartida, espera-se que Espanha e Portugal reduzam os seus rácios da dívida, refletindo um crescimento nominal mais forte e a continuação da consolidação orçamental. Prevê-se que a dívida de Espanha diminua de 100,4% para 92,6%, enquanto a de Portugal desce de 90,9% para 77,4%.

A Grécia está numa trajetória constante de redução da dívida, prevendo-se que o seu rácio desça de 146,7% em 2025 para 130,2% em 2030.

Já a Irlanda e os Países Baixos devem continuar a ser as economias mais resistentes do ponto de vista orçamental da zona euro. Prevê-se que o rácio dívida/PIB da Irlanda diminua de forma constante, passando de 33,0% em 2025 para apenas 28,2% em 2030, enquanto os Países Baixos registam um aumento gradual de 44,0% para 48,5%, o que continua a ser um dos mais baixos do bloco.

Projeções do FMI para a dívida pública da zona euro e dos principais Estados-Membros (2025-2030)

A política orçamental será o centro das atenções

Os economistas da Goldman Sachs prevêem uma mudança modesta mas clara em 2026.

"Esperamos que a política orçamental assuma um papel central nas perspetivas económicas da zona euro", escreveram num relatório recente.

Esta mudança será impulsionada pelo "lançamento do pacote orçamental alemão, pelo aumento das despesas com a Defesa e pela continuação das tensões orçamentais em França."

A Alemanha está no centro desta viragem expansionista. De acordo com a Goldman, o défice na Alemanha aumentará de 2,9% para 3,7% do PIB, refletindo a implementação de um grande pacote orçamental aprovado no início de 2025.

Em França, a fragmentação política continua a pesar na consolidação orçamental. A Goldman prevê que o saldo orçamental melhore apenas marginalmente, de 5,4% para 5,3% do PIB.

Embora os níveis de dívida estejam a aumentar em grande parte da Europa, a Kroll Bond Rating Agency (KBRA) sublinha que as trajetórias orçamentais estão a divergir significativamente.

"Entre os maiores soberanos da Europa - França, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Itália - parecem estar sob pressão, enquanto Portugal, a Irlanda e a Grécia destacam-se como tendo um desempenho relativamente superior", escreveu Ken Egan, diretor sénior da KBRA, num relatório partilhado com a Euronews.

As pressões orçamentais estruturais - que vão desde o envelhecimento da população aos custos da transição climática e à renovação das despesas com a Defesa - estão a intensificar-se.

As despesas com a Defesa, em particular, deverão aumentar para 3,5% do PIB até 2035, e a KBRA estima que, mesmo até 2030, o aumento poderá alargar os saldos orçamentais em 0,9 pontos percentuais, apesar do apoio de mecanismos a nível da UE como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

Entretanto, a periferia tradicional da zona euro está a dar sinais de disciplina orçamental. Portugal, a Irlanda e a Grécia - outrora no epicentro da crise do euro - registaram progressos substanciais nos saldos primários e na sustentabilidade da dívida, embora com um impacto mais limitado no mercado devido à menor dimensão das suas obrigações soberanas.

Os "vigilantes das obrigações" estão de volta à Europa?

Os governos estão de novo a gastar mais, mas os mercados podem já não estar dispostos a perdoar, segundo os especialistas.

"Nos mercados obrigacionistas, agora mais vigilantes", observou a KBRA, "os investidores são rápidos a reavaliar o stress e a testar a credibilidade fiscal."

Um vigilante de obrigações é um comerciante que vende obrigações como forma de protesto contra a política do governo.

Com 40-45% da dívida pública da zona euro a ter de ser refinanciada no prazo de três anos, o aumento dos custos dos empréstimos poderá traduzir-se rapidamente em maiores despesas com juros.

A subida das taxas de rendibilidade das obrigações em toda a zona euro poderá sobrecarregar ainda mais os orçamentos nacionais, amplificando as pressões orçamentais.

Para um governo médio da zona euro com níveis de dívida próximos de 90% do PIB, o KBRA estima que um aumento de 100 pontos base nas taxas de rendibilidade aumentaria as despesas anuais com juros até 0,46% do PIB no prazo de três anos - acrescentando cerca de 20 mil milhões de euros ao orçamento anual da Alemanha ou 10 mil milhões de euros ao da Itália.

"A tónica deve passar de investir mais para investir melhor: revisões mais rigorosas das despesas, condutas disciplinadas e investimentos que aumentem o património líquido", afirmou Ken Egan.

Política orçamental de novo em foco

As perspetivas orçamentais da zona euro estão a entrar numa nova fase, marcada por estratégias nacionais divergentes, elevados níveis de endividamento e um mercado obrigacionista mais reativo.

Embora o bloco, no seu conjunto, beneficie de mercados de capitais profundos e de uma gestão orçamental flexível, os próximos anos irão testar a credibilidade e a adaptabilidade das políticas orçamentais dos Estados-Membros.

À medida que 2026 se aproxima, a política orçamental já não é uma força silenciosa em segundo plano - está, mais uma vez, na vanguarda da história económica da zona euro.

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