Nasce uma estrela das redes sociais: Conheça a proprietária de uma loja chinesa, Angela, a mais recente sensação de Itália

Angela da An.Megastore em Roma. Quarta-feira, 27 de setembro de 2023.
Angela da An.Megastore em Roma. Quarta-feira, 27 de setembro de 2023. Direitos de autor Andrea Carlo Martinez/Euronews
Direitos de autor Andrea Carlo Martinez/Euronews
De  Andrea Carlo
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Artigo publicado originalmente em inglês

Conhecida pelos seus vídeos humorísticos e frases icónicas, Angela, 59 anos, proprietária de uma mega-loja em Roma, conquistou um enorme número de seguidores na Internet. Mas o que levou ao sucesso repentino? Estará ela a combater ou a reforçar os estereótipos étnicos?

PUBLICIDADE

"Ci penso io!" ("Eu trato disso!")

É esta resposta tranquilizadora, um deus ex machina que vem acalmar até os compradores mais ansiosos, que se tornou o slogan da mais recente sensação das redes sociais em Itália.

Apresento-vos Angela, de 59 anos, nascida na China e proprietária de "An Megastore", uma loja de descontos na periferia sul de Roma.

Nos últimos meses, a comerciante local tornou-se uma verdadeira estrela e um fenómeno cultural. As suas contas no Tik Tok e no Instagram acumulam meio milhão de seguidores e os vídeos têm 15,2 milhões de "likes" na primeira plataforma.

A premissa dos seus vídeos é simples: Angela ajuda os seus clientes com qualquer um dos seus pedidos, por mais estranhos que sejam. Mas a chave da popularidade de Angela é a sua personalidade alegre e os seus bordões memoráveis, que dão vida ao marketing online, combinando uma estratégia comercial astuta com a comédia nas redes sociais.

Mas como é que se deu a ascensão meteórica da proprietária da loja à fama? E que implicações sociais mais alargadas têm os seus vídeos? A Euronews Culture analisa a pessoa por detrás da câmara e do balcão.

Bella fisica!" Os ingredientes de uma sensação nas redes sociais

Uma descida por uma rua desalinhada no meio do bairro Ostiense, em Roma, leva-nos à montra de uma loja, encimada por uma placa onde se lê "An Mega" - a porta de entrada para o reino de Angela.

Por mais majestoso que possa parecer, se pestanejar, não verá a loja, pois o seu aspeto exterior é decididamente despretensioso. Ao entrar na loja - um labirinto que armazena uma miríade estonteante de produtos - pode encontrar a Ângela a trabalhar na caixa, escondida atrás de uma máscara facial cor-de-rosa de grandes dimensões.

Não parece ser o cenário de um fenómeno das redes sociais. E, no entanto, Angela está agora consagrada na cultura popular italiana, fazendo da sua loja um local de peregrinação para os fãs ansiosos por tirar uma fotografia com a proprietária da loja.

Por detrás dos vídeos de An Megastore está um formato claro e conciso, que tem conquistado os espectadores.

Andrea Carlo Martinez
Angela inside her Megastore, in Rome's Ostiense, Tuesday, 19 September 2023.Andrea Carlo Martinez

Em cada vídeo, um cliente diferente procura Angela com uma necessidade desesperada de um produto específico, para o qual ela reúne os seus recursos e encontra uma solução, tudo para provar o seu principal argumento de venda - que a sua loja tem, como ela afirma, "tudo".

Os pedidos são muitas vezes de natureza bizarra, e o humor distinto dos vídeos baseia-se no comportamento alegre de Angela e nas respostas doces, mas subtilmente sarcásticas, bem como em mal-entendidos linguísticos.

"Quero mudar de iPhone... mas o site diz que [o 15] sai em novembro. Sei que me podem ajudar, porque têm tudo antecipado, certo?", pergunta uma cliente num vídeo. Angela assegura-lhe que pode fazer o que parece impossível, mas acaba por mostrar ao cliente perplexo um conjunto de secadores de cabelo.

Alguns dos vídeos de Angela têm um toque mais cinematográfico e evitam a promoção direta de produtos. Em clips recentes, a proprietária da loja veste-se de Zorro e de Barbie, canta música chinesa num simulacro de concurso de talentos ("An.Mega's Got Talent") e convida os seus clientes para encontros às cegas.

Ao longo dos seus clipes, Angela tornou-se especialmente conhecida pelas suas frases de efeito icónicas.

"Bella fisica!" (uma tradução gramaticalmente incorrecta de "belo físico"), diz ela a uma jovem cliente, Michela, que aparece regularmente nos seus vídeos a pedir conselhos de moda. A frase tornou-se tão famosa que deu origem a memes e até a uma paródia de um vídeo musical.

Agora, passados apenas alguns meses desde a sua estreia nas redes sociais, a fama de Angela na Internet já se traduziu no mundo real.

Na sua loja, Angela é regularmente interpelada por clientes que lhe pedem fotografias ou vídeos - e está a aproveitar cada segundo.

PUBLICIDADE

"Estou feliz, onde quer que vá, as pessoas reconhecem-me - em qualquer loja, até no aeroporto", disse Angela à Euronews Culture.

Da China rural à Cidade Eterna: Quem é Ângela?

O público italiano pode ter acabado de conhecer Angela e a sua loja, da qual é proprietária há seis anos. Mas poucos sabem sobre a viagem que a trouxe a Itália e porque decidiu despedir-se da sua terra natal.

Deixando a cidade rural de Qingtian, na China, há 40 anos, Angela - que tinha formação em têxteis, claramente visível na sua inclinação para a alta costura - recorda vivamente a pobreza que a levou a emigrar da sua terra natal.

"O país era tão pobre na altura... toda a gente queria ir embora", conta. "O meu primo já vivia em Itália, em Bolonha, por isso, um grupo de 10 pessoas veio para cá."

Mas as suas mudanças não pararam quando chegou a Bel Paese; de facto, Angela viveu em várias cidades italianas antes de finalmente se estabelecer na capital do país.

PUBLICIDADE

"Vivi em Bolonha, em Milão, em Palermo, na Sicília, até, e depois, vim para Roma", conta.

Como era de esperar, uma vida em movimento foi acompanhada de grandes dificuldades e da sombra dos estereótipos étnicos e do racismo.

"Na altura em que vim para Itália, as coisas eram mais difíceis do que agora, havia muitos estereótipos", comenta: "As pessoas diziam coisas como 'se fores amigo de um chinês, ele vai tornar-te rico'".

An Megastore
Pictures of Angela with her two sons.An Megastore

Mas Angela não só fez um nome para si própria em Itália, como tem agora dois filhos nascidos e criados em Itália, incluindo Alessandro, de 31 anos, que ajuda na loja - e cujo sotaque trai imediatamente a sua educação romana.

De facto, Angela já não tem família imediata na China, pois todos os seus parentes se mudaram para Itália. Mas regressa frequentemente para visitar amigos e constata a melhoria da situação de vida no país, apesar de sentir que Itália é a sua casa.

PUBLICIDADE

"As coisas lá são melhores e mais limpas do que na Europa!", graceja, "mas agora quero e tenciono ficar em Itália".

Rixas ferventes nos bastidores? Por dentro da realização dos vídeos de Angela

A qualidade espontânea, quase amadora, dos vídeos de An Megastore dá-lhes um verniz despreocupado, de tal forma que se pode não pensar muito sobre o que é necessário para fazer cada clip.

Mas no centro de tudo isto está uma estratégia de marketing cuidadosamente construída.

Na realidade, os "clientes" do vídeo são profissionais contratados por uma agência de comunicação (Enne), que trabalha com diferentes empresas para as ajudar a aumentar o seu número de seguidores online.

Atraído pelo seu estilo de filmagem e desesperado por quebrar a monotonia "aborrecida" da vida na loja, o filho de Angela, Alessandro, contactou a Enne no final do ano passado. A agência encontrou uma fórmula clara para o vídeo - nomeadamente, apresentar a loja como uma espécie de Amazon da vida real, mantendo tudo em stock - e agora gere os perfis nas redes sociais do estabelecimento, juntamente com Alessandro.

PUBLICIDADE

Mas a estratégia de redes sociais da megastore não foi isenta de tentativas e erros. Na verdade, Angela nem sequer era a estrela original do espetáculo.

Os primeiros clips, que datam de janeiro, apresentavam uma assistente de loja. Mas após alguns desentendimentos com a agência, Angela decidiu intervir, com excelentes resultados.

"Assim que a Angela começou a aparecer nos vídeos, o interesse do público foi imediato", diz Christian Carboni, cofundador da Enne, à Euronews Culture. "O crescimento foi exponencial. Tê-la foi a decisão perfeita".

O sucesso dos vídeos de Angela é tão grande que até os próprios "clientes" que simulam ser clientes ganharam fama.

A namorada de Christian, Michela Rullo (ou a "bella fisica" de Angela) tornou-se, sem dúvida, a maior co-estrela do programa, com alguns dos vídeos em que participa a acumularem mais de um milhão de visualizações.

PUBLICIDADE

Ela afirma não ter sido contratada por Enne e colaborar com Angela por amizade e boa vontade. E está agora a sentir as repercussões da fama em segunda mão.

"Estou sempre a ser reconhecida, sobretudo pelas crianças, mas também pelos adultos", conta. "Até tive pessoas que vieram ter comigo quando estava de férias em Mykonos."

À primeira vista, a colaboração entre Enne e a An Megastore parece uma combinação perfeita. Mas será que tudo é tão cor-de-rosa nos bastidores?

No início deste mês, parecia que as coisas não estavam tão serenas no reino de Angela, na sequência de alegados desacordos entre a loja e a agência sobre a gestão financeira das páginas das redes sociais e a direção criativa dos vídeos.

Christian repudiou essas alegações, afirmando que "nunca houve" qualquer fricção e que a Enne Agency continua a trabalhar com a loja.

PUBLICIDADE

"Houve discussões calmas sobre a direção do nosso conteúdo", afirmou. "Não há problemas de momento. Está tudo bem".

Este facto acabou por ser confirmado pelo próprio Alessandro no final do mês passado, que afirmou que a An Megastore e a Enne chegaram a um acordo e estavam a manter a sua relação profissional.

Como demonstrado pela aparição contínua de Michela e Christian em vídeos recentes, parece que o casamento de Enne e An Megastore ainda está intacto, com uma condição - a agência mantém todos os lucros derivados da atividade da página nas redes sociais.

"Nós gerimos 100% do conteúdo das redes sociais", confirmou Christian.

Combater ou reforçar os estereótipos étnicos?

À medida que o sucesso de Angela continua a crescer, o seu conteúdo começou a levantar algumas questões um pouco mais espinhosas, para as quais ela pode não ter uma solução rápida - nomeadamente, a forma como o povo e a cultura chineses são representados.

PUBLICIDADE

O racismo continua a proliferar em Itália e a hostilidade contra a comunidade chinesa tornou-se especialmente aguda após a pandemia de COVID-19. De facto, o preconceito anti-asiático está de tal forma enraizado que se infiltra frequentemente nos principais meios de comunicação social italianos. Em 2021, o popular programa de televisão Striscia la notizia foi amplamente condenado por incluir um sketch em que os seus apresentadores troçavam do sotaque e dos traços faciais chineses.

Neste contexto, o sucesso de Angela pode ser visto como sintomático dos estereótipos raciais em curso ou como um sinal de que a Itália está mais disposta a abraçar e a envolver-se com as comunidades imigrantes.

Andrea Carlo Martinez/Euronews
An Megastore's exterior in Rome, Tuesday, 19 September 2023.Andrea Carlo Martinez/Euronews

Parte do humor dos vídeos de Angela - nomeadamente a frase de efeito bella fisica - deriva dos seus erros gramaticais. E alguns comentários mais maldosos aproveitaram para gozar com a pronúncia de Angela, aludindo a estereótipos chineses comuns.

"A estratégia de marketing viral da An Megastore insere-se na tradição consolidada de exploração de estereótipos culturais para fins cómicos", afirma Laura Leuzzi, historiadora de arte nascida em Roma, da Universidade Robert Gordon, na Escócia. "A recuperação de tais estereótipos é hoje generalizada entre os comediantes de stand up italianos, irlandeses, indianos e chineses no YouTube e no Instagram, por exemplo, e tem uma longa tradição."

"O seu sucesso, creio eu, não é um sinal de abrandamento da onda racista a que estamos a assistir em Itália", acrescentou.

PUBLICIDADE

O sucesso de Angela pode ser uma faca de dois gumes, uma vez que a proprietária da loja pode ter alienado a comunidade chinesa, de acordo com o seu filho, Alessandro. Angela, no entanto, acredita que é tudo uma questão de tecnologia.

"A nossa comunidade não vê esses vídeos!", diz ela, com despreocupação. "Só os jovens."

Mas Angela e o filho - que admitem ter sido alvo de preconceito racial - contestam fundamentalmente a noção de que os seus vídeos tenham quaisquer implicações negativas e, pelo contrário, afirmam que têm sido um meio para recuperarem a sua identidade.

"Se queres visibilidade, tens de trabalhar nas coisas que vão ter sucesso", afirmou Alessandro. "E se eu não posso criticar ou gozar com a minha comunidade, então quem pode? Eu vejo as coisas boas e as coisas más".

De momento, An Megastore não mostra sinais de parar. Os vídeos da loja ultrapassam regularmente as 100.000 visualizações e pode até estar a ser preparada uma aparição na televisão - embora os pormenores permaneçam confidenciais.

PUBLICIDADE

É difícil prever se a popularidade online de Angela continuará a florescer e a colocá-la no panteão das divindades dos media em Itália, especialmente no reino inconstante das redes sociais.

Mas a proprietária da loja parece não se incomodar com essas preocupações. Decidiu viver o presente e deixar que o destino decida o que lhe está reservado.

"Neste momento, gosto de como as coisas estão", diz Angela. "Depois logo se vê."

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Não é só Pisa: Torre inclinada de Bolonha gera preocupações

"França não vai receber migrantes de Lampedusa"

Feliz Dia Internacional da Dança! Veja como pode comemorar (mesmo que tenha dois pés esquerdos)