Guillermo del Toro é o convidado de honra do Festival de Cinema Lumière deste ano. O cineasta apresenta a sua adaptação de 'Frankenstein', de Mary Shelley, que o público pode ver no grande ecrã antes de ser transmitida pela Netflix no mês que vem.
Para Guillermo del Toro, mestre dos belos contos de fadas cinematográficos macabros e assustadores, 'Frankenstein' não é apenas o seu último filme. É o culminar do trabalho de uma vida.
O realizador distinguido nos Óscares, e responsável por clássicos como 'Nas Costas do Diabo', 'O Labirinto do Fauno', 'Hellboy' e 'A Forma da Água', não esconde que a criação de Mary Shelley tem sido uma enorme influência na sua arte desde o início — de 'Cronos', em 1992, a 'Pinóquio', em 2022.
Mais do que isso, colocou-o no caminho para se tornar um cineasta.
Perante uma sala cheia em Lyon, na 17.ª edição do Festival de Cinema Lumière e antes da exibição do filme 'Frankenstein' no grande ecrã, o ator de 61 anos contou que viu o filme de James Whale, de 1931, com Boris Karloff no papel do monstro de Frankenstein, quando tinha apenas sete anos. Mais do que isso, ele viu o filme depois de ir à missa.
“Quando vi Boris Karloff, compreendi a religião naquele momento”, referiu. “Compreendi Jesus, o êxtase, a conceção imaculada, os estigmas, a ressurreição... Percebi que tinha encontrado o meu messias.”
Acrescentou, com um sorriso no rosto: “A minha avó tinha Jesus. Eu tinha o Boris Karloff.”
Del Toro continuou: “Quatro anos depois, li o livro de Mary Shelley — a versão de 1818, que é a menos filtrada, a mais selvagem e a mais pura. Os meus amigos cresceram a sonhar com Farrah Fawcett — eu sonhei com as irmãs Brontë e com a Mary Shelley.”
“Descobri que tudo o que não podia fazer como uma criança 'normal' no México, estava tudo lá, no imaginário romântico e gótico, bem como nos monstros.”
De facto, Guillermo del Toro tem contado histórias de monstros desde que faz filmes, e 'Frankenstein' é uma espécie de “apogeu”.
O cineasta continuou, partilhando que estava feliz por ter esperado tantos anos antes de poder fazer a sua versão de 'Frankenstein', porque esta história, que na mente de del Toro aborda a paternidade — e, quando se assiste ao filme, sobre como os pecados podem ser transferidos de geração em geração —, exigia a passagem do tempo.
“Estou feliz por estar mais velho — e mais cansado — para contar esta história, porque a criança que viu 'Frankenstein' aos sete anos e leu o romance de Mary Shelley aos 11 ainda está dentro de mim... Mas agora sinto-me como Johnny Cash quando cantou 'Hurt' — e não se pode cantar essa música se a pessoa que canta não sentiu dor, o passar do tempo e o peso das coisas perdidas.”
Acrescentou: “Também estou feliz porque não o fiz como filho do meu pai, mas como pai das minhas filhas."
Além disso, o romance colocou uma questão urgente em 1818 que continua a ser urgente atualmente: o que é ser humano?
"Para mim, a resposta é: pedir perdão e ser capaz de perdoar."
O realizador prosseguiu: “Vivemos tempos perigosos — tempos em que temos vergonha das nossas emoções, em que nos dizem que a arte não é importante e que podemos fazer arte numa maldita app...”
Uma intervenção que foi recebida com aplausos do público, que compreendeu claramente o peso e a importância do que ele estava a dizer numa altura em que os prompts de IA são insultuosamente rotulados como "arte".
“Quando nos rouba a arte e a emoção, isso leva-nos para a estética do fascismo”, disse del Toro. “Neste filme, todos os cenários são reais, a decoração é de tamanho humano, existem miniaturas criadas meticulosamente... É uma ópera, feita por humanos, para humanos. É um filme que existe para nos lembrar que a arte não é apenas necessária, é urgente. E a IA pode ir se f***r!”
O seu comentário foi recebido mais uma vez com aplausos estrondosos e, desejando ao público uma agradável experiência cinematográfica, o maestro mexicano saiu do palco com um apaixonado: “Viva o México, Cabrones!”
Viva o México. Viva Shelley. Viva del Toro.
Frankenstein estreia amanhã em cinemas selecionados e estará disponível na Netflix a partir de 7 de novembro. É o nosso Filme da Semana. Acompanhe a Euronews Culture para a nossa crítica completa amanhã.