Michael Mann, galardoado este ano com o prestigiado Prémio Lumière, revelou o que poderá vir a ser a tão esperada sequela de "Heat" (1995) e respondeu às críticas sobre a falta de mulheres nos seus filmes.
O Festival Lumière de Lyon terminou no fim de semana com a projeção do drama policial épico de Michael Mann, Heat. E que forma de encerrar a 17ª edição do festival, que distinguiu o realizador norte-americano com o Prémio Lumière, que o diretor Thierry Frémaux considera algo equivalente ao "Prémio Nobel do Cinema".
O filme de 1995, com Al Pacino no papel do detetive Vincent Hanna e Robert De Niro no papel do criminoso Neil McCauley, é considerado um dos melhores de Mann. Sabemos já que uma sequela está a caminho(ligação para conteúdo em inglês).
"Estamos em negociações e parece que vai avançar no verão de 2026", partilhou o realizador de 82 anos durante o festival.
Heat 2 pode ainda não existir em forma de filme, mas existe já em forma de livro, com um romance escrito por Mann e Meg Gardiner publicado em 2022, que funciona simultaneamente como prequela e sequela de Heat.
Pouco foi oficialmente confirmado em relação ao filme e ao seu elenco, com rumores que sugerem que Adam Driver pode estar na linha para interpretar um jovem McCauley e Leonardo DiCaprio em conversações para retratar Chris Shiherlis, o papel desempenhado no filme original pelo recentemente falecido Val Kilmer.
Mann não confirmou se Pacino, atualmente com 85 anos, voltará a interpretar o papel de Hanna, o polícia sobrevivente, mas deu aos jornalistas algumas informações sobre a sequela durante uma conferência de imprensa este fim de semana.
Questionado sobre a razão pela qual estava interessado em revisitar as personagens de Heat, especialmente porque Mann nunca fez uma sequela de um dos seus filmes, o realizador revelou que era devido à sua profunda ligação com as personagens: "As personagens de Heat estão tão vivas para mim que sei tudo o que se passa fora dos limites do filme. Sei como era a personagem de De Niro quando foi educado pelo Estado como um miúdo de 11 anos, usando roupas que não condiziam, sendo votado ao ostracismo, o que o tornou agressivo e violento, o que o levou a instituições juvenis", disse o realizador à Euronews, na conferência de imprensa.
"Sei tudo sobre estas personagens. Sempre quis fazer mais com estas pessoas, mas não conseguia perceber como fazê-lo porque um deles morre no final de Heat, revelou. "Depois ocorreu-me a ideia, baseada na relação entre os dois adversários, o Hanna de Pacino e o McCauley de De Niro, de como fazer as duas coisas antes dos acontecimentos de 'Heat' e depois." Mann confirmou que Heat 2 iria saltar entre linhas temporais, explorando tanto o antes como o depois dos acontecimentos do filme original.
"Começa um dia depois de 1995 e só Val Kilmer está vivo, e ele tem de fugir dos Estados Unidos", revelou Mann. "E depois passam-se sete anos antes. Estamos em 1988. Hanna é um detetive em Chicago, não em Los Angeles. Em 1988, Hanna e McCauley não são as mesmas pessoas que são em 1995. São os acontecimentos de 1988 que os transformam nas personagens de 1995".
Acrescenta: "Por exemplo, McCauley, que é uma personagem desapegada, pensa 'não tenhas nada na tua vida de que não te possas afastar em 30 segundos'. Em 1988, ele tem uma mulher e uma enteada. Tem uma família nuclear que está muito ligada a ele".
Michael Mann falou brevemente sobre experiências com IA e pareceu confirmar que as ferramentas digitais de rejuvenescimento desempenharão um papel em Heat 2: "Não faço experiências com tecnologia de forma gratuita. Quando tenho uma necessidade dramática ou estética, aprofundo o que preciso. Assim, por exemplo, o envelhecimento e o rejuvenescimento podem ser muito importantes no próximo filme".
Tendo em conta a forma como a tecnologia de rejuvenescimento foi utilizada em O Irlandês, de Martin Scorsese, e em Indiana Jones e o Marcador do Destino(ligação para conteúdo em inglês), isso pode ser controverso. Mas confiemos em Michael Mann.
O realizador confirmou a esperança de começar a filmar no verão de 2026, com vista ao lançamento de Heat 2 em 2027. Também abordou a mudança de estúdio da Warner Bros. para a Amazon MGM, uma vez que não conseguiu chegar a um acordo com a Warner relativamente ao orçamento do projeto.
"Heat 2 é um filme caro de fazer, mas acredito que deve ser feito no tamanho e na escala adequados. Vai ser filmado em Chicago, Los Angeles, Paraguai e possivelmente em algumas partes de Singapura", adianta. "Se fosse a um preço muito baixo, poderia tê-lo feito em qualquer lugar. Mas é complexo. Não posso entrar em todas as questões políticas, mas passámos da Warner Brothers para a Amazon e para a United Artists."
Mann, um realizador "machista"?
De Heat a Hacker (Blackhat), de O Último dos Moicanos a Colateral, o universo cinematográfico de Mann é, sem margem para dúvidas, um universo de homens. O que não deixa de ser algo controverso numa época em que a falta de representatividade das mulheres no grande ecrã é cada vez mais denunciada, com estatísticas recentes a darem conta de um claro predomínio do sexo masculino sobre o feminino no tempo de falas nas películas de Hollywood (e não só).
O teste de Bechdel, nascido a partir de uma banda desenhada de 1985 da autoria de Alison Bechdel e Liz Wallace, avalia a importância das mulheres nos filmes. Para um filme poder passar o teste, tem de cumprir três critérios:
Haver pelo menos duas personagens femininas com nome no filme,
Haver pelo menos um diálogo entre essas personagens,
Esse diálogo não tem como tema um homem.
Ora, muito poucos filmes de Mann passam o teste. Heat passa-o à justa, graças ao breve diálogo entre Diane Venora e Natalie Portman (mãe e filha no filme), mas as falas de mulheres durante todo o filme são residuais. Já Hacker tem duas personagens femininas importantes, desempenhadas por Tang Wei e Viola Davis, mas não há qualquer diálogo entre ambas.
Para se defender das críticas, na conferência de imprensa de encerramento do festival, Mann usou o exemplo do seu mais recente filme, Ferrari: "A resposta a essa questão está em sabermos de que trata o filme", diz Mann em resposta a mais uma questão da Euronews. "Por exemplo, em Ferrari, temos as personagens de Penélope Cruz e de Shailene Woodley, que são centrais para a trama do filme e que dialogam entre si, mesmo sem nunca se encontrarem no ecrã. Ambas as personagens são extremamente fortes e poderosas".
Michael Mann é o vencedor do Prémio Lumière deste ano, sucedendo a Isabelle Huppert, vencedora de 2024. O festival teve lugar em Lyon de 11 a 19 de outubro de 2025.