"Aldeia Assombrada" é o nome da festança de rua que acontece nas noites de 31 de outubro em Vilar de Perdizes, mística localidade no norte de Portugal com raízes celtas. Há concursos, música, danças, cortejo, uma casa dos horrores com segredos sinistros e um esconjuro feito pelo padre da terra.
O Baloiço das Bruxas, na encosta nascente de Vilar de Perdizes, dá as boas-vindas a esta pequena localidade fronteiriça no norte de Portugal com apenas 450 habitantes. Dificilmente se arranjaria um melhor cartão-postal. De lá, temos uma vista privilegiada sobre esta e outras terras portuguesas nas proximidades, com algumas aldeias vizinhas espanholas a despontarem por entre a imponente Serra do Larouco ao fundo.
A terceira maior elevação de Portugal continental, com mais de 1.500 metros de altitude, herdou o nome de uma divindade celta, o que que ajuda a explicar a apetência desta povoação do planalto barrosão português para o sobrenatural.
As vários tribos destes povos pré-romanos assentaram arraiais há milhares de anos em Trás-os-Montes e aí enraizaram os seus costumes, entre os quais o Samhain, celebração religiosa pagã em que se fazia a colheita no final do verão e se recebia o inverno: os habitantes acendiam fogueiras e recorriam a fantasias e máscaras para se esconderem dos espíritos que, segundo eles, vagueavam por entre os vivos nesta altura do ano e para afugentá-los.
O Halloween, que chegou a Portugal na sequência da popularização das festas temáticas norte-americanas no final da década de 90 do século passado, já estava, por isso, no código genético de Vilar de Perdizes, que acolhe o Dia das Bruxas mais genuíno do país, sob o lema "Aldeia Assombrada".
Aliás, a conhecida "Sexta 13", celebrada por dezenas de milhares de amantes das superstições no centro de Montalegre, sede do concelho, e que se tornou um dos maiores eventos de rua do país, teve origem em Vilar de Perdizes, lembra a organização do Aldeia Assombrada.
"Aqui os entornos são completamente diferentes, não só no local onde decorre o evento, mas também no resto da aldeia. Toda a gente adora o ambiente, a proximidade com as pessoas, a comida, e a questão de ser uma festa de rua também é sempre diferente de estar fechado num pavilhão", afirma à Euronews Nuno Alves, presidente da Associação de Defesa do Património de Vilar de Perdizes.
Esse é um aspeto que, de acordo com o organizador, distingue a Aldeia Assombrada de outras festas de Halloween em Portugal.
"É um ambiente mais familiar e as pessoas conseguem levar os filhos", realça.
Edição mais arrepiante de sempre
Há semanas que os organizadores, com a ajuda da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal de Montalegre, se desdobram em esforços para montar os pontos e circuitos da festa, e decorar a paisagem natural a rigor com todos os motivos de Halloween.
"Normalmente apagamos as luzes da aldeia, este ano vai ser um bocadinho diferente", adianta Nuno Alves.
"Em vez de as ruas estarem totalmente apagadas, o percurso vai estar completamente vermelho, vai ser algo mais temático". O caráter sombrio é conservado, mas será projetada uma "luminosidade vermelha para dar um ambiente horripilante".
As festividades arrancam por volta da hora de almoço para forrar os estômagos dos convivas num evento em que nada é deixado ao acaso. Várias atividades têm início aos 31 minutos das correspondentes horas, número mal-afamado ligado a zaragatas e revoltas históricas. Mais um ingrediente que aquece o caldeirão de experiências.
Às 15:31, por exemplo, dá-se início ao concurso "Abóbora Mais Terrorífica". Apesar do simbolismo numérico e da designação, este é um momento descontraído para ser usufruído em família.
"Uma coisa que é muito engraçada é a interação no concurso de abóboras e ver a proximidade das crianças que querem fazer a sua abóbora com os pais a ajudarem. É um momento especial", confessa o organizador do evento.
Após o desfile das "criaturas do abismo" e o ateliê sangrento, com a "caracterização de bruxas, trasgos e dianhos de última hora", servem-se os "jantares endiabrados" no "Salão dos Vampiros", incluindo carne crua.
Às 20:13 (Halloween sem azar não é Halloween), começa o "Concerto Infernal" com os Gaiteiros de Pitões, seguido da entrada na "Escola do Terror".
"Na antiga escola temos a nossa casa assombrada, que vai ter um tema diferente". Este foi um dos "pontos altos do evento" em 2024 "com uma fila interminável".
"Vai estar uma empresa dedicada a fazer os sustos e, digamos, uma espécie de história para quem se envolve na casa assombrada. Decidimos que este ano seria uma boa aposta continuar a melhorar essa atividade", aponta Nuno Alves.
Sustos não faltarão quando os foliões se cruzarem com os animais exóticos colocados no percurso.
"Aqui [as pessoas] conseguem ver coisas que não se veem noutros sítios... cobras, mochos. Temos uma empresa que vai lá estar com animais exóticos para as pessoas poderem ver, tocar, tirar fotos", revela.
Cortejo e queimada
A parte mais aguardada da viagem tem início com o "cortejo assombrado". A multidão percorre as ruas de Vilar de Perdizes por entre bruxas, diabos e duendes, os protagonistas da noite.
"Vai haver uma animação com aros de circo", refere Nuno Alves, sem esquecer o espetáculo de fogo.
A cura dos males é alcançada com a queimada, licor feito à base de aguardente, açúcar, maçã e canela. É aqui que entra em ação António Fontes, padre da localidade, que, antes de servir a bebida, recita uma ladainha contra os maus-olhados, feitiços e invejas.
"Vade retro Satanás, prás pedras cagadeiras. Lume de cadáveres ardentes, mutilados dos corpos indecentes, peidos de infernais cus. E quando esta mistela baixe pelas nossas gorjas, ficaremos livres de todo o embruxamento. Forças do ar, terra, mar e lume, a vós requero esta chamada. Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei com que os espíritos ausentes dos amigos que andam fora compareçam a esta queimada", declama, em conjunto com os foliões, o sacerdote, a quem chamam "Dom Bruxo".
O padre Fontes ganhou fama a nível nacional em 1982, ao organizar o primeiro Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes, juntando todo o tipo de bruxos, videntes e leitores de mãos, evento que continua a realizar-se até aos dias de hoje entre o final de agosto e o início de setembro. À época, causou polémica e até chegou a ter problemas com o bispo de Vila Real, mas permaneceu fiel ao seu "paganismo".
"É a figura grande da nossa aldeia e do nosso concelho", sublinha Nuno Alves.
Evento nacional e já internacional
O Dia das Bruxas é festejado com pompa e circunstância em Vilar de Perdizes há pelo menos dez anos.
"Não há tanta multidão como na sexta-feira 13, mas conseguimos colocar milhares de pessoas em Vila de Perdizes", nota Nuno Alves.
No ano passado, segundo a organização, participaram nos festejos entre cinco a seis mil foliões.
"Conhece-se gente de todo o país. Temos pessoas a vir de Lisboa, do Alentejo, várias excursões a vir propositadamente. Ao mesmo tempo, consegue-se saborear um pouco do que é Trás-os-Montes". Isto porque estão disponíveis nas barraquinhas instaladas no evento licores e todo o tipo de doçaria típica da região.
"Fazemos uma espécie de minifeira em simultâneo", informa o organizador.
Mas Vilar de Perdizes também já vai estando no mapa internacional.
"No ano passado, consegui conhecer uma família da Alemanha que veio propositadamente ao nosso Halloween. É muito bom saber que já está a um nível transfronteiriço, há também muitos espanhóis pela proximidade geográfica. Também vêm franceses que são amigos de emigrantes portugueses em França", conclui.
Acredite-se ou não no além, a noite de 31 de outubro em Vilar de Perdizes é garantia de diversão e enriquecimento cultural. E nunca se sabe que surpresas as almas passadas ou perdidas têm para oferecer.