O apagão geral do passado dia 28 de abril pode ser um cenário repetível devido às ligações limitadas à rede elétrica continental, segundo informou um novo estudo.
Cerca de 60 milhões de pessoas ficaram sem eletricidade durante várias horas na sequência de um apagão geral que deixou Portugal e Espanha às escuras. Foi o maior apagão da história moderna, num cenário dantesco que dificilmente se repetirá... ou talvez não.
A verdade é que Portugal e Espanha são os países mais vulneráveis a apagões da Europa. A conclusão é de um estudo do ‘think tank’ britânico Ember, que foca o seu trabalho na transição energética.
“A Península Ibérica é mais vulnerável a riscos de apagões do que outros países europeus devido às ligações limitadas à rede continental. Após o apagão, Espanha e Portugal instaram a UE a apoiar novos projetos de interligações, citando ligações mais fortes como essenciais para evitar futuras interrupções”, é possível ler no documento.
O documento indica que Espanha conseguiu recuperar totalmente do incidente ao fim de 16 horas, auxiliada por França e Marrocos.
“Apenas 10 minutos após o apagão, a primeira linha elétrica França-Espanha foi reenergizada, logo seguida pela interligação com Marrocos e outras conexões com França. Com a ajuda de unidades hidrelétricas e a gás, a restauração total foi alcançada em Espanha por volta das 4 da manhã do dia 29 de abril, cerca de 16 horas após o incidente”, detalhou o estudo que não especificou o tempo de recuperação português.
A ministra portuguesa do Ambiente, Maria Graça Carvalho disse em maio que o país recuperou a rede elétrica ao fim de dez horas.
"Tivemos uma recuperação total ao fim de 10 horas, o que para um evento deste género é uma recuperação exemplar", afirmou.
Segundo o relatório preliminar da associação europeia de Operadores de Sistemas de Transporte de Eletricidade (ENTSO-E), que detalhou os timings de recuperação dos dois países, é possível concluir que, ao contrário de Espanha, Portugal não teve apoio externo imediato, iniciando o processo de restabelecimento de energia elétrica de forma autónoma. Menos de uma hora após a falha, a REN acionou centrais hidroelétricas no país com capacidade de arranque autónomo, nomeadamente a hidroelétrica de Castelo de Bode e a central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro.
A recuperação avançou de forma faseada, sendo que entre as 16h00 e as 17h30 começaram a funcionar as primeiras ilhas de fornecimento de energia dentro do país, assegurando o restabelecimento progressivo da rede. O reforço ibérico só chegou a partir das 18h36, quando foi restabelecida a primeira interligação com Espanha. A reposição da eletricidade acelerou a partir desse momento, com o sistema português a beneficiar da estabilidade da rede vizinha.
Quanto às causas que levaram ao apagão, o governo espanhol apontou num relatório uma "origem multifatorial", com o incidente a resultar de episódios de sobretensão. O documento descartou a possibilidade de ciberataques e interferência externa reforçando antes que o incidente decorreu de falhas sistémicas, como planeamento insuficiente e vulnerabilidades no controlo da tensão na rede elétrica.
São esperadas as conclusões do relatório final dos operadores europeus (ENTSO-E), que deverá ser divulgado em outubro.
Capacidade de importação limitada
A recuperação espanhola revela a importância da importação de eletricidade, aparentemente muito limitada no continente Europeu.
"Somando a procura máxima de eletricidade de países com três ou menos direções de importação e uma taxa potencial de importação de 25% ou menos, até 55% do sistema elétrico europeu pode ser considerado em risco devido às opções limitadas de importação de emergência. Três países – Espanha, Irlanda e Finlândia – estão particularmente expostos, com muito pouco apoio disponível dos vizinhos em caso de incidentes na rede", é possível ler no estudo da Ember.
Portugal depende quase exclusivamente de Espanha o que significa que, em caso de problemas no país vizinho, Portugal não tem grandes alternativas de importação, ficando dependente dele próprio.
A importância das interligações entre os países da União Europeia fica comprovada pelo caso da Ucrânia e Moldova que, segundo o estudo, "teriam enfrentado uma grave perda de energia devido à agressão da Rússia, se não fosse pela troca transfronteiriça de eletricidade com os vizinhos da UE".
Portugal e Espanha pressionam Bruxelas para mais interconexões na UE
Na sequência do grande apagão, os governos de Portugal e Espanha pediram à Comissão Europeia um "compromisso político e financeiro firme" para avançar com interconexões entre a Península Ibérica e o resto da União Europeia.
"É necessário um compromisso político e financeiro firme, a todos os níveis, para assegurar a integração rápida e eficaz da Península Ibérica no sistema energético da União Europeia. Isso exigirá um salto adicional na interconectividade e um investimento substancial na infraestrutura da rede elétrica europeia", explicaram os ministérios do Ambiente e Energia de Portugal e da Transição Ecológica de Espanha.
Na carta, endereçada ao comissário europeu da Energia, Dan Jørgensen, foi proposta a realização "ainda este ano, de uma reunião ministerial, na qual, em conjunto com França e a Comissão, se possa acordar um roteiro com marcos e passos concretos a seguir para alcançar os objetivos europeus para 2030 e 2040".