Em período de eleições municipais, uma cidade francesa conta como é viver sob uma administração de extrema-direita.
Em Hénin-Beaumont, no norte de França, centenas de pessoas cantam o hino nacional. No palco está Steeve Briois, autarca da cidade desd 2014, e vice-presidente do principal partido da extrema direita francesa, o Reunião Nacional, antes conhecido como Frente Nacional.
Há seis anos, metade dos eleitores desta cidade de 26 mil pessoas votou em Steeve Briois à primeira volta. Viemos aqui para perceber como é que administração local espelha a visão do partido para França e por que é que as pessoas nesta parte do país aderem ao Reunião Nacional.
Não são apenas os apoiantes do Reunião Nacional que estão satisfeitos com o autarca. Até cidadãos como Arnaud Contrainne, um enfermeiro de 40 anos que não gosta do nacionalismo, dizem que a cidade é administrada com eficiência.
"Acho que fazem coisas boas, a nível social, para a comunidade, para as crianças e mesmo ao nível da habitação, apesar de não gostar do partido". afirma.
A poucos dias de França entrar em quarentena, por causa do coronavírus, o governo decidiu manter as eleições municipais. A principal opositora ao atual autarca é Marine Tondelier, dos Verdes, que lidera uma coligação com uma base ampla para derrubar o Reunião Nacional.
Nas vésperas da ida às urnas, tem poucas certezas sobre o futuro, com a exceção de que a atual crise sanitária está a interferir no per'iodo eleitoral.
"É difícil prever o que vai acontecer, especialmente com o coronavírus, a campanha foi bastante afetada", lamenta.
Tondelier enfrenta uma batalha difícil. Aos 47 anos, Steeve Briois conta com mais de 30 anos de ativismo cívico em Hénin-Beaumont.
De acordo com o autarca, a fórmula para o sucesso é simples. "Estamos em permanência no terreno, o tempo todo. Não ouvimos os eleitores só dois meses antes das eleições. E esse trabalho acaba por colher frutos".
No entanto, outro motivo explica a adesão ao Reunião Nacional. Hénin-Beaumont fica no coração da região francesa do carvão. Durante séculos, as minas moldaram a identidade local, deram empregos e um sentimento de comunidade. Era o bastião da esquerda. Mas, uma a uma, as minas foram fechando. E outras indústrias, como a do aço ou do têxtil, também acabaram por desaparecer.
David Noël, vereador comunista e professor de história, testemunhou a transformação da cidade.
"As grandes fábricas começaram a fechar por volta de 2008-2009, portanto há muitos antigos empregados, operários que agora estão no desemprego e que se refugiam na abstenção ou num voto de raiva, de protesto"
A raiva que subsiste na cidade é alimentada por uma taxa de desemprego de 20%. Aqui, um em cada quatro residentes vive abaixo do limiar de pobreza.
Também, em 2009, um ex-autarca socialista, foi preso por corrupção e peculato.
Revoltados, os eleitores acabaram por se se voltar para o que lhes pareceu ser a melhor alternativa.
Jean-Robert, um operário reformado e militante do Reunião Nacional personifica a transição radical da cidade.
Em casa, percorre os retratos pendurados nas paredes para nos guiar por herança de que se orgulha, mas deixou para trás para fazer o seu próprio percurso.
"Apresento-vos o meu avô, Voltaire Havet. Ele fez parte da Resistência, foi deportado, era antifascista. Aqui está o filho dele, o meu pai, que foi soldado e mineiro. E aqui estão as medalhas que receberam por serem da Resistência. Eu inscrevi-me no Frente Nacional, porque fui traído por pessoas da esquerda, que se dizem do operariado. E depois é vê-los na televisão a serem julgados por dinheiro aqui, dinheiro ali ... Percebemos rapidamente que eles não estão lá pelos trabalhadores, mas apenas por eles próprios. A cidade estava morta. Não havia mais nada em Hénin. E agora voltou a haver vida".
Clima de medo
Nem toda a gente na cidade está satisfeita com o Reunião Nacional. Alguns condenam as políticas adotadas contra migrantes, comunidades ciganas e organizações de direitos humanos. Mas as críticas mais frequentes dizem respeito a um clima de medo e intimidação que alegadamente paira sobre quem não está alinhado com o partido de extrema-direita. Jornalistas, opositores políticos, ativistas, cidadãos comuns e até funcionários públicos. Um deles concorda em ser entrevistado, com a condição de mantermos a identidade anónima.
"O Reunião Nacional implantou uma gestão do medo. É realmente uma gestão com base medo. Todos os dias há ameaças, intimidação, ordens, contra-ordens. Assim que eles sentem que não está com eles, acabou, é assim".
De acordo com alguns média, as alegações confirmam-se e estão associadas a um alto nível de baixas médicas entre os funcionários da cidade.
O autarca nega qualquer irregularidade. Steeve Briois assegura que "essa é a versão militante bolchevique da redação do Liberation, ao serviço dos opositores" e, garante, "a realidade é que 90% dos funcionários da autarquia estão felizes conosco".
À medida que as eleições se aproximam, a oposição acelera a campanha. Porta a porta, vai pendurando os últimos cartazes.
Para Marine Tondelier, o objetivo não é apenas vencer a eleição: é contrariar a narrativa do Reunião Nacional.
"O que eles querem mostrar é uma versão não demonizada do Frente Nacional, que são gentis, que tudo está bem. A realidade é que as tendências naturais voltam rapidamente. Se estiver com eles, não há problema. Mas se não estiver com eles, eles é como se estivesse contra eles e há um preço alto a pagar. E isso não está certo. Um autarca tem de trabalhar para toda a população".
A vitória da extrema-direita
Em toda a França, o coronavírus levou a uma abstenção ainda maior do que a habitual. Tal como em Hénin-Beaumont, onde apenas 44% dos eleitores foram às urnas. Mas os resultados são inegáveis.
Com 74,2% dos votos, Steeve Briois venceu por maioria absoluta.
O sucesso do Reunião Nacional em Hénin-Beaumont é objeto de intenso escrutínio em França. Enquanto o país lida com as desigualdades econômicas e a revolta contra os principais políticos, o partido de Marine Le Pen continua a retratar a cidade como um modelo de governanção que deve ser estendido a todo o país.
Para os outros partidos, aqui e no resto de França, o desafio continua a ser o de expor as fraquezas da extrema-direita e oferecer uma alternativa credível aos eleitores menos privilegiados.